segunda-feira, setembro 17, 2012

E A VIDA CONTINUA?

O espírito Emmanuel afirma: “A maior caridade que se pode fazer pela Doutrina Espírita é a sua divulgação”. De uns tempos para cá filmes, séries e novelas têm apostado numa corrente espiritualista. Digo espiritualista, não espírita, uma vez que muitos conceitos veiculados não estão plenamente de acordo com a doutrina cristã codificada pelo francês Allan Kardec e inaugurada oficialmente com o lançamento de O Livro dos Espíritos em 18 de abril de 1857. Nesses 155 anos os livros têm sido a principal fonte de divulgação do Espiritismo, sobretudo no Brasil, a maior nação espírita mundial. Nosso país travou conhecimento com os fenômenos das “Mesas Girantes” – evento que levou o professor e escritor Hippolyte Leon Denizard Rivail a iniciar o seu processo de pesquisa científica que culminou no Espiritismo – entre 1853 e 1854 através de publicações no Jornal do Commercio, do Rio de Janeiro, do Diário de Pernambuco, de Recife e pelo O Cearense, de Fortaleza, comentando os prodígios que aconteciam nos Estados Unidos da América e na Europa. Esses livros, em várias linguagens literárias, são escritos em sua maioria através da psicografia, fenômeno no qual um desencarnado dita e/ou escreve através de um médium, pessoa capaz de promover o intercâmbio entre os dois planos de existência. A Federação Espírita Brasileira – FEB, disponibiliza no seu site www.febnet.org.br várias publicações para download, além de mensagens e a Revista Reformador – http://www.sistemas.febnet.org.br/reformadoronline/revista/ – que desde 21 de janeiro de 1883 segue ininterruptamente divulgação a Doutrina Espírita. Há um link ainda para sua editora – http://www.febeditora.com.br/ – onde se pode acessar o catálogo completo de obras e solicitá-las em domicílio. Com o surgimento de novas mídias as informações sobre o mundo espiritual e a doutrina trazida à luz por Kardec ganhou novos caminhos. O primeiro filme brasileiro considerado espírita e que me lembro de ter assistido foi Joelma 23º andar, dirigido em 1979 por Clery Cunha e tendo Beth Goulard como protagonista. Foi baseado no livro Somos Seis, psicografado por Francisco Cândido Xavier e que retrata o trágico incêndio do edifício Joelma que vitimou 179 pessoas e feriu outras 300 em 1 de fevereiro de 1974. Chico Xavier (Brasil, 2010), dirigido por Daniel Filho a partir do livro As vidas de Chico Xavier, do jornalista Marcel Souto Maior – posteriormente transformado em série televisiva com acréscimo de cenas não mostradas no cinema –, Nosso Lar, também de 2010, com roteiro e direção de Walter de Assis a partir de um dos mais famosos livros espíritas já publicados e As Mães de Chico (Brasil, 2011), roteirizado e dirigido por Glauber Filho, são os exemplos mais atuais dessa safra, além de novelas com citações e temáticas que refletem direta ou indiretamente a vida espiritual como tema. O mais recente produto desse filão é E a vida continua. Produzido em 2012 com um orçamento de 2 milhões de reais é baseado no 13º livro de uma série que retrata o mundo espiritual, tendo sido ditado pelo Espírito André Luiz ao médium Chico Xavier, o filme não chega aos cinemas com o mesmo estardalhaço dos seus predecessores. O próprio As Mães de Chico teve uma publicidade e veiculação muito tímida perto dos outros dois, inclusive Nosso Lar, louvado como uma mega produção para os padrões brasileiros. E a vida continua teve sessão especial na sede da Federação Espírita no Rio de Janeiro e na abertura da 22ª. Bienal Internacional do Livro de São Paulo, entrando no circuito comercial no último dia 14 de setembro. É absolutamente lamentável afirmar isso, mas a película é extremamente mal feita. Enquanto produto artístico não vale o valor do ingresso. Enquanto propaganda é um despropósito. Uma senhora ao meu lado no cinema comentou com a filha que mesmo sendo muito ruim “a mensagem é boa, né?!” e saiu da sala de exibição como muitos outros, com um sorriso amarelo de constrangimento. Tudo no filme é inconsistente, medíocre, raso. As locações e os figurinos são pífios; os enquadramentos, o tratamento das imagens e do som de péssima qualidade, sobretudo quando utiliza efeitos visuais, como na sequência dos planos inferiores. O que mais provoca desagrado, no entanto, são a trilha sonora – incoerente, irritante, despropositada –, o roteiro tosco, didático, mesmo maniqueísta e as interpretações dos atores de uma pieguice e falta de vigor absurdas, quase um dramalhão mexicano, só que sem a graça de um estilo que já virou cult de tão clichê. Até a montagem do filme nos remete a uma imensa palestra sem ação, sem um motivo ou uma falha trágica que encaminhe os personagens que se entrelaçam como cabelos ao vento, a um fim. Com a palavra o diretor, roteirista e produtor Paulo Figueiredo. E a vida continua é um grande equívoco e por mais que se tente justificar suas falhas com a desculpa de que ele se presta ao fim a que se propôs, não mudará o fato de que é imperioso o cuidado com qualquer produção que se preste a ser um veículo de divulgação e a FEB quer sim alargar as fronteiras do Espiritismo no Brasil, ou não daria sua chancela a essa produção, não disporia um site tão completo quanto o seu, não mesmo venderia livros distribuindo a mensagem da Verdadeira Vida pelo mundo afora. Ir ao cinema, pagar um ingresso e receber um tal produto é de uma falta de respeito enorme e mesmo com muito boa vontade, ser caridoso com algo assim é prestar um desserviço a uma filosofia que no seu pendão libertário e consolador é de uma beleza sem par. HUDSON ANDRADE 15 de setembro de 2012 AD 10h47

sábado, junho 30, 2012

REFLEXÕES DE UM ARTISTA INSONE

Na noite de São João a Globo ofereceu um fast food do que foi a entrega do 26º Prêmio da Música Brasileira onde o grande homenageado foi o músico João Bosco. Para os insones que varavam a madrugado de segunda-feira foi um prazer ouvir as canções do mineiro – ainda que na minha ignorância musical eu tenha achado os arranjos algo demais. Over. Enfim, que sei eu?! – sobretudo duas das composições mais lindas, mais magníficas da MPB e mundial: Quando o amor acontece e Corsário. Eu que sou um apaixonado pela palavra, que me deleito com o verbo dito, com a letra impressa; que – me perdoem os Androids – sou amante dos livros que eu desvirgino abrindo aleatoriamente e enfiando o nariz para aspirar papel e tinta, fiquei me deleitando com o dizer do Bosco. Numa
“Aí que a dor do querer muda o tempo e a maré, vendaval sobe o mar azul”
, noutra
“Meu coração tropical está coberto de neve, mas ferve em seu dofre gelado e a voz vibra e a mão escreve mar”
. Fui pra cama pensando no meu eu artista e novamente João Bosco e Aldir Blanc – seu grande parceiro musical – me inspiraram: “Glória a todas as lutas inglórias”! (O Mestre Sala dos Mares). Eu que escrevo e que nunca fui premiado em minha terra e com os mesmos textos fui reconhecido fora e me questiono, porque eu não quero aprovação, mas reconhecimento dos meus pares. Claro. É essa gente, esse chão, nossas histórias e memórias que fertilizam meu escrever. Agora mesmo quatro dramaturgias minhas estão sendo editadas em São Paulo pela Giostri Editora e a apresentação do livro é do capixaba Hugo Passolo. Bom que pessoas completamente isentas e desconhecidas avaliem e julguem mérito no teu fazer, mas fica um ranço. Fica em mim. É meu. Vaidade? Orgulho ferido, egolatria? Sim! Talvez não. Sentimentos que todo artista tem perigosamente sem medida. Penso no meu teatro. Nos 10 anos da minha Companhia Nós Outros, suas vitórias e conquistas. Que 2012 tem sido fantástico graças a parceria e competência de meu companheiro e produtor, Carlos Correia Santos, que permite que eu liberte mãos e cabeça para a cena enquanto ele cuida da parte chata e necessária da coisa. Penso no esforço de produzir trabalhos de qualidade, com cuidado e atenção à equipe e ao público; da sempre falta de grana, incentivo. Grato pelas parcerias que suprem nossa falta de local de ensaios. Penso em tudo isso e reflito. As platéias cheias do Batista, não porque as sessões do SESC Boulevard eram gratuitas, porque exatamente por serem de graça não há porque se submeter a longas filas, tempo ruim, espera. Não há a obrigação de permanecer na sessão se o espetáculo não prende. Não se pagou mesmo. É só levantar e sair. Mas ninguém saiu. Em Castanhal, dia 23 passado, a Casa de Cultura lotou e com ingresso vendido. Havia um apelo educacional de um grupo de professores de língua portuguesa e história, organizadores do evento, mas havia a imensa carência de atrações como essa no município que tão perto de Belém não é atendido nesse sentido. O Terruá Pará leva nossa música para o sudeste. Louvamos estar nas novelas das 6 e das 7 da “grande emissora de televisão do Brasil”, mas quando uma grande inauguração, ou evento de monta é feito na capital, são atrações alienígenas as grandes prestigiadas e para o interior, nem a prata da casa. Penso que não é a cobrança de ingresso que impede se lote um teatro para produções ruins e humorísticos com atores e comediantes globais; vejo que não é o ingresso que impede que se lote um teatro por um espetáculo raso, ou vazio de conteúdo, que atenda unicamente a necessidade de escarnecer da nossa própria mediocridade. Minhas produções não são o supra-sumo do teatro paraense,meus textos não são clássicos da dramaturgia. Eu optei por um caminho que me satisfaça como ator, diretor, dramaturgo e que desejem ser propostas de reflexão para quem os veja. Houve um tempo em que eu me irritava com isso que chamava de inversão de valores. Julgava a platéia, os artistas, os textos; assumia o pedantismo de me crer superior em alguma instância por “não atender ao gosto vulgar do populacho”. Hoje eu decidi ser coerente com minha crença. Determinar o que eu quero fazer e dizer com a minha Arte seja para 100, 10, ou 01 criatura para ver. Quem estiver comigo merece ser honrado por ter saído do seu conforto para ser instigado e ainda – algumas vezes – pagar por isso. Deixem que o medíocre faça fortuna. Deixem que o tacanho seja ovacionado. Ainda há lugar pra beleza, pra poesia, pras intrincadas – e não raro – enfadonhas construções estéticas. Dizem meu inspirador: “O show de todo artista tem que continuar”. (O Bêbado e o Equilibrista. Grifo nosso) HUDSON ANDRADE 25 de junho de 2012 AD 11h30

segunda-feira, março 26, 2012

RABISCOS



Dois deuses regem a minha vida.
Dois deuses contraditórios, como eu próprio sou contraditório.
O primeiro deus é Deus, assim chamado – diz Victor Hugo – por não haver designação maior que nomeá-lo.
O outro é Dionísio, o caprichoso deus que ensinou os homens como tirar da uva o sêmen do delírio.
O primeiro me criou. O segundo me suporta.
Um me fez imortal. O outro me recria por efêmero.
Deus me vivifica. Dionísio me alucina.
Aquele é a razão, este, a ação.
Ambos estão em toda parte. Deus onde quer que eu esteja. Dionísio onde quer que Moliere soe suas três bastonadas.
Num me encontro, no outro me esqueço, nos dois me confio.
Para ambos, velas. Para ambos, incensos. Para os dois eu canto. Com os dois eu danço. A Deus, misericórdia. A Dionísio, sacrifício.

Neste dia coberto de cinzas meus dois deuses me fizeram luz. Deus na prece que o Evangelho conduziu, Dionísio na oração de Santiago Serrano rezada por Juliana Porto e Leoci Medeiros. A fé de um, o drama do outro.
Se a quem me lê pareço confuso, pense que ninguém sabe quem levará nossas preces aos Céus, assim como o dramaturgo, o diretor, aqueles em cena não sabem o que a plateia vai acolher de nossa messe.
Cheguei à Casa da Atriz com o corpo e o coração alquebrados. Orei a Deus e depois de um silêncio reconfortante, entreguei-me a liturgia do Teatro.
Juliana tem razão: Deus está aqui.
Evoé!

HUDSON ANDRADE
27 de janeiro de 2012 AD
22h08
No ônibus, já feliz, indo para casa.

sábado, março 24, 2012

ALGUÉM MORREU MAS NÃO SEI QUEM FUI!


Para ler ao som de Noel Rosa: Quando eu morrer, não quero choro nem vela...


Uma das principais características da comédia é o engano. Frequentemente, o cômico está baseado no fato de uma ou mais personagens serem enganadas ao longo de toda a peça. À medida que a personagem vai sendo enganada e que o equívoco vai aumentando, o público (que sabe de tudo) vai rindo cada vez mais.
A trama de Perfídia Quase Perfeita se desenrola dentro de uma radionovela dos anos 1950. No último capítulo o casal Cezinha (Geraldo Machado) e Dagmar (Viviane Bernard) precisa desvendar um mistério. O marido acorda atordoado no chão da sala e a mulher conta para o perplexo e desmemoriado Cezinha que houve uma traição conjugal e o desentendimento resultou num disparo de revólver. Há um caixão no meio da sala. Um deles está morto e o outro está alucinando. Toda a história é narrada e comentada por um locutor (Cláudio Marinho), que originalmente só existia em off, mas que no desenrolar da montagem acabou por se tornar uma personalidade da trama. Numa lembrança da infância quando ouvia as novelas acompanhadas pela mãe, Correia presta com sua dramaturgia uma homenagem aos antigos programas de rádio. Na trama os personagens não são os únicos enganados. Ou que estão se enganando. Toda a plateia vive uma mistificação embalada por jingles e argumentos humorísticos sutis que nos deixam também em constante dúvida até o desfecho surpreendente e deliciosamente engraçado. Aliás, essa é uma característica muito positiva desta comédia: sua deliciosa graça. Sempre apreciei as piadas que contadas, fazem com que aquele que a escute interrompa a gargalhada pra perguntar “isso foi uma piada, não foi?... Não?!... Foi sim...” e retoma o riso solto. À parte os pastelões e non-senses, abjuro radicalmente o humor gratuito da humilhação do grotesco, da exposição infamante de quaisquer grupos sociais, do excessivo apreço pela sexualidade aviltante.
Aristóteles (Filósofo grego. Estagira, 384 aC – Atenas, 322 aC) diferenciava a tragédia da comédia por aquela tratar dos homens superiores e esta, das pessoas comuns. E são nas situações cotidianas que a dramaturgia vai buscar sua lírica risada: no casal comum, na sua “suburbana e conturbada residência”, na hilária comparação entre mães e tuperwares, no nosso medo constante da morte e, penso eu, muito maior medo da solidão, que faz com que um dos pares prefira o fim a ficar sem sua metade. O brincar com canções conhecidas e torná-las falas dos personagens, recurso muito interessante que cria imediata identificação com o público e faz com que nos aliemos aos personagens porque nós também em nossos momentos de amor, paixão, raiva, tristeza, solitude, mágoa, separação, também recorremos às canções para fechar os buracos abertos em nosso peito.
E quando você pensa que acabou... mais uma cena, mais uma curva. E tudo é novo de novo. E você quer ver novamente, pra ter certeza de que não perdeu nenhum detalhe.
O diretor Cláudio Marinho, paraense, talvez por sua experiência como jornalista, emprestou a encenação um ritmo vibrante, ágil, que é seguido fielmente pelos atores, constantemente ligados entre si, à trama e ao público. Em alguns períodos nos é dada oportunidade de respirar e piscar para logo no momento seguinte descermos outra vez essa montanha russa de emoções. É no mínimo inusitado ver nossa linguagem de “tus” (na fala do autor, nosso DNA nortista) no sotaque cantado dos atores. Viviane, um verdadeiro furacão em cena, contrastando com a moça quieta quando o espetáculo termina. Geraldo não fica atrás, preenchendo cada espaço vazio do palco com uma energizante presença cênica.
Ainda privilegiando a prata da casa, Sônia Lopes assina a iluminação. E é de aplaudir já que tudo foi afinado na mesma tarde de estreia, dado o cronograma da Companhia Fé Cênica, pela primeira vez em Belém e em tão curta temporada. Vitoriosos, já que vieram por sua própria conta e risco, como, aliás, é a realidade do teatro em particular e da arte como um todo no Brasil.
A Fé Cênica existe há cinco anos e Perfídia Quase Perfeita estreou em 2010, na mostra paralela do Festival de Teatro de Curitiba. Marinho privilegia a dramaturgia paraense em seus trabalhos no sudeste, tendo encenado ainda Fogo Cruel em Lua de Mel, de Nazareno Tourinho (2007 a 2009), As Ruminantes, de Saulo Sisnando (2009), A Fábula das Águas (2011), seu primeiro infantil com texto também de Carlos Correia Santos, de quem ainda é a nova proposta da companhia: uma possível montagem de O Assassinato de Machado de Assis, já encenada em Belém.
A importância da comédia é a possibilidade democrática de satirizar todo e qualquer tipo de idéia e toda e qualquer pessoa, seja ela real ou não, divina ou terrena. É possível que daí resulte tantos desmandos e tantos equívocos. Felizmente ainda há boas comédias que nos façam rir sem constrangimento, felizes por não nos levarmos e à vida tão a sério assim.
Ao final, no riso dos atores, fica uma dúvida no ar: somos nós que os assistimos, ou são eles, esses seres encantados, que se divertem conosco?

SERVIÇO:
Texto: pan style="font-weight:bold;">Carlos Correia Santos
Direção: Claudio Marinho
Elenco: Viviane Bernard, Geraldo Machado e Claudio Marinho
Iluminação: Sônia Lopes
Trilha sonora original: Cláudio Hodnik
Operação de som: Roger Magno Nunes
Cenário e figurinos: Geraldo Machado e Viviane Bernard
Fotos: Lenise Pinheiro
Design gráfico: Reinaldo Elias
Produção local: Sue Pavão
Direção de produção: Geraldo Machado e Claudio Marinho
Local: Centro Cultural SESC Boulevard (Boulevard Castilho França, 522/523, em frente à Estação das Docas)
Sessões nos dias 23, 24 e 25 de março, às 20h.
Classificação etária: 14 anos
Duração: 50 minutos.
Informações: (91) 3224-5305 ou 3224-5654.

HUDSON ANDRADE
24 de março de 2012 AD
10h14