quinta-feira, dezembro 14, 2006

DE LABIRINTOS, DA MAGIA E DA REALIDADE.

Se tu fosses uma criança pequena cujo pai morresse e tua mãe se casasse novamente com um homem desagradável e cruel, e te visses obrigado a morar longe da cidade, no meio de uma guerra que não é tua e que não compreendes, onde te refugiarias? Não buscarias na tua imaginação fértil de criança o esconderijo perfeito?
Ajudada pelos livros (sempre eles!), Ofélia (Ivana Baquero) transforma insetos em fadas, velhas pedras amontoadas num labirinto – entrada para seu reino encantado –, e o rangido do vento na madeira velha da casa que a acolheu nos passos de monstros e faunos (o mímico Doug Jones).
Livros, aliás, são uma referência. Carmem (Ariadne Gil), a mãe da menina, não entende porque indo para o campo, para o ar livre, ela precise de “tantos livros”, ou que uma grande surpresa que faça a filha não seja, “claro”, um outro livro, ou que seu padrasto Vidal (Sergi Lopez) se revolte com as atitudes de Ofélia, provocados por “essas coisas que a deixas ler!”. E é um livro de páginas em branco que guia a criança nos testes que deve cumprir para provar ser a princesa Moana, herdeira de um reino subterrâneo.
Ou será que tudo isso é real?!
Guillermo Del Toro escreveu e dirigiu O Labirinto do Fauno (El laberinto del fauno, Espanha, 2006), uma fantasia deliciosa bem ao estilo das nossas estórias de papões, já que foge ao conceito bonitinho do cinema americano, de fadinhas loiras e apenas travessas, violência asséptica e onde a morte jamais alcança os bravos mini-heróis que protagonizam seus fairy tales. É claro que o representante da Espanha para o Oscar 2007 tem lá seus defeitos (?): é lento (ou talvez eu seja acelerado demais!), tem personagens unilaterais: o Malvado, o Corajoso, a Inocente, a Sofredora e (para alguns isso é um problema) uma tecnologia bem simplória, mas que me incomoda menos que o King Kong do Peter Jackson. Del Toro situou sua história em apenas dois ambientes: o acampamento militar onde Ofélia vai morar com a mãe – o mundo ruim – e o Labirinto e seus anexos mágicos, perigosos é verdade, mas onde a menina é capaz de vencer os mais terríveis obstáculos. Criando essa atmosfera de dúvida, a direção pergunta o que é real e o que não é. Numa cena, Ofélia é castigada indo para a cama sem jantar. Na prova que deve cumprir, um fausto banquete do qual não deve provar em hipótese alguma é o divisor entre seu sucesso ou fracasso. Estaria transferindo a jovem seus medos para esse mundo mágico? Se o fauno é real, porque ele nasce das sombras e nunca é visto por outras pessoas? E o momento fatal, ao reunir tantos quantos Ofélia ama na suntuosa sala do trono do Mundo subterrâneo, não seria a compensação das perdas e abandonos pelas quais ela passou?
Em contraponto, a guerra civil espanhola e sua carreira de miséria, fome, destruição e morte, onde os homens e mulheres são apenas o que são, precisam tomar duras decisões, abdicar da felicidade, afastar-se daqueles que amam e reunir-se àqueles por quem não nutrem qualquer afeto. Nesse mundo, diz Carmem, não existe magia, e é sofrendo que a filha vai aprender isso.
Nossa criança interior vai adorar assistir O Labirinto do Fauno. Nossas crianças mesmo, acho que não (a recomendação do filme é 16 anos, por conta das cenas de violência). Será bom lembrá-las que existe mais no mundo que obrigações e que nossos sinais de nascença são, na realidade, marcas do nosso nascimento, quando a Lua nos pariu em seus ombros.

domingo, dezembro 10, 2006

QUEM TEM MEDO DE TURISTAS?

Recentemente tenho recebido muitas mensagens (e-mail, orkut, fumaça...) me conclamando a participar de uma campanha de boicote ao filme “Turistas”, que deve ter sua estréia por esses dias lá pelos lados ianques. Na película, um grupo de inocentes e belos turistas vêm ao Brasil tropical e exótico para merecidas férias quando são surpreendidos por facínoras-criminosos-felas-da-pata que apoiados numa boa dose de entorpecentes, seqüestra os incautos para roubar-lhes os órgãos, cujo mercado é, no mínimo, promissor. (informações lidas em jornais e nas próprias mensagens enviadas.)
Munidos de um inexplicável (ou pelo menos surpreendente) senso patriótico, algumas pessoas decidiram que esse filme seria extremamente negativo para a imagem do nosso país (!), daí o boicote.
Mas vamos ao que interessa: esse tipo de trabalho, classificado por mim como caça-níqueis-americano-da-pior-qualidade, muito freqüente em nossas salas de exibição, sobretudo nos gêneros comédia e terror, já tem o meu boicote natural e não merece sequer a minha atenção. Não gastaria um centavos com ele, sobretudo para assisti-lo no Moviecom. Quanto às justificativas para o boicote, lembro que li num jornal a fala do produtor brasileiro do filme – extremamente auri-verde com o próprio bolso! – “Mudem a imagem do país que mudam as opiniões sobre ele!”. Eu posso tirar a razão de uma pessoa dessas? Os produtores afirmam ainda que nenhuma produção americana similar situada no próprio berço teve qualquer repercussão negativa para o potencial turístico do país. Aliás, 70% dos filmes americanos tem esse quê de Teoria da Conspiração e vendendo uma falsa mea culpa, querem nos fazer crer na bondade dos seus corações; o restante são heróis da virtude lutando contra criaturas que possuem o recessivo gene da maldade ativo no corpo, ensinando a nós, pobres mortais, como tornar esse mundo melhor através da milenar técnica das estalactitites de gelo no olho. Claro que há muitos filmes bons e contestadores, mas o Michael Moore não os dirigiu! Pois bem. Só pra citar um caso recente, o acidente com o boing da Gol. O governo americano tentou de um tudo para livrar a cara dos seus patrícios, pilotos do Legacy (o pequeno avião que se chocou contra o vôo 1907). O governo brasileiro bateu pé até a corda não ter mais o que esticar; daí, foi só o choro das vítimas não interessar mais à imprensa para todos os aeroportos do Brasil virarem uma sucursal do inferno, jogando por terra toda a competência do nosso sistema aeronáutico. Se um estúdio americano fizesse um filme onde uma linda criança loira com uma doença rara e mortal sofresse mais que peru às vésperas do dia de Ação de Graças por causa de um vôo que deveria levá-la do nosso ensolarado rincão para um lugar onde ela pudesse ser salva (o que aconteceria miraculosamente nos minutos finais da história ao som de uma música do John Willians), haveria uma nova campanha de restabelecimento da nossa moral? Ou será que esse tumulto todo é porque um gringo otário é que está dizendo todas essas coisas? Ninguém falou nada do premiado, aclamado e desesperançado Anjos do Sol e a sua cruel realidade de tráfico e prostituição infantil por esse meu Brasil varonil, que tanto sustenta o potencial turístico de nossas praias e carnaval!
Boicotem o filme do Rudi Lagemann, também, oras! E Cidade de Deus e suas histórias de tráfico de drogas, assassinatos e corrupção policial. Boicotem tantos Jogos Mortais quantos aparecerem e todos os seu congêneres pela simples razão de que fazem mal ao estômago e aos neurônios. Boicotem cada historieta açucarada em que sequer a Morte pode separar dois corações apaixonados. Boicotem os maniqueistas filmes da Disney e todos os estúdios que desde os lucros da Paixão de Cristo do Mel Gibson inauguraram segmentos dedicados a filmes família de religiosidade, moral e justiça. Boicotem O Código Da Vinci porque ainda existem pessoas que não conhecem Jesus o bastante para saber que aquilo é só uma muito bem urdida ficção para instigar nossa curiosidade e vender muitos livros, ingressos, DVDs (no que o Dan Brown está certíssimo!). Boicotem os telejornais e a imprensa local que insistem em direcionar nosso olhar de expectadores.
Ou, o que é minha opinião, não boicotem ninguém. Desenvolvamos senso crítico, eduquemo-nos e eduquemos nossos tutelados para que saibamos diferenciar o que é justo do que não nos cabe. Vamos ler muito, pesquisar, formar grupos de discussão filosófica nas instituições de ensino desde o interior do Acre até os avançados centros tecnológicos do sul e sudeste do Brasil.
Educação, consciência e discernimento: a trindade que vai manter no passado as fogueiras da Inquisição e os ordálios do Santo Ofício.

NÃO VALE O CORPO MAIS DO QUE A ROUPA?

Não quis cair no clichê de intitular este artigo com algo como “apesar de você...”, mas a canção de Chico Buarque acaba voltando à minha cabeça. Talvez por tudo o que já disse sobre a tal falta de política cultural no Estado, sobretudo em Belém, capital que ergueu o Teatro da Paz para comportar o fausto artístico a que sua sociedade se dedicava e que hoje amarga o ostracismo; ou para louvar ainda uma vez a saída de Paulo Chaves do (des) mando da cultura paraense, que ao mesmo tempo em que mordia o necessário para raspar paredes em busca de uma pintura original escondida pela idiotice de uns, assoprava para longe os desejos artísticos de tantos outros, aquém da sua casta artística.
Com a mudança de governo, renovam-se as esperanças de que as coisas tenham novo rumo. Em todos os sentidos: social, político, educacional, na saúde. Talvez o que se mais queira é que tudo o que seja feito possa ser uma obra usufruída pela massa da população. Há que se entender que potencial turístico envolve o povo do lugar; que oferecer grandes museus, palacetes e chafarizes em praças atapetadas de flores exóticas é um luxo para os olhos e uma necessidade, mas que carimbó não deve ser executado por um bando de macacos ensaiados para gringo ver (Não me refiro àqueles que trabalham nessa área. Esta é apenas uma imagem figurativa e contundente para demonstrar o que sinto!). O povo precisa de espaços onde possa exercer, difundir, transmitir, praticar e (por que não?) vender sua arte: das varandas coloridas das redes, os bonecos de miriti e patchouli, às garrafadas e cestos de folhas trançadas que carregam deliciosas frutas das ilhas pra cá. Esse investimento voltado ao povo não foi feito e agora esperamos...
O que será de nós, artistas paraenses?
No último dia 26 de novembro, no Iphan, um grupo articulou um seminário, ou fórum de discussões para tentar responder a tantas perguntas e encaminhar à governadora eleita um documento sobre política cultural. Não posso dizer nada sobre isso, porque não estive na reunião, que aconteceu em um sábado pela manhã, estando eu (e quantos mais?) em minhas atividades profissionais, batalhando o pão de cada dia!
Mesmo diante desse cenário desolador, o artista mostra que fazer arte é algo vital! Na contramão de tanta displicência das autoridades, falta de espaços para ensaios e investimento / patrocínio, Belém está tendo um final de ano repleto de produções cuja qualidade avança Pará afora, angariando reconhecimento e investimento de entidades e empresas locais e nacionais.
A Fundação Nacional de Arte – FUNARTE, premiou vários grupos paraenses, dando-lhes a oportunidade de apresentar o seu trabalho com a qualidade que mecerem: fruto da pesquisa para a obtenção do título de doutorado por Ana Flávia Mendes, Avesso (VER Vide o Verso), com a Companhia Moderno de Dança recebeu o prêmio Klauss Vianna e o investimento da Petrobrás. Os Palhaços Trovadores e a Companhia de Teatro Madalenas foram premiados pela Funarte com o Myriam Muniz, montando respectivamente O Hipocondríaco e A Aurora da Minha Vida (VER Poucos, Loucos e Afins...).
Novos espaços abrigam espetáculos em Belém, como o Espaço Cuíra (VER Bem Vindo a um Mundo Novo), que inaugurou com A Peleja dos Soca-socas João Cupu e Zé Bacu (VER É Nazaré lá na Porta da Sé), do grupo Gruta de Teatro, o U.Porão (Tv. Campos Sales, 628), apresentando até o próximo dia 10 de dezembro Frozen, criado e dirigido por Nando Lima, enquanto que o Teatro Porão Puta Merda abrigou até o último dia 26 O Império de São Benedito, resultado também de pesquisa de mestrado, feita por Karine Jansen, atriz e diretora, professora da ETDUPA.
Ainda na Escola de Teatro as turmas de formação de atores encaminham suas montagens anuais e os alunos de teatro infantil e juvenil apresentam seus resultados, Cidade nas Nuvens e Um Conto de Natal, revelando uma turma que cresceu fazendo teatro e que tem tudo para criar uma nova geração de artistas cada vez mais questionadores, mais engajados, mais famintos de dança, literatura, música, artes plásticas e teatro.
Além dos espetáculos citados, o grupo Palha apresenta Júlio irá Voar, texto de Carlos Correia vencedor do Prêmio Funarte de Literatura. Premiado do mesmo concurso em 2004, O Glorioso Auto do Nascimento do Cristo-Rei, de Hudson Andrade (VER artigo homônimo) entra em sua terceira edição, o Terceiro Milagre, como o chamamos, por contar finalmente com patrocínio financeiro via Lei Semear. O investimento feito pela Sol Informática garantiu à Companhia Teatral Nós Outros a possibilidade de criar um espetáculo a partir de longos meses de trabalho em oficinas de capacitação em música, figurino, cenografia, adereçagem e dança, um sonho que a companhia precisou esperar quatro anos para ver acontecer.
Os recentes Festival de Dança Contemporânea, da Companhia Experimental de Dança Waldete Brito, igualmente patrocinado pela Funarte e Petrobras, o Festival Internacional de Dança da Amazônia (FIDA), promovido pela Escola de Danças Clara Pinto, que chegou a sua 12ª edição e o VII EIDAP, criado pelo Centro de Danças Ana Unger, que em 2006 contou com o selo de incentivo da Lei Semear, apesar de muitos e difíceis percalços, veio à cena. Problemas não menos dramáticos passou o Instituto Arraial do Pavulagem para conseguir botar na rua o seu Cordão do Peixe-boi, tradicional manifestação do grupo durante a quadra nazarena que já havia perdido sua maior manifestação artística, o Auto do Círio, orfão do patrocínio necessário à sua execução pela incompetência da instituição que deveria preservá-lo, sobretudo por ser patrimônio imaterial e cultural da humanidade. Seus criadores, diretores e artistas se quedaram impotentes e viram desfilar pelas ruas da Cidade Velha um triste arremedo de seu belíssimo cortejo.
2006 também foi o ano em que a Companhia Atores Contemporâneos completou 15 anos de atividades. Reconhecida e premiada dentro e fora de Belém e do Brasil, com um trabalho de pesquisa criativo, sofre, como 99% dos grupos de Belém, com a falta de uma sede que lhe abrigue e onde possa trabalhar com a calma e segurança necessárias.
Querer trabalhar nós queremos! Talento pra fazer coisa que preste nós temos!Quem há de nos estender as mão?

quinta-feira, novembro 30, 2006

VIDE O VERSO

Vou me arriscar a falar aqui de uma coisa que eu simplesmente não domino e que nada estudei nesses muitos poucos anos de vida artística: a dança. Pior, dança contemporânea. Mas vou me dar esse direito porque, apesar de tudo, ainda posso sentir e sentimento é o que aflora voraz do espetáculo Avesso, da Companhia Moderno de Dança, coreografia de Ana Flávia Mendes.
O primeiro impacto são os próprios dançarinos, ou bailarinos – ou ainda, na fala da própria Ana Flávia: intérpretes-criadores. Lembrando recente matéria sobre o Balé Nacional de Cuba e os rodopios infindáveis de sua primeira bailarina, o apuro técnico de Deborah Colker, a extasiante abertura de Fale com Ela, de Almodóvar, onde Pina Bausch executa Café Muller , temos a imagem de corpos delineados, músculos que saltam aos olhos, um padrão estabelecido pela própria dança e pelo preparo que ela exige de seus discípulos. Em Avesso o que eu tenho são artistas que fogem a essa estética sem no entanto perder a beleza, uma força acrobática e uma leveza que os faz parecer cheios de ar quando saltam e caem, silenciosos, sobre o chão. Enquanto o Bolshoi me encanta e intimida, A Cia Moderno me extasia e convida a dançar, pois me dá a intimidade (e a soberba!) de que eu posso fazer aquilo. Para a coreógrafa, o trabalho com esses dançarinos é um ganho. Ao sair da forma tradicional da dança, advém o inusitado, uma surpresa que nasce tanto do biótipo, passando pela condição física daquele que dança, quanto de sua própria vivência. Uns têm experiência em balé clássico, alguns em dança, outros ainda em artes marciais. Dessa miscelânea nessa a harmonia que me remete à cena inicial do espetáculo, quando os bailarinos vão se agrupando um a um, somando um único corpo, um mesmo ser, a unidade que eu tenho na cena que antecede o apagar das luzes de Sônia Lopes.
Um segundo ponto é a repetição de gestos ao longo do espetáculo, igualmente observado em outros trabalhos, como os de Miguel Santa Brígida e o Teatro do Movimento da Companhia Atores Contemporâneos. Não há, conforme Ana Flávia e Santa Brígida, uma regra ou conceito dentro da dança que explique / justifique / solicite essa repetição. Para ambos há, em seus respectivos trabalhos, um reforço estético que valoriza o gesto dentro daquilo que se propõe. Ainda segundo Ana Flávia, falta aos grupos locais uma poética consolidada para a dança e quando se encontra uma partitura gestual que funciona dentro do que se deseja para determinado trabalho, ela acaba sendo reproduzida na busca de sua afirmação; uma conseqüência direta ou indireta desse elemento é provocar o público, instigá-lo a buscar entender o porquê daquela repetição, o que ela representa dentro do espetáculo, que sensações ela provoca.
E aí voltamos ao que me cabe: sensações, não só as de um desejo antigo e não realizado de dançar, como as de buscar compreender as histórias internas que motivaram cada um daqueles movimentos. Sem a fala, sempre tão presente no teatro, superando amiúde o próprio intérprete, o olhar recai sobre a mão que se eleva, o joelho que dobra, um tremor do corpo, a respiração suspensa enquanto o corpo assume formas inaturais ao som da trilha original de Zé Mário Mendes .
E a mente viaja sem conseguir chegar a um resultado. Ou não chegar a qualquer final seja exatamente esse presente que Avesso nos dá, pois estacionamos no meio de um turbilhão de sentimentos, dúvidas e desejos e esperar pelo aceno seguinte vai nos manter acordados até o próximo encontro.
Não é a vida assim, ao contrário, eterna incógnita, que nos impulsiona para frente?

SERVIÇO:
Espetáculo AVESSO, com a Cia Moderno de Dança.Local: Teatro Waldemar HenriqueSessões:(28/11) 3a feira - 18h30(29/11) 4a feira - 20h30(30/11) 5a feira - 20h30
Após a sessão de 4a feira, 29/11, haverá um debate com os participantes do espetáculo mediado pelo poeta e Prof. Dr. João de Jesus Paes Loureiro.

Para escrever este artigo, contei com as informações fornecidas por Miguel Santa Brígida e Ana Flávia Mendes, profissionais e amigos maravilhosos, de cuja arte eu não posso prescindir!

terça-feira, novembro 28, 2006

É NAZARÉ LÁ NA PORTA DA SÉ!

Lá´uval a Santinha! Esperada por tantos. Adorada por todos. Navegando sua berlinda num mar de gente. Essa Maria em particular, trovadora, risonha, olhos arregalados em azul. No manto dourado o símbolo de um dos grupos mais criativos e importantes do teatro em Belém – o Gruta –, a cobiça dos personagens-título e a escrita de Aílson Braga, que fez de um dos elementos-símbolo do Círio de Nazaré o mote para A Peleja dos Soca-socas João Cupu e Zé Bacu.
Apresentado no espaço Cuíra – inaugurado com esse espetáculo (VER Bem-vindo a um mundo novo) – o texto de Aílson parte da tradição dos bonecos de miriti, que de suas girândolas colorem e festejam a festa maior do povo paraense, para falar de gente. Da gente!
João Cupu e Zé Bacu são dois bonecos de miriti, soca-socas, aqueles que ficam pilando alguma coisa, sentados de frente um pro outro, movendo-se por uma cordinha, que têm desejos bem distintos: enquanto um sonha com grandeza, riqueza, morar na Capital, o outro se contenta no seu fado eterno de socar o vazio. A aparição de Nossa Senhora de Nazaré ricamente vestida no seu manto se torna para o ambicioso João Cupu a chance de realizar todos os seus sonhos, grandes demais para caber nas várzeas de Abaeté. Julgando que enganam a santa, chegam a Belém e se vêem entre maravilhados e assustados com tanta gente, acabando separados, cada um conforme as suas obras, descobrindo enfim que é preciso muito pouco pra ser feliz e que dentre muitas coisas, a amizade é um tesouro inestimável, sempre ao alcance da mão, sempre substimado!
Na encenação simples e bela de Henrique da Paz, usando tanto os recursos do teatro de atores, quanto o de bonecos, secundados pela música de Rutiel Felipe, A Peleja dos Soca-socas João Cupu e Zé Bacu é divertimento garantido e agradável para toda a família, um resgate de valores culturais e, sobretudo, uma mostra do poder mítico do teatro em corporificar gente, deuses, sentimentos, tradições.

SERVIÇOS
A peleja dos soca-socas João Cupu e Zé Bacu – Espaço Cuíra, dias 01 e 02 de dezembro, às 21h00 e dia 03 de dezembro às 20h00.
Valor do ingresso: R$ 10,00 (meia para estudantes)
Elenco: Sérgio Carvalho, Leandro Ferreira, Áina Rodrigues, Evanildo Mercês e Rosilene Cordeiro
Cenografia: Aldo Paz
Figurino: Aníbal Pacha
Direção musical: Rutiel Felipe
Iluminação: Milton Ayres
Texto: Aílson Braga
Direção: Henrique da Paz
Produção: Monalisa da Paz
Uma realização Grupo Gruta de Teatro

quarta-feira, novembro 15, 2006

TU FALAS DE AMOR...

O Cordel do Fogo Encantado canta Ai Se Sêsse, poema de Zé da Luz. Dizque os versos foram feitos porque afirmaram ao poeta que para se falar de amor era necessário um português correto. Santo Deus! Imagina o naipe de quem faz uma declaração dessas!
Vejamos: falam de amor os clássicos de William Shakespeare, as obras de Machado de Assis e os furores de Caio Fernando Abreu. Mostram o amor o chaterrímo Dr. Jivago, passando pelas películas viscerais de Almodóvar até as produções americanas que empesteiam a Sessão da Tarde, tão ao gosto popular. Cantam o amor as peças de Beethoven, as canções deliciosas de Vinícius e Toquinho e mesmo o batidão pestilento dos bailes funk. A única vantagem em cobrar erudição pra se falar de amor seria uma drástica redução da produção cultural e ... artística... mundial, além de diminuir o mercadejar vulgarizado desse tão nobre sentimento. Shakespeare não investiu em um ensino acadêmico, mas tinha a seu favor viver num tempo em que não se pedia a retirada dos acentos para “facilitar” o aprendizado da língua. Tudo o que para ele era natural dizer, pra nós é culto (e olha que ele tem uns trabalhos chaaaatoooosss!!!) Imagina então o bom Machado de Assis vendendo cocada na rua e sem maiores recursos para estudar. Para quantos (como eu) que acreditam em reencarnação, fica fácil entender sua facilidade com as letras; para todos os que aceitam a unicidade da vida vira genialidade, no sentido sobrenatural da palavra.
Reproduzo abaixo Ai Se Sêsse, porque sua escrita me emocionou muito, sobretudo pelo sotaque carregado e mesmo irritante dos pernambucanos do Cordel. Vou me quedar tranqüilo por saber que não há criatura que possa dizer o que é o amor. Que ele seja dito pelos que conjugam corretamente os verbos na segunda pessoa do singular, pelos aborígines ciclotímicos do Burkina Faso, pelas candidatas a atriz da novela das seis. E que seja sentido por todos!

Ai Se Sêsse

Se um dia nois se gostasse
Se um dia nois se queresse
Se nois dois se empareasse
Se juntim nois dois vivesse
Se juntim nois dois morasse
Se juntim nois dois drumisse
Se juntim nois dois morresse
Se pro céu nois assubisse
Mas porém acontecesse de São Pedro não abrisse
a porta do céu e fosse te dizer qualquer tolice
E se eu me arriminasse
E tu cum eu insistisse
pra que eu me arresolvesse
E a minha faca puxasse
E o bucho do céu furasse
Da vês que nois dois ficasse
Da vês que nois dois caisse
E o céu furado arriasse
e as virgi toda fugisse

terça-feira, novembro 07, 2006

O GLORIOSO AUTO DO NASCIMENTO DO CRISTO-REI - O TERCEIRO MILAGRE

A Sol Informática apresenta uma produção da Companhia Teatral Nós Outros:

O GLORIOSO AUTO DO NASCIMENTO DO CRISTO-REI - O TERCEIRO MILAGRE

“Senhores desta casa, licença que eu vou chegando!”

Pela porta que se abre entra o som da viola e os cânticos louvando quem os recebe. Depois, de casa em casa, a comitiva prossegue seu labor de anunciar o nascimento do Cristo-Rei, recolhendo os donativos que sustentam sua jornada.
É no espírito das folias de reis e das pastorinhas que a Companhia Teatral Nós Outros vem pedir licença para apresentar O Glorioso Auto do Nascimento do Cristo-Rei. Temos nessas manifestações arte e beleza enormes; na simplicidade de suas falas e canções, mais do que nossa realidade, o incentivo de buscar preservar o que um povo tem de maior: sua cultura.
Em seu terceiro ano em cena, O Glorioso Auto do Nascimento do Cristo-Rei reúne o texto premiado com o primeiro lugar no concurso nacional de dramaturgia da FUNARTE (2004), belíssimas canções populares e a arrebatadora história da vinda de Jesus à Terra.

sinopse

Cansado de a cada ano ver se repetir o nascimento de Jesus, renovando as esperanças da Humanidade e inviabilizando a implantação de seu reino na Terra, o Diabo decide impedir a vinda do Messias, tentando dissuadir todos a tomar caminhos diversos e mudar o curso da história.
Existem dois pólos mestres na encenação: o Diabo e Maria, símbolos do poder terreno e temporal e da abdicação e real felicidade. A eterna luta do Bem contra o Mal, tantas vezes encenadas nos inúmeros autos existentes no mundo ganham as cores e os sons de um Brasil enorme, cheio de contrastes e dificuldades, onde o que se é, mas do que o que se tem, determinam a fugacidade ou a eternidade da vida.

A G E N D A

03 de dezembro de 2006 - 17h30 - Estação das Docas

09 de dezembro de 2006 - 20h30 - Casarão do Boneco

10 de dezembro de 2006 - 17h30 - Estação das Docas

14 de dezembro de 2006 - 20h30 - Escola Cordolina - Pratinha

15 de dezembro de 2006 - 20h30 - CEI - Icoaraci

16 de dezembro de 2006 - 20h30 - Igreja do Sagrado Coração - Pratinha

17 de dezembro de 2006 - 17h00 - São José Liberto

21 de dezembro de 2006 - 20h30 - Fundação Curro Velho

22 de dezembro de 2006 - 20h30 - Escola de Teatro e Dança da UFPA

23 de dezembro de 2006 - 20h30 - Escola de Teatro e Dança da UFPA

28 de dezembro de 2006 - 20h30 - Praça do Carmo - A CONFIRMAR

29 de dezembro de 2006 - 20h30 - Casa das Onze Janelas - A CONFIRMAR

30 de dezembro de 2006 - 20h30 - Igreja de Jesus Ressuscitado - Médici

04 de janeiro de 2007 - 19h00 - IAP

05 de janeiro de 2007 - 19h00 - IAP

06 de janeiro de 2007 - 19h00 - IAP

TODAS AS APRESENTAÇÕES TÊM ENTRADA FRANCA, COM RODADA DE CHAPÉU.

ESTAREMOS DISPONIBILIZANDO PROGRAMAS (R$ 2,00), CAMISETAS DO ESPETÁCULO (MALHA DE ALGODÃO FIO 30, NA COR PRETA, 03 MODELOS À ESCOLHA - MARIA, JESUS, OU DIABO - R$ 18,00 - 02 por R$ 32,00 e 03 por R$ 45,00) E BONÉS DA COMPANHIA (R$ 10,00)

ELENCO
Cleciano Cardoso - Herodes, Gaspar, o mago & Rachel
David Passinho - Arcanjo Gabriel
Hudson Andrade - Diabo
Lucas Alberto - Anjo-guia & Melchior, o mago
Márcio Alves - José
Rod Ferreira - Jesus & Menestrel
Thiago Modesto - Baltazar, o mago & Soldado romano
Vandiléia Foro - Maria
MÚSICOS
João Paulo - percussão
Júnior Cabrali - violão e violoncelo
Marcus Paulo - violão
Aníbal Pacha & elenco - figurino & adereços
Rod Ferreira - cartazes, programas e camisetas
Milton Aires - diretor assistente e luz
Hudson Andrade - texto e direção


ASSISTA. DIVULGUE! O DIVINO SANTOS REIS HÁ DE SER SUA DEFESA!!!

quinta-feira, novembro 02, 2006

BEM VINDO A UM MUNDO NOVO!

Nesta sexta, 03 de novembro, um novo espaço para a arte e a cultura abre suas portas em Belém. O Espaço Cuíra inaugura sua sede na Primeiro de Março, esquina com Riachuelo, há poucos passos da Praça da República. Com o andamento do projeto, que contou, pasmem, com o apoio do empresariado local para a sua concretização, não houve como o Cuíra preparar um espetáculo de estréia. As honras ficaram por conta do Gruta, que apresenta sua mais nova produção, A Peleja dos Soca-socas João Cupu e Zé Bacu, texto de Aílson Braga, que utiliza o universo brinquedos de miriti - tradicionais em nossa região, comuns sobretudo na quadra nazarena -, para contar mais uma de suas histórias. Como ainda não tive a oportunidade de assistir ao espetáculo, fica pra depois minhas considerações e as devidas apresentações.
O que me leva a escrever agora é o fato singular dessa inauguração. Pode parecer até irônico da minha parte, mas não há nenhuma ironia no meu tom de falar. Existe na realidade uma grande alegria! Soube da aquisição do prédio, da busca de apoio, do início dos trabalhos, da montagem do Gruta, do atraso na estréia-inauguração (que deveria ter ocorrido no dia 20 de outubro), mas tudo de longe. Passava em frente, via a movimentação, a pintura da fachada, mais nada. Agora o Espaço Cuíra é uma realidade.
Em entrevista recente ao SBT Belém, o Cláudio Barros, integrante do Cuíra, explicou sobre o processo, convencimento dos empresários, que perceberam a importância do investimento (desculpem, é inevitável: !!!), sobretudo porque além do seu caráter cultural e artístico, abrindo vagas para que os demais grupos de teatro possam ensaiar e apresentar suas montagens, existe ainda o aspecto cultural, oferecendo oficinas e oportunidades para a sociedade. O local, é sabido, fica numa zona de prostituição. Qualquer um que passe por lá percebe isso. Tanto que um dos primeiros comentários que ouvi e compartilhei é de que o público do Cuíra não gostaria muito de freqüentar o espaço. Calma! Quando digo público do Cuíra, não falo do expectador regular de teatro, mas de uma platéia mais seleta que, venhamos e convenhamos, o Cuíra tem. Nem sei se isso é ruim. Também não estou afirmando que o grupo seja elitista, ou coisa e tal, apenas estou citando um fato! Voltando: a proposta é ofecerecer às prostitutas (os) e seus familiares atividades relacionadas ao fazer teatral. Isso é algo realmente maravilhoso!
Maravilhoso porque os grupos de teatro de uma maneira geral parecem herméticos, produzindo suas peças e apresentando-as quando e onde Deus der bom tempo. E só! Vemos entidades como o Curro Velho e Casa da Linguagem agindo diretamente com o povo, ensinando ofícios, praticando arte, semeando novos parceiros dessa nossa combalida atividade. Muitos desses trabalhos são oferecidos pelas pessoas mesmas que formam os tantos grupos de teatro da cidade, mas agem em nome próprio, não de suas agremiações. Um pouco é por falta de espaço próprio. Outro tanto é falta de boa vontade mesmo! Imagina se cada grupo tivesse sua sede, ou que utilizasse um espaço de forma sistematizada, produzindo novos espetáculos e retornando ao público não apenas este resultado, mas formando consciências, opiniões, desenvolvendo o hábito saudável e imprescindível da leitura, da discussão saudável, da filosofia, do embate lúcido de idéias, da geração de novos conceitos, gerando, parindo e criando mais e muita Arte? Que haveria se a música, o teatro, a pintura, a dança, a escrita, a oratória, a poesia substituissem o ócio e a inércia abjetos que campeiam esta minha amada e adormecida cidade? Que rendimentos nas escolas! Que afastamentos de situações de risco! Que novas idéias e cidadãos!
O Espaço Cuíra é apenas uma semente. A árvore produzirá frutos conforme a semeadura. A colheita, obrigatória, pode tardar, mas é inevitável. Que seja farta. Que seja doce. E indefinida!

SERVIÇO

A Peleja dos Soca-socas João Cupu e Zé Bacu
com Grupo Gruta de Teatro
Texto de Aílson Braga
Direção de Henrique da Paz
Espaço Cuíra - Tv Primeiro de Março, esquina com Tv. Riachuelo
03, 04, 05, 09, 10, 11, 16, 17, 18, 23, 24 e 25 de novembro de 2006, sempre às 21 horas.
Ingressos a R$ 10,00 com meia entrada para estudantes.

sábado, outubro 28, 2006

POUCOS, LOUCOS E AFINS...

Anualmente, uma penca de novos atores são regurgitados pela Escola de Teatro e Dança da UFPA, em seu curso regular de formação. Outros tantos participam das oficinas do Curro Velho, Casa da Linguagem, Unipop, etc...
E cadê toda essa gente?
Em meu processo de seleção de elenco para nosso espetáculo O Glorioso Auto do Nascimento do Cristo-Rei, foram muitos contatos, umas tantas tentativas-esperas e muitos nãos. É certo que a gente tem um conhecimento limitado e eu não sei quem é quem de todos os que concluíram o curso na ETDUFPA depois de mim, mas igualmente não existem mecanismos para que se possa ter acesso a esse tipo de informação: um banco de dados real, ou virtual, um espaço de relacionamento, nada!
Fica parecendo que nada acontece nesta cidade e que se os teatros estão às moscas, é porque não há o que se apresente neles. Ou, como diz o regulamento de nossa mais famosa casa de espetáculos, o Teatro da (mais do que devia) Paz: não há produções cujo nível esteja compatível com o espaço solicitado.
No entanto, a cidade possui muitos e bons grupos profissionais ou se profissionalizando, lutando essa luta inglória de se firmar no cenário artístico local. Gruta, Cuíra, In Bust, Atores Contemporâneos são desses artistas que já viraram referência em Belém. Existem vários outros nomes (aliás, cada nome mais absurdo do que o outro. Vamos combinar!) buscando seu lugar ao sol.
É com muita satisfação que eu vejo a Companhia de Teatro Madalenas em ação. Domingo, 22, no Teatro Experimental Waldemar Henrique, estive assistindo a versão 2006 de A Aurora da Minha Vida, espetáculo de conclusão de curso da turma Madalenas em 2001. Dos tantos atores que entraram na turma, um pequeno núcleo se firmava (é sempre assim, não é?!), dando origem ao Madalenas, referência à montagem de 2000, Paixão Barata e Madalenas, remontagem de Em Nome do Amor de Luis Otávio Barata, com a direção de Wlad Lima e Karine Jansen. A Aurora volta novamente com a direção de Miguel Santa Brígida, novo elenco e uma muito mais dinâmica e agradável leitura do texto homônimo de Naum Alves de Sousa. Em julho passado, o Madalenas promoveu um espetáculo-manifesto-denúncia pelas ruas de Belém. Eu Quero é Botar Meu Bloco na Rua pretendia chamar a atenção para esse descaso com a arte (texto recorrente, não?!), falta de patrocínio, de espaço para ensaios e apresentações – o grupo, assim como a Nós Outros (Fica Comigo Esta Noite, 2002), utilizou o Palacete Bolonha (mas isso são outros governos. Está tudo proibido ou dificultado agora!) como cenário para À Flor da Pele (2002), uma criação coletiva que investiu na escrita e direção próprias da companhia, o que em si é extremamente louvável pela disposição de amadurecer seu fazer teatral, bebendo em fontes seguras, mas andando com as próprias pernas.
N´A Aurora existe todo um trabalho de afirmação do artista múltiplo, que atua, canta, dança, reinventa-se em diferentes papéis dentro da mesma trama, esmiúça o texto e as intenções mínimas do dramaturgo. É claro que existem falhas. Sempre há. O que não significa falta de talento, ou fealdade, mas processo, percurso, experimentação. Desejo! Neste domingo o grupo oscilava entre a ansiedade de uns, a falta de ritmo de outros, uma composição mais precisa e o tipo que ajuda na criação do personagem, pecando às vezes no humor fácil que perde a acidez da escrita de Naum e esse fogo de ser ímpar.
Recomendo a todos assistir A Aurora da Minha Vida e aplaudir o Madalenas, pois é essa respiração e olhares da platéia e o som das suas palmas que criam a energia cinética (adorei isso, Cleciano!) que nos movimenta.
Merda, Madalenas! Merda para todos Nós!

SERVIÇO:
A Aurora da Minha Vida, de Naum Alves de Souza. Direção de Miguel Santa Brígida. Com: Michele Campos (a Adiantada), Saulo Sisnando (o Quieto), Leonel Ferreira (o Puxa), Flávio Furtado (o Órfão), Marta Ferreira e Liliane Garcia (as Gêmeas), Davi Mansour (o Bobo) e Dina Mamede (a Gorda).
Teatro Waldemar Henrique (Praça da República), dias 26 e 27 de outubro e 02 a 05 de novembro de 2006, sempre às 20h00.
Ingressos: R$ 10,00 (meia para entudantes).

terça-feira, outubro 17, 2006

EU LHE DIGO QUE AINDA CHEGO LÁ!

15 de outubro, 19 horas. Cruzo o palco do Maria Sylvia Nunes e atravesso o cenário do espetáculo Roda Chico, do Grupo de Teatro Clowns de Shakespeare, que já estava em cena. Mais uma vez Chico Buarque cede sua poesia, música e dramaturgia para o teatro, numa parceria de intimidade que gerou inúmeros rebentos. De uma célula de 15 minutos, os Clowns de Shakespeare construíram um espetáculo de quase uma hora, perpassando por todos os Chicos. O espetáculo foi apresentado pelo projeto Palco Giratório, do SESC. De grátis! Gostei muito do que vi. Minhas ressalvas estão por conta de um dos atores que me pareceu frouxo em relação aos demais – o que é um prejuízo mais ao próprio do que ao trabalho – e a falta de um roteiro mais linear, que fez com que eu sentisse o espetáculo meio fragmentado, recortado demais. Luz “de cima”, música ao vivo e atores tocando, cantando, e dançando. Muito bom!!
Com 13 anos de atividades e quatro espetáculos de repertório: Muito barulho por quase nada, Roda Chico, Fábulas e O casamento, a companhia surgida em Natal se considera um grupo de pesquisas e afirma que seus espetáculos querem traduzir uma celebração da vida. A Companhia Teatral Nós Outros também se considera um grupo de pesquisa e vem investindo nesse conceito. Mas o que significa isso? Debruçar-se por várias horas diárias de muitos meses sobre o objeto de estudo e desse caldo extrair a matéria-prima de um espetáculo que antes de ser a meta é o produto mesmo dessa pesquisa. Eis minha definição, que contempla três conseqüências: (01) o encaminhamento para uma determinada linha de atuação, quase uma especialidade, já que o aprofundamento da matéria estudada acaba por impregnar todos os trabalhos realizados; (02) a harmonia e consolidação do grupo em si, que reunidos em torno de um objetivo comum tende a se tornar mais coeso; (03) a formação do ator, que desenvolve várias habilidades enquanto busca atender as exigências de cada novo trabalho, aproximando-se do profissional multifacetado que eu chamo Ator (ou Atriz, claro!), que interpreta, canta, dança, toca, assovia e chupa cana. No caso da Companhia Teatral Nós Outros esse investimento foi em música, cenografia, adereçagem, figurino e performance, orientando o processo de criação de O Glorioso Auto do Nascimento do Cristo-Rei a partir de sua matriz popular (neste caso, autos, pastorinhas e folias de reis) que já havia servido de base para nosso segundo espetáculo, Medéia, a tragédia do feminino ultrajado, que contava a partir da tragédia de Eurípedes as desventuras de uma trupe itinerante.
Ao contrário de anos atrás, eu creio que ser ator é um processo longo de estudo, leitura, treinamento e se a criatura, além de tudo isso, tiver talento, aí fica lindo! A Nós Outros trabalha com gente bastante inexperiente e as oficinas que oferecemos visam exatamente capacitar o artista para o seu ofício. Infelizmente não é só o tempo de atividade que separa os Clowns da Nós Outros. Dentro de uma realidade que eles consideram recentes, seus integrantes vivem de sua arte, alguns quase exclusivamente da companhia. Claro que não é ótimo, mas é confortável. O resultado imediato disso é a qualidade das suas produções, que podem ser meticulosamente trabalhadas ao longo de sete, nove meses, com seis horas diárias de atividades, de segunda a sexta. Essa autonomia permite ainda que o grupo participa de projetos com o Palco Giratório – o que é ainda impensável para nós – e que os leva ao intercâmbio com outros grupos, culturas, experiências e linguagens.
Como a franca maioria dos artistas em Belém, ainda temos necessidades de sobrevivência. No entanto, o que mais nos vitima é uma falta de compromisso-entusiasmo-humildade que grassa nesta cidade e que vai minando a cena local, enfraquecendo seus grupos, dando uma dita autoridade aos administradores de teatros e logradouros públicos que chegam a inviabilizar produções amadoras. De tudo isso o mais grave é a postura de pretensos artistas que tratam teatro como hobby-terapia-casa-da-mãe-joana. Sem horários, prazos, dedicação, responsabilidade (consigo e com os outros), abandonam projetos ou, pior, não os abandonam, causando sérios prejuízos a sua conclusão. Racca!!!
Parabéns aos Clowns de Shakespeare pelo trabalho, obrigado pelo agradabilíssimo bate papo (e paciência! Cada pergunta!) e muitos mais anos de atividades para vocês.Quanto a Nós Outros, a despeito de todos os quiprocós, eu, meus sócios e colaboradores comemoraremos bodas de ouro e escreveremos nossos nomes do surrado pandeiro de Dionísio. Porque parafraseando meu querido Quintana: “Todos esses que aí vão, atravancando meu caminho, eles passarão, eu passarinho.”

PENSO... E DAÍ?

Dia desses me disseram que depois eu comecei a mexer com esse negócio de arte, fiquei (mais) antipático (!!). tal afirmação seguiu a pergunta “do-que-é-que-tu-gostas-afinal ?!” Cara! Tipo assim... muita coisa e coisa e tals!
A questão é que se eu me rasgo por algo, vêm logo me perguntando o que-é-que-isso-tem-de-mais? Teve gente legal que disse que talvez não tenha entendido tal filme, livro, ou peça e por isso não tenha gostado tanto quanto eu. Teve gente não tão legal que gritou que jamais veria qualquer coisa por mim indicada e teve gente amorosa que dizque...
(Suspiro, coço a testa, cruzo as pernas.) Vamos lá!
Primeiro. Sou um aprendiz das artes e só há pouco tempo decidi teorizar mais sobre isso. Minha vivência é pouca, mas rica, porque foi feita a braços com gente do caralho, como Wlad Lima, Karine Jansen, Walter Bandeira, Miguel Santa Brígida, Aníbal Pacha, Adriano Barroso e Aílson Braga, entre outros, mais ou menos (in)diretamente, e é pela vivência que digo e faça as coisas que. (jeito de escrever imitado do Caio F.). Logo, estou mui longe de ter a verdade dos fatos, o que não me impede de, por lógica e aceitação, expressar minhas idéias.
Assim como todos nós!!
Segundo. Mente todo aquele que dizque trava contato com uma obra artística de maneira indiferente. “Eu sento no cinema e desligo o cérebro”, “fui lá só pra me divertir”, “tá todo mundo lendo, oras...”. Balela! Tanto que a criatura gosta ou não do que viu e pra isso precisa praticar um juízo de valores. Ela pode até não dizer que gostou porque a luz, o enquadramento, a técnica tal, o processo criativo do ator-diretor-dramaturgo, a etnocenologia... mas se ela gostou (ou não), então a Arte mexeu em algo que é própria dela. E a Arte é isso: como uma enzima que cataliza certos processos emotivos. O mecanismo enzimático segue regras. Já a emoção despertada...
É claro que fiquei mais crítico! Não é isso uma conseqüência do estudo e do amadurecimento? É possível que minha natureza ácida tenha igualmente recrudescido, mas e daí?! O Jabor pode por que é famoso e fala no Jornal da Globo, mas eu não?! Me compre um bode!!!
Não estudei para ser crítico (algum crítico o fez?!), mas sei muito bem que gostei de Transamérica pela composição de personagem feita por Felicity Huffman, que A Dama na Água tem o talento do Paul Giamatti para segurar seu ritmo perigosamente spilberguiano (isso é uma expressão pejorativa), que Silent Hill é legal, mas tão clichê que só seria bom se não o fosse e que se não contasse com as interpretações do Antonio Calloni, Bianca Comparato e meninas, o desesperançado final de Anjos do Sol faria pensar numa matéria sensacionalista do Datena.
Sinto muito, mas me é impossível dizer que-gostei-não-gostei.
Espero que pelo menos meus comentários colaborem para instigar perguntas e desejar respostas (presunçoso?), como, abençoadamente, bons amigos por sua vez fizeram comigo.

NO MÊS DE OUTUBRO EM BELÉM DO PARÁ

Quando chega outubro, Belém muda. Transborda de gente sem chegar a ser cosmopolita; fica ainda mais alegre, iluminada e risonha. A cidade se agita por todos os lados porque é chegado o Círio de Nazaré, a maior procissão religiosa do Brasil e uma das maiores do mundo.
Por Belém ainda engatinhar nessas coisas de metrópole, tudo por aqui tem um jeito diferente. Podemos ver ainda uma contrição maior que o interesse puramente turístico, um fervor, que faz dessa quinzena uma verdadeira festa.
Não sei quem inventou esse negócio de natal dos paraenses. Nem entendo direito o que isso quer dizer, mas acho que não concordo muito. Se festejamos Maria, não deslocamos nossa atenção das comemorações de final de ano – e quem poderia escapar de festejos cada vez menos religiosos e desplugados de seu sentido de fraternidade e blá-blá-blá? Acontece que damos ao Círio o status que ele merece e à Maria o respeito que lhe é inalienável. Para além do trabalho de todo um ano da diretoria da festa, vemos o povo num burburinho, preparar-se para o segundo domingo de outubro como para o Grande Dia. Roupa nova, reserva de dinheiro pro arraial, as comilanças, votos, camisetas, fitinhas e seus três nós de promessas. E as promessas! Ah, as promessas e as graças alcançadas. Que de maior existe nessa festa que a fé do nosso povo a caminhar preso a uma corda, de joelhos, cruz aos ombros, casas e barcos à cabeça, vestir-se de anjo, cunhar formas de cera, espremer-se por quatro quilômetros de um calor que não há mangueira que dê vencimento? Colar o rosto no dorso desconhecido e suado, ou simplesmente parar à passagem da berlinda enfeitada de flores e, palmas ao alto, fechar os olhos no pedido, no agradecimento, no louvor?
É a fé que dá às agora tantas romarias o seu real significado! Sem essa devoção, não haveria Círio. É uma demonstração de religiosidade que extrapola os limites dos dogmas formais e coloca junto todo o povo.
E apesar desse negócio de fé não ser lá muito racional, não nos esqueçamos que é ela que cura, que liberta, que dá o pão e o teto. Afinal, não dizia o Cristo “Tua fé te salvou!” e só então operava o “milagre”?
Tenhamos, pois fé. Se não em Maria, em quem ou o que quer que seja. Não deixemos nossas vidas na esterilidade das equações matemáticas!

quarta-feira, outubro 11, 2006

QUANDO EU MORRER QUERO UMA FITA AMARELA

O Auto do Círio é uma celebração da vida!
Vida que é a fé do povo paraense na devoção à Maria.
Vida que é o ofício do ator. (sobretudo numa terra sem política cultural.)
Vida que é o canto, a dança e a performance do artista em louvor à Virgem de Nazaré.
Em 2006 a falta de patrocínio que viabilizasse uma produção digna dos artistas e do público do Auto do Círio emudeceu as ruas da Cidade Velha. Mas um grupo decidiu reagir. Gritar da infâmia e do despropósito desse buraco. Fazer ver que sempre se pode produzir algo e que a falta de dinheiro não é justificativa para a falta de arte!
De fato não é!!
Cientes de que não realizavam o Auto do Círio e respeitosos (!) na sua manifestação, o pequeno grupo percorreu quase o mesmo percurso do cortejo original. Seus textos e músicas perguntavam: por que?
Foi doído assistir a essa manifestação. Confesso que não fiquei até o final, quando normalmente a imagem de Nossa Senhora sobe aos céus carregada de balões – sempre o momento mais tenso e emocionante para mim. Não podia não ver isso. No entanto, o que mais pesou foi o tom funéreo da procissão, o preto, as lamentações. Como eu disse, o Auto do Círio é uma celebração da vida e qualquer manifestação feita por ele também deveria ser. Minha opinião continua sendo que o melhor protesto seria o silêncio; deixar o normalmente colorido e iluminado trajeto do Auto vazio e calado. Fazer sentir no peito de todo mundo essa ausência.
Há quem não concorde!
Assim como queremos lembrar nossos entes queridos como eram em vida, honraríamos muito mais – não o Auto do Círio em si, mas a Arte – se essa manifestação fosse tão alegre quanto o próprio Auto é! Sob a direção (ou coordenação/orientação) do Sr. André Lobato, o Kaveira, o manifesto se tornou uma extensão para a rua das performances bizarras da sua boate, a Mystical. Crânios, velas, choros: estava tudo lá, soturno e pesado como nosso espetáculo nunca foi, ou será. Não posso deixar de pensar em alguma auto-promoção.
Foi uma noite dolorosa, que poderia ter sido evitada, ou melhor, conduzida de forma bem diferente!
Àqueles que protestaram – muitos deles amigos queridos –, o meu respeito. Ao ato em si, meu desagravo. Ao Auto do Círio e a todos os que o produzem, executam e assistem, a minha consternada e agora envergonhada cuíra de que 2007 não demore a chegar.
Até lá!!!

segunda-feira, outubro 02, 2006

É PRECISO FAZER DIREITO!

No último dia 24 estive na Estação Gasômetro, no Parque da Residência assistindo a Chico Xavier: exemplo de amor, espetáculo teatral criado por jovens do GEAC – Grupo Espírita A Voz do Consolador. A partir de algumas referências retiradas do livro do Marcel Souto Maior, As Vidas de Chico Xavier, a peça se propunha a mostrar tanto a vida daquele que é considerado o maior médium brasileiro e mais a importância do trabalho que ele desenvolve pelo Espiritismo e no amparo a tantas almas desta e da Outra Vida que pelo seu concurso obtiveram conforto e instrução.
Sob este aspecto o espetáculo é muito bem sucedido. Na sua função evangelizadora, dá o recado. Louvo o grupo pelo apoio recebido, coisa que não é absolutamente comum por estas bandas, onde a pretensa preservação da pureza doutrinária criou um certo hermetismo. Recentemente no Theatro José de Alencar, em Fortaleza, Ceará, aconteceu a IV Mostra Brasileira de Teatro Transcendental, reunindo espetáculo com temática espiritualista. Foram 06 trabalhos apresentados entre os dias 16 a 20 de agosto. Enquanto isso, no Parazinho, as canções utilizadas nos grupos de evangelização infantil ao EIMEP (Encontro Intensivo de Mocidades Espíritas do Pará) ainda são (quase) as mesmas quando da inauguração de sede da União Espírita Paraense.
Não obstante é preciso entender que existem várias formas de se divulgar uma idéia. Um ensaio, uma tese, uma palestra, uma aula. E o teatro. Cada uma guarda suas próprias características. Assim o teatro. A inexperiência do grupo nessa tal carpintaria teatral é evidente. Esse não é o problema. O problema é levar à cena um produto absolutamente inacabado.
A arte do teatro não é fruto de um talento místico – ainda que talento pese! Não existem atores ou atrizes mediunizados no palco, vivendo outras consciências. Existe a pessoa que através de muito trabalho, estudo, treinamento, análise de técnicas e troca de experiências constrói a sua forma particular de ser ator, de ser atriz.
Dizem que a arte deve ser o Belo promovendo o Bom. Muitas obras citam a corrupção da arte pelo hedonismo humano e a descrevem como uma musa combalida e moribunda sob o peso da nossa impudência. Particularmente creio que a Arte, citando Legião diria: Que tenho eu contigo, Jesus de Nazaré?! Ou com o Buda, ou com quem quer que seja? A função da arte é fazer pensar. Expor os fatos. Dia desses me diziam “Cidade de Deus é um filme muito bom, mas tem muito palavrão, porra!”. Limitei-me a perguntar como é que ele pensava que os traficantes deveriam se expressar. Silêncio. Claro! Imagine-os cheios de galanteios e rapapés. Que seria de sua mensagem? Se não é pra ter palavrão, então não se faz o filme e, por conseqüência, não se discute o caso. Compare-o com sua versão light, Cidade dos Homens, leitura família (e quase Disney) que obviamente tem sua mensagem, mas nunca o mesmo impacto.
E o que é Belo? O que é Bom? Maria Clara Machado já dizia em seu Tablado que não escrevia lição de moral para as crianças em seus textos. Ninguém gosta de lição de moral! Ela dizia o que devia ser e cada um avaliava conforme o peso dos seus próprios valores.
Mas voltando aos meus amigos do GEAC, insisto em que eles persistam nesse grupo, mas que encarem o teatro como trabalho, um ofício árduo. Que estudem e busquem uma dinâmica tal que tudo o que eles querem dizer esteja lá, mas sem a preocupação de agradar, de fazer feliz, de provocar cizânia, de crucificar. Observem na cara da platéia aquela sobrancelha erguida, o ar de dúvida, o sorriso de satisfação da conclusão obtida (a que ela puder alcançar, não a que eu quero que seja!) e a Arte – essa deusa meio inconseqüente – lhes sorrirá e cobrirá de louros.
Pois já dizia o dramaturgo Louis Jouvet: Não há nada mais fútil, mais falso, mais vão, nada mais necessário do que o teatro!”

quarta-feira, setembro 27, 2006

POR UM POVO FEITO DE PAPEL E TINTA

2006 assinala 10 anos da morte de Caio Fernando Abreu, ou simplesmente Caio F. Impossível não se deixar envolver por sua escrita apaixonada, grávida de pessoas vazias de felicidade e amor, fugindo da solidão e da loucura; homens e mulheres famintos, desejos obscuros, deuses terrenos, morangos e dragões.
Atualmente leio Triângulo das Águas, um dos seus trabalhos mais premiados, agora editado pela L&PM Pocket. De um tempo bem recente para cá, devorei literalmente seus contos, novelas, ensaios, poemas e cartas. Fui me identificando com seus personagens – amando uns, odiando outros, abraçando todos –, escolhendo aqueles trechos que a gente transcreve para ter sempre à mão, como se mantra, ou prece fora, querendo (invejando) muito saber como se escreve assim e fazendo dele um norte, assim como o próprio Caio fez de Clarisse Lispector seu referencial. Elegi Aqueles Dois como meu conto preferido e achei que de algum jeito meio mediúnico, O Rapaz Mais Triste da Cidade tenha sido feito pra mim.
Então vejo no meio das muitas propagandas de uma revista Veja, com a chamada “Um líder popular e blá-blá-blá” o livro Bicho do Mato e As Luzes da Cidade, de autoria (essa é boa!!!) de Duciomar Costa, nosso alcaide, que traduziria assim as impressões telúricas sobre tantos conceitos nessa sua vida plena de experiências! Não muito tempo atrás, Madonna lançou não um, mas cinco (!) títulos pela editora Rocco: As rosas inglesas, As maçãs do Sr. Peabody, Yacov e os sete ladrões, As aventuras de Abdi e Enrico de prata. Como estes, tantos outros que a ética não me permite mencionar lançam mão da pena para trazer à luz do mundo suas idéias e sentimentos. E a pena, dizem, é mais poderosa que a espada. Se assim o é, estamos a beira da jihad!
Não acredito que nenhum dos dois citados confrades tenha escrito seu livro. É uma opinião particular. Cito este fato por saber que atrás de pilhas de papel amassado, existem escritores que jamais verão suas obras publicadas. Livros realmente de qualidade, mas que não possuem artifícios de fama e/ou poder que os faça nascer.
Temos então uma grave questão econômica: os custos de um livro são altíssimos. Da matéria-prima, passando pelos direitos autorais à capa, até que chegue às prateleiras, são muitos e muitos reais. Recentemente na X Feira Pan-amazônica do Livro, avaliei que bons livros variavam em torno de R$ 30,00. Não é preciso ser esperto pra considerar o peso que isso representa na economia do trabalhador brasileiro. Daí, entre um quilo de carne, ou uma grade de cerveja ao livro, não há nem o que discutir em termos de preferência.
Temos então uma grave questão cultural: brasileiro não lê! (Ok, diabos, a franca maioria deles!) E não me venham com os últimos números da FLIP, ou da X Pan. Cobrem ingresso aqui e vejam quantos corpinhos passam por aquelas catracas!! Visitante não é leitor! Ontem mesmo no ônibus um rapaz se vangloriava de ter lido um único livro até o final: O Menino Maluquinho, do Ziraldo. Pelo menos é um bom livro. Se ele o fez aos 6,7 anos, louvável. Se isso aconteceu nos últimos 3 anos, apavorante! Não somos incentivados a ler, pensar, discutir, conhecer nossas letras. E ainda se espantam pelo estado de coisas que nossa sociedade vive.
Temos então uma grave questão educacional: que é feito dos livros em sala de aula? Qual é sua real função no processo educacional de nossas crianças? Onde as bibliotecas na era Google? Não me refiro aos livros didáticos, mas a leitura sadia que ensina, aumenta vocabulário, amplia horizontes. Em Abril Despedaçado, poema cinematográfico de Walter Salles, o personagem Pacu ganha um livro e por não saber ler, a cada dia inventa uma nova estória a partir de suas muitas figuras. Saudoso de lugares que jamais veria, cria um mundo onde não cabe seca, fome nem miséria. Tal é o poder dos livros, que Jay Bradbury os incendiou aos montes e por ordem do papa bispo local, na Espanha, a 09 de outubro de 1861, todo um carregamento de obras de Allan Kardec teve o mesmo fim. No fictício Farenheit 451 e no real Auto de Fé de Barcelona o desejo era o mesmo: o controle das autoridades dominantes sobre o povo desprovido de conhecimento. Ao ver os espanhóis recolherem as cinzas ainda quentes e as levarem consigo, aqueles religiosos tiveram a certeza de que dispararam contra o próprio pé!
Ocorreu-me que talvez a única estratégia que não tenha sido tentada para a real melhoria de vida do povo brasileiro tenha sido a de permitir-lhes acesso a quantos livros sejam necessários; um respondendo as dúvidas deixadas pelo anterior e por sua vez incutindo-lhe novas: um uróboro de letras!

sábado, setembro 23, 2006

DE MIM PARA CONTIGO



Hudson Andrade em cena de Medéia – a tragédia do feminino ultrajado (Brasil, 2004), dirigido por Adriano Barroso e Aílson Braga. Durante os vários meses de ensaio deste espetáculo, mais do que criar um produto artístico, tentou-se criar uma consciência sobre o fazer teatral, ou, termo que gosto muito, sua carpintaria. Todo o processo de criação de um espetáculo, sua dramaturgia, cenografia, figurino e adereçagem, aspectos comerciais de venda do produto, enquadramento de projetos de incentivo, busca de patrocínio. Um espaço de (difícil) convivência para o treinamento físico do ator, criação do personagem, aulas nas quais Adriano e Aílson nos apresentavam os universos de Stanislavsky, Artaud, Grotowski, os textos clássicos, ou contemporâneos, para criar um espetáculo dentro de outro espetáculo, que bebendo da literatura universal, viesse (tra)vestido da cultura popular. Parte desse caminho foi trilhado pela ausência de patrocínio. Faltam-se recursos, vibram a criatividade. Um teatro cuja simplicidade, reaproveitamento, ou ressignificação de materiais não sejam justificativas para a feiúra; onde, sobretudo, o que valha seja o ator e seu ofício, que não é mentir nem fingir, mas conduzir pelas mãos, olhos, ouvidos, coração e alma a platéia para um mundo e um tempo que não são dela. Mostrar mais do que de qualquer outra forma, como são plurais esses seres humanos.

Este espaço é destinado às artes todas, sobretudo ao teatro, a quem dedico muito da minha vida, batizado que fui no vinho de Dionísio – Evoé! –, despido de mim, pleno de tudo.
Soaram já três bastonadas!
Merda!!!