terça-feira, maio 26, 2009

EU 20



Para ouvir ao som de Vuelvo al Sur, de Astor Piazolla e Fernando Solanas.


Era apenas uma vez a cada semana. Um dia apenas. E o dia era aquele.
Eu me coloquei no lugar de sempre e fiquei esperando. E não conseguia sentar ou ler, ou fazer palavras cruzadas e até a música no MP3 parecia que me faria perder a ocasião.
Ele veio vestindo azul. Índigo nas calças, clarinho na camiseta. Óculos escuros que podia ser contra o sol forte, ou o sono interrompido, ou mal dormido. Veio vindo e passou por mim que novamente tinha recuado e não podia ser visto, ou notado. Mas senti o cheiro. O mesmo. Invariável. Em seu passo tranqüilo de mochila nas costas, se foi.
E as onze-horas que desabrochavam encheram de vermelhos, laranjas e amarelos a alameda.
Quanto tempo foi assim? Demais. E porque eu não lhe dizia de mim, não sei. “Só sei que me aturde a vida como um torvelinho, que me arrasta, me arrasta aos teus braços em cega paixão...”* E lá estava eu novamente.
E era aquele o dia, apenas uma vez por semana e tudo me inquietava e dessa vez quando as onze-horas abriram ele ainda não tinha vindo e meu peito se encheu de um não-sei-quê de ausência que sufocava e eu me joguei no banco, baixei a cabeça entre as mãos e, olhos fechados, apoiei os cotovelos nas coxas.
Foi quando senti o perfume. O mesmo. Invariável. E levantando a cabeça dei com ele à minha frente e não pude recuar. Não que eu quisesse. Sei lá.
Ele me olhou e sorriu e disse um oi amistoso, tudo isso talvez porque eu não parasse de olhá-lo e eu sorri e disse um oi e ato contínuo me pus de pé e barrei o seu caminho.
Por muito tempo ninguém disse nada. Verbalmente. Foi ele que quebrou o silêncio com um “Te vejo sempre por aqui” que me deu um calafrio.
- Sempre?! Eu?! – perguntei.
- Sempre! Tu! – Respondeu.
- Queres sentar?
- Eu preciso trabalhar.
Liberei a passagem:
- Claro! Desculpa!
- É só que eu realmente tenho que ir.
- Eu sei...
- O meu tempo é curto...
- Tanta coisa... eu também...
- Mas a gente podia...
- Claro! Claro! Seria ótimo...
- Quando?
- Agora!... Não! Agora não dá...
- É... a gente podia...
Avancei e lhe dei um beijo. Era aquele o dia. Só aquele.
Eu o beijei, ele me beijou. Natural que fosse assim.
- Tens que trabalhar...
- Tenho...
- A gente podia...
- Anota meu número...
- Tem o final de semana...
- Cinema... barzinho...
- Claro! Claro! Seria ótimo...
- Me liga... qualquer hora...
E já não era só um dia ainda que a gente só tivesse um dia, às vezes, pra se ver, que então era aquele o dia, que a gente esperava e fazia ter todo o sentido.

Simplesmente não consigo terminar essa história e isso desde ontem. Quem sabe por que se eu próprio não sei? Nada místico, nenhum mistério. Apenas talvez o pensar que essa história não tem porque acabar.
Publico assim mesmo, pra ver o que vem depois.


HUDSON ANDRADE
26 de maio de 2009.
11h35

(*) Traduzido de Pecado, de Carlos Bahr e Pontier Y Francini.

sexta-feira, maio 22, 2009

NÓS, NOSSO, VOSSO, TUDO (3): A ARTE DO ATOR EM BELÉM E EM QUALQUER LUGAR DO MUNDO



Transcrevo o texto do Adriano Barroso, ator, dramaturgo, direto e roteirista, que coordena o Projeto Outros 5 Anos, da Companhia Teatral Nós Outros. Além de uma opinião sobre a arte do ator, mostra um muito interessante ponto de vista sobre a nossa arte.

Ao final, preciosas dicas de livros pra quem quer se aventurar nesses mares revoltosos da arte cênica.




Na imagem, Téspis, consagrado como o primeiro ator, nas origens gregas do teatro.

A cada espetáculo novo, em cartaz na cidade, vemos surgir novos atores. Mas será que estão realmente preparados para encarar o palco?
Acredito que o grande trabalho do ator é a inquietação. Nunca há um método 100% seguro para que o ator esteja em cena. Nem deve ter. Atuar é a arte de correr riscos. Pode parecer somente uma frase de efeito, mas quem está sobre o palco com responsabilidade sabe do que estou falando; se um ator se sente totalmente seguro diante de seu personagem, é preciso ligar o sinal de alerta. Não há fôrmas nem fórmulas. Há trabalho.
Existem muitas teorias e métodos de mestres teatrais sobre a arte do ator, ao longo dos tempos eles têm concordado e discordado em muitos princípios, mas, pelo menos, para Stanislasvski, Grotowski e Chaikin, atuar é dividir-se, é dar a luz, trazer a público o que é velado no indivíduo. A representação é um testemunho do ator, que deve fazer um teatro com coisas que façam sentido para ele e para quem o assiste. O trabalho do ator começa com um estudo de sua própria natureza e não, como é comum para os iniciantes, distanciando-se de si mesmo.
O trabalho do ator é um exercício de entrega. Não vou aqui defender algum método de construção de personagem, não. Quero discutir, ou pelo menos, iniciar uma discussão sobre a qualidade e a preparação do ator que freqüenta os palcos de Belém. Como e por quê poderemos formar atores conscientes e responsáveis de seu ofício.
O teatro moderno trouxe para junto do encenador e do ator a figura do dramaturgista, aquele que é responsável por ajudar a “traduzir” o texto literário para a obra cênica.
Em Belém poucos grupos se utilizam dessa figura (um ou outro), isso não significa necessariamente um demérito para quem não a usa. Mas deve significar, necessariamente, mais um atributo para o ator na busca pela perfeita representação do que lhe é proposto. A dramaturgia do texto, da cena, da luz, do corpo do ator é necessária ser compartilhada por todos os que se associaram para edificar um espetáculo.
Não acredito em ator parasita. Aquele que só se alimenta do que lhe é posto na boca, e já mastigado, não é um ator.
O ator é aquele que é treinado para observar, absorver, digerir, experimentar em seu próprio corpo, e representar a realidade que está ao seu redor. A matéria de que se alimenta o ator é tudo. Tudo mesmo. Por isso um ator precisa estar “ligado” 24 horas por dia, atento a todas as informações que lhe chegam por via dos olhos, ouvidos, nariz, boca, extremidades, ou seja lá mais como for. Um trabalhador de teatro não é mais um na multidão - nem que ele queira - É um ser atento, um observador contumaz, um crítico... um ator.
Para tanto é preciso exercício. Não por acaso repeti tanto a palavra ATOR nos parágrafos acima. Quero chamar a atenção ao significado da palavra, aquele que atua, age. Ou, como diz com mais propriedade Patrice Pavis em seu Dicionário de Teatro: “O ator situa-se no próprio cerne do acontecimento teatral. Ele é o vínculo vivo entre o texto do autor, as diretrizes de atuação do encenador e o olhar e a audição do espectador.” Mas os atores não estão só no palco. Todos nós, de uma maneira ou de outra, atuamos.
Se tu ligaste a afirmação acima a aplicar uma mentirinha, ou fingir, de vez em quando, em benefício próprio, estás errado. Redondamente enganado. No teatro, é pecado mortal mentir ao público, uma falta de respeito. Uma atrocidade. Imperdoável! E, infelizmente, esse tem sido o principal engano de muitos novos atores em nossos teatros (tô falando de Belém mesmo).
Muita gente acredita que um bom ator se mede pela sua capacidade de fazer com que os outros acreditem em suas mentiras. Mentira e teatro não rimam. Outros ainda creditam ao ator a chamada “pegação de santo”, alguma entidade, sabe-deus-da-onde, baixa sobre a consciência do infeliz e o joga, durante uma hora e tantos, num estágio de inconsciência sobrenatural levando-o a desempenhar sua função na trama.
Se fosse só isso. Se fosse só decorar um texto, rezar para um santo baixar e subir no palco, não precisaríamos de tanto estudo sobre a arte do ator. A literatura sobre essa matéria é vastíssima, e é dever dos que entram nessa arte a busca pelo combate da ignorância.
A questão mais preocupante que vemos nos últimos tempos é a quantidade de pessoas mal preparadas subindo em nossos palcos. Nem bem se aprende a falar e lá estão eles azucrinando nossos ouvidos a gritar seus textos com a cara vermelha e a jugular estufada. Alguns poucos até vão bem neste ou naquele espetáculo, mas ninguém pode enganar todo mundo todo o tempo. É preciso preparação para estar no palco. Trilhar fase por fase. É uma grande responsabilidade. Ou alguém faz uma operação no primeiro ano de medicina?
Não se pode pular etapas. Um ator se faz passo a passo e dia após dia, ele precisa tomar consciência da expressividade do seu corpo, do registro de sua voz, da qualidade de suas emoções. O trabalho teatral é, sobretudo, o da cooperação, um diretor precisa ter estofo para encabeçar a direção de uma peça e um ator precisa ter um bom repertório para representá-la.
A primeira tarefa para quem deseja entrar nessa arte tão fascinante é procurar um bom orientador. Um ator sem boa formação é tão criminoso quanto um médico sem moral. Não estou aqui para apontar esse ou aquele profissional em Belém como bom ou ruim. Porém, não é tão difícil distinguir o joio do trigo. Qualquer profissional, de qualquer área, se mede pela conduta.
Tenho tido a oportunidade de assistir algumas peças de teatro ultimamente, e mais, tenho tido a oportunidade de conversar com muitos atores da nova safra. E, invariavelmente, tenho tido a oportunidade de me surpreender ante a tanta empáfia aliada à ignorância (essas duas rimam).
Todos querem negar. Todos optam pela experimentação, pela transgressão. Mas sem conhecimento da regra, como vão transgredir? Transgredir o quê? Negar o quê? Arrisco-me a dizer que 80% dessa nova geração de “atores” paraenses nunca leu Stanislavski. E pior, muitos o chamam de ultrapassado. O chamam assim porque só ouviram falar, de muito longe, “naquele negócio de memória emotiva”. Mas nem sabem que o mestre russo nos deixou uma trilogia de livros sobre a arte do ator belíssima.
Se a tragédia grega é chata, Shakespeare já foi muito montado, Brecht já deu o que tinha que dar, Artaud nunca ouvi falar, Grotowski idem, Chaikin ibidem, Barba não me satisfaz; ou vivemos um momento mágico dos pós modernismo, onde estamos próximo de encontrar uma dramaturgia totalmente nova e singular, ou estamos vivendo um momento de puro ócio infértil no teatro paraense (eu fico com a segunda).
Nossa profissão é um negócio muito complicado. Assim como há muita gente responsável e se esmerando mesmo para fazer um teatro competente, há outros tantos aventureiros se utilizando desse veículo atrás de benefício próprio. E no meio dessas duas pontas está uma carrada de pessoas tentando dizer algo através do teatro.
Não é fácil. Nem moleza. Ser ator é quase um sacerdócio (para manter meu tom exagerado) Nem sei porque tanta gente quer ir ao palco no meio de tanta dificuldade que é fazer teatro em Belém. Mas uma coisa é certa, se escolherem o teatro para falar, sejam inteiros.

A título de informação, aqui vão algumas ferramentas importantes para o ator.

O teatro e seu duplo, Antonin Artaud.
É uma obra decisiva para a renovação do teatro contemporâneo. Nesse livro, o autor, que também era ator, cenógrafo e encenador, defende um teatro dinâmico, vivo, em busca de uma arte autônoma, repudiando o teatro psicológico ocidental.

O Teatro e seu espaço, Peter Brook.
Brook distingue a palavra teatro em 4 diferentes significados: teatro morto, teatro sagrado, teatro rústico e teatro imediato. O livro é uma verdadeira aula que ajuda a distinguir o que faz o acontecimento teatral tornar-se algo vivo ou morto.

Em busca de um teatro pobre, Jerzy Grotowski.
Aqui tu vais encontrar uma série de artigos, entrevistas e comentários de encenações. É um livro muito ilustrado que ajudam a entender os exercícios desenvolvidos no seu método de treinamento do ator.

A linguagem da encenação teatral, Jean-Jacques Roubine.
O autor interpreta o fazer teatral setorizando a criação cênica; aqui poderás encontrar capítulo a capítulo o trabalho de cada elemento que compões uma obra cênica, do encenador ao ator, passando pela arquitetura teatral, posição do texto dramático, evolução do espaço cênico, etc.

Improvisação para o ator, Viola Spolin
É a exposição do sistema de ensino da autora. É uma abordagem da dramatização proposta em forma de problemas a serem desenvolvidos no palco e solucionados durante a atuação. Em seu valor pedagógico dos jogos e as técnicas, utilizados tanto na atividade teatral quanto em várias outras áreas, se assemelha (em importância) ao Teatro do Oprimido de Augusto Boal.

Preparação do ator, A construção da personagem, A preparação de um papel e Minha vida na arte, de Constantin Stanislavski.
Nesses quatro livros pode-se ter um panorama do pensamentos e das técnicas de um dos maiores atores e encenadores e mestres do teatro mundial. Leituras obrigatórias para quem deseja ser ator. Mesmo que seja para depois negá-lo.

segunda-feira, maio 18, 2009

NÓS, NOSSO, VOSSO, TUDO (2)

“A mim ensinou-me tudo
Ensinou-me a olhar para as cousas (...)”

Fernando Pessoa / Alberto Caeiro)

É. Começou a peneiragem.
Finda a primeira semana de trabalho, as ausências começaram a dizer de quem vai ficar fora desse processo. E a questão não são os compromissos que levaram a faltar, mas a falta em si. Se alguém ainda não se tocou que o negócio aqui é trabalho e trabalho árduo, pode enfiar sua viola no saco e vazar mesmo. Outra: escolhas. Vamos ter que fazê-las nossa vida inteira e doloroso e ruim é não fazê-las e se entristecer e prejudicar o trabalho alheio. Então as duas coisas se juntam, porque se eu tenho isso e aquilo e mesmo que eventualmente eu precise me ausentar, há de se convir que eu não estou inteiro nem aqui nem lá e que escolhas deverão ser feitas para o pleno exercício de um, OU de outro. E o que me for mais necessário, interessante, construtivo, etc, por ora, que receba o meu aval. Isso é honestidade consigo em primeiro lugar e com ou outros, além de uma civilizada demonstração de responsabilidade e respeito.
Claro que este trabalho tem particularidades e podemos flexibilizar em tanto quanto se trata de educação, mas isso tem um limite tolerável.
Não cobramos inscrição nem mensalidade porque há um investimento pessoal na compra de apostilas, livros, ingressos de teatro e até lanche, mas essa gratuidade não significa liberalidade, muito menos desqualificação. Os profissionais que nos orientam são de longa data e larga experiência e nossas atividades são pesquisadas e planejadas. Dispomo-nos, porque exigiremos disponibilidade. Oferecemos qualidade, porque não vamos nos contentar com pouco. E o fruto dessa disciplina, organização e exigência virá a seu tempo, num trabalho limpo, belo, agradável e que ofereça a nós e ao público o deleite de um espetáculo de teatro com “T” maiúsculo.

HUDSON ANDRADE
18 de maio de 2009 AD
15h32

BROCARDOS (11)

No último dia 07 o veículo Passat dirigido pelo deputado paranaense Fernando Ribas Carli Filho, 26 anos, voou sobre o Honda Fit em que viajavam Gilmar Rafael Souza Yared e Carlos Murilo de Almeida. Isso não é uma figura de linguagem. Dada a altíssima velocidade em que trafegava o Sr. Deputado, o carro que avançou um sinal de trânsito sem os devidos cuidados literalmente voou sobre o outro e isso atestam a completa destruição da lataria do Fit em oposição a integridade de seus pneus. Os jovens Gilmar e Murilo não resistiram aos ferimentos. Carli Filho agora está internado em São Paulo e apesar de não apresentar risco de morte, ainda inspira cuidados.

O acidente foi na cidade de Curitiba, onde reside e trabalha o deputado, mas após ter o quadro clínico estabilizado, ele foi transferido para um hospital paulista.
Apesar do relatório de paramédicos e testemunho de funcionários do restaurante onde o Sr. Carli Filho jantou antes do acidente evidenciarem o consumo excessivo de bebida alcoólica, somente após vários dias do ocorrido a justiça determinou o exame de dosagem alcoólica.
Em entrevista ao Fantástico ontem, a mãe do deputado disse, consternada, que se ficar provada a culpa de seu filho, ele responderá totalmente por seus atos.
Seus colegas na câmara afirmam que essa situação é intolerável e que eles tudo farão para que o deputado assuma todas as suas responsabilidades, que por ora só podem ser julgadas por desembargadores locais, dado o foro especial a que o Sr. Carli Filho tem direito.
Agora que duas famílias foram destroçadas e toda uma comunidade se mobiliza contra essa situação vergonhosa, pergunto eu: por que dirigia um automóvel o excelentíssimo Sr. Deputado se sua carteira de habilitação estava irregular e trinta multas de trânsito (igual a 130 pontos na referida certeira) – cinco delas na mesma Av. Monsenhor Ivo Zanlorenzi, onde aconteceu o sinistro – o impediam legalmente de trafegar em via pública? É isso? A lei existe para tolher os desmandos da sociedade, mas a segue quem o quer? A letra por si só encerra todo um código de moral e não há instrumentos que a tornem prática além de multas e possíveis detenções? Qual é o limite que deve chegar a ilegalidade de um cidadão para que ele seja chamado às favas, ou isso depende de que cidadão estamos falando? A justiça conta com instrumentos para localizar e punir os transgressores, mas os inúmeros delitos e os poucos agentes proporcionam que entremos num jogo de azar e sorte para numa incerta os supostos criminosos sejam encontrados? E em encontrando os tais, apesar de todas as evidências, é preciso observar se há ou não culpabilidade, intenção, privilégios? Será possível que o departamento de trânsito não possua um sistema que quantificando essas multas emitisse um documento impeditivo ao Sr. Fernando que o permitisse de forma acintosa e arrogante desprezá-lo, talvez escudado pela sua condição social, econômica e política? Tenho eu e os outros mortais o mesmo direito?
O que matou Gilmar Yared e Carlos Murtilo foi a total ausência de caráter do Sr. Deputado Fernando Ribas Carli Filho, amparada pela falta de educação e valores que agora se diz satisfatória (e vá lá que seja, que quantos recebem pérolas e as deitam aos porcos?!!!), uma certeza de impunidade que se enraizou no brasileiro do mais humilde ao investido em quaisquer públicos poderes; daqueles que, às gargalhadas, jogaram para baixo do tapete persa as multas, propinas, desmandos e bravatas dos seus correligionários; de qualquer governo, em qualquer esfera, e toda instituição que se contenta em escrever leis e não instrumentalizá-las; da conivência de todo aquele que por medo, ou conveniência não atestou, publicou e confirmou tudo o que levaria o caso a bom termo.
Essa piada de mau gosto todo mundo conhece: quando sair do hospital, debilitado e abatido, o deputado precisará de repouso, suporte psicológico, amparo fraterno. O processo, se instaurado, vai levar anos e anos para ser avaliado, julgado e cumprido. E ainda se pode concluir da inocência do réu, ou falta de elementos que o tornem culpado. E assim, daqui há alguns anos, pelas ruas e estradas, ao som do mar e à luz de um céu profundo, o Sr. Carli Filho respirará fundo e rirá de sua boa estrela, um novo mandato e tudo quanto se deve ao digno cidadão brasileiro.

HUDSON ANDRADE
18 de maio de 2009 AD
11h05

sexta-feira, maio 15, 2009

NÓS, NOSSO, VOSSO, TUDO (1)


Esta é uma nova sessão, para eu contar da fase 2 de um projeto chamado Outros 5 Anos, que a Companhia Teatral Nós Outros iniciou em 2007, coordenado por Adriano Barroso e Aílson Braga e que gerou Exercício Nº 1: O Homem do Princípio ao Fim e A Comédia dos Erros. Como todo blog, a idéia é fazer um relato do processo de trabalho que, se não diário, será, no mínimo, satisfatório. E absolutamente instigante.
Vamos lá!





E dá-me sonhos teus para eu brincar
Até que nasça qualquer dia
Que tu sabes qual é.

(O Guardador de Rebanhos VIII. Fernando Pessoa / Alberto Caeiro)

Dia 12 começamos um novo processo. Igual em 2007 reunimos a boa e velha Nós Outros com sangue novo e bom. Da outra vez foram convites mais particulares e tivemos Mary, Lucas e Ajax, ainda conosco, e o Ives, que tomou outros rumos. Agora batemos o tambor e apareceu gente de todo jeito. Gente boa, bonita e aparentemente disposta. Uns 2, ou 3 a gente já sabe que não vão ficar, por motivos vários. Outros vão durar mais. Alguns eu espero que realmente engrenem, porque serão de grande valia para a CIANO.
O Adriano tratou logo de dar aquele susto inicial – com uma hora de atraso! – dizendo “Eles já sabem a cagada em que se meteram?!” e prosseguiu, resumidamente, com o discurso do que é ser ator, da exigência da disponibilidade, estudo, leitura, exercícios, suor, trabalho, esforço e tantas dores para, no palco, gozar a delícia de fazer teatro. De qualidade. Bom! E a tudo isso o Aílson deu aval e fez-se as 22 horas, o primeiro dia!
E ter todos de volta e de novos; e ver aquele brilho no olhar de quem ainda está encantado e perceber que há tanto a fazer, tanta energia, a velha falta de espaço para trabalharmos digna e confortavelmente, as ausências, as dúvidas e a certeza de que, no final, que não tem quando nem onde a Nós Outros terá novas pernas, braços e um coração juvenil e uma cabeça madura.
O texto antes dessa escrita, do Pessoa (VEJA COMPLETO), foi o primeiro exercício que o Aílson passou. Pediu ainda que observássemos crianças respirando. E o Barroso pediu que pesquisássemos sobre Bertold Brecht, autor de Dansen e Quanto Custa o Ferro? nossos novos pré-textos.
Evoé ao teatro que me sangra e que eu amo tanto e no entanto eu...
Aos atores e atrizes, evoé!
O terceiro sinal bateu novamente.
Merda!!!

HUDSON ANDRADE
14 de maio de 2009 AD
9h30

CRÉDITO DA IMAGEM: Caraca Desenhos (http://images.google.com.br/imgres?imgurl=https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiStl2a4-SBA3nubEUi_tn4T3dUlzdcvTojgxkTV4BzrBnSC3U6erKy949HBTSYmcPFuDpCkGKbbctTe42s_Tvzuw3K7zoHzD0Foufgo7TOgfj_HycLYimp4q1QiKNT6BcIvfvigw/s400/o%2Bguardador%2Bde%2Brebanhos%2Bcopy.jpg&imgrefurl=http://caracadesenhos.blogspot.com/2008_02_01_archive.html&usg=__VuYwDtI08aaRtiPx6H5FST2uV3A=&h=400&w=283&sz=50&hl=pt-BR&start=20&tbnid=W_7GwhkGgsYH_M:&tbnh=124&tbnw=88&prev=/images%3Fq%3Dguardador%2Bde%2Brebanhos%26gbv%3D2%26hl%3Dpt-BR)

PALMO EM CIMA



Cartas de amor
Também ficam Sem Cor
quando Sem Perfume fica a vida
perde-se o tom, a luz
como um jardim Sem Margarida.

(Rita Melém)

Caio Fernando Abreu, nosso Caio F., é um escritor potencialmente complexo. Difícil? Talvez. Verdadeiro? Totalmente.há na sua escrita uma empatia tal que nos torna cúmplices de seus personagens e idéias. São pessoas que amam, matam, choram, gozam, enfim, vivem, garantindo então essa identificação ao som de Adriana Calcanhoto.
Por isso, para falar de tudo quando Sem Cor, Sem Perfume, Sem Margarida, o mais recente trabalho da Companhia Nós do Teatro quer falar, há e se ter verdade. E se ela existe em Antípodas e Uma História Confusa (os contos de Caio F.) e nos de Neto, como nos versos de Neto, Larissa e Rita Melém, vaga em cena. Falta ao trio de atores uma propriedade cênica que vai além de um bom texto e de um corpo disposto. Benone nos deixa muito à vontade para ver o espetáculo e igualmente deixou seus atores em zonas muito confortáveis. É preciso cuidar de tons muito agudos e fortes ao falar, ou muito baixos – mas não introspectivos –, de dizer do desejo sem o toque óbvio. Há que se dar ao espetáculo todo a mesma graça precisa de quando ao som de Vuelvo aos Sur – o ponto alto do trabalho! – as histórias dos personagens parecem que vão se encaminhar. É preciso assumir o triângulo amoroso e a paixão a que se propuseram.
Sem Cor, Sem Perfume, Sem Margarida tem uma encenação espartana e signos para os quais eu ainda busco sentido, mas o que mais grita para mim mesmo é a falta de precisão dos atores. Precisão que nasce da técnica e que obrigatoriamente precisa extrapolá-la para não ser um arremedo de realidade.
De algum paraíso, junto aos seus dragões, Rodrigues Neto (VER Brocardos (1), um dos fundadores da Nós do Teatro e grande homenageado com este espetáculo, deve estar meditando sobre isso e certamente vai lhes encher a cabeça de borboletas. Muitas. Negras;
Tomara!

FICHA TÉCNICA: Sem Cor, Sem Perfume, Sem Margarida. Texto a partir de poemas de Rodriguez Neto e Larissa Latif e de contos de Caio Fernando Abreu e Rodriguez Neto. Com: Jéssica Mirley, Markson de Moraes e Will Júnior. Iluminação: Sônia Lopes, Sonoplastia:Hélio Saraiva, Arte: Jéssica Mirley, Cenografia, figurino e direção: Beto Benone.Teatro Waldemar Henrique, 08, 09 e 10 de maio de 2009, 20h00.

HUDSON ANDRADE
11 de maio de 2009 AD
17h00

quinta-feira, maio 07, 2009

PORÇÃO DE REFERÊNCIA


Pegue um punhado de jovens intérpretes ansiosos por criar, acrescente uma boa dose de ousadia (cuidado para não desandar), temperos exóticos, muita carne, suor, mexa tudo vigorosa e constantemente para não empelotar e deixe cozinhar em banho-maria.
O resultado é Repertório Paralelo, que a Companhia Moderno de Dança apresentou nos dias 28, 29 e 30 de abril, no Teatro Waldemar Henrique. Repertório Paralelo é o resultado da experimentação dos integrantes da companhia – apresentados não apenas como bailarinos, mas intérpretes-criadores –, suas teses e estudos e, sobretudo, do trabalho contínuo de amadurecimento técnico e estético coordenados por Gláucio Sapucahy e a coreógrafa Ana Flávia Mendes. Em cena, sentimentos, ações cotidianas, a literatura furiosa de Nelson Rodrigues, as brincadeiras de criança, fotografias, o corpo e a própria dança ressignificados em coreografias solo, duos e trios, culminando com a improvisação final que reuniu toda a companhia em Luz em Cena, trabalho de Tarik Alves que investiga a luz cênica.
Repertório Paralelo não é um espetáculo no sentido estrito da palavra, mas como já se disse, uma experimentação. No entanto, modernamente, esse exercício acaba por se tornar um espetáculo à parte, como bem explicou o professor João de Jesus Paes Loureiro em conversa no final das últimas apresentações. O público então pode observar tanto o percurso criativo quanto o amadurecimento do processo até seu resultado, numa iniciativa que cria vínculos e um público interessado e cativo. Utilizar o Waldemar Henrique é uma grande sacada, porque a casa permite o uso de vários espaços e do mesmo espaço de várias formas.
Em Repertório Paralelo, assim como em Depois de Revelado Nada Mais Muda (ver RABISCOS DE LUZ), existem fortes elementos de outras áreas além da dança: vídeo, teatro, performance; vários setores se alinham na chamada dança contemporânea.Não que ela esteja buscando seu lugar, ou uma afirmação, mas porque ela é isso mesmo,numa tendência cada vez mais crescente de instigar os sentidos, desconstruir e ressignificar (estes próprios, termos altamente batidos atualmente) a dança e a arte em si.
Em três dias de apresentações os intérpretes-criadores da Companhia Moderno de Dança se revezaram em onze coreografias e dois trabalhos em vídeodança, uma modalidade dessa contemporaneidade que utiliza o vídeo e não artistas em cena. Em Repertório Paralelo os dois citados números de vídeodança são absolutamente experimentais e não deveriam ser apresentados ainda. Ok! Se eu não tenho referências suficientes para falar de dança, quanto mais de algo ainda mais recente? No entanto, a impressão que fica ao leigo que assiste não é de algo experimental e/ou em amadurecimento, mas de um trabalho primário e talvez mal feito. É claro que ele deve ser produzido, visto, discutido, refeito e aprimorado, mas isso deve ficar no âmbito da própria companhia até que haja madureza o bastante para trazê-lo à público. Dissecações e Bo(b)as Maneiras, os ditos trabalhos pecam exatamente por essa primariedade e destoam. As demais coreografias mostram diferentes graus de técnica, de bons a ótimos, extremamente criativos e possibilitando interação com a platéia que não se faz de rogada. Destaque para Labirintite, Pequeno Mundo Dilatado, Gesto Sanitário e Panocorpo Circulado. A mim incomoda que numa mesma coreografia não haja uma linearidade musical, ainda que as músicas utilizadas possuam algum encadeamento. Dão idéia de algo fragmentado, prejudicial num trabalho tão curto. Atenção para o figurino: antes de ser bonito ele precisa ser funcional e significante e por mais cotidiano que se queira parecer, a roupa do armário não é a roupa da cena.
Mexa tudo isso forte e constantemente para não empelotar, cozinhe em banho-maria, fogo brando, e quando começar a ferver, dê aquele toque especial que tudo perfuma e nos faz estalar a língua.
Rende três generosas porções. Ou mais.
Sirva quente!

FICHA TÉCNICA: Repertório Paralelo. Direção geral: Gláucio Sapucahy e Ana Flávia Mendes. Iluminação e Produção Técnica: Tarik Alves. Teatro Experimental Waldemar Henrique, 28, 29 e 30 de abril de 2009, 20h00.
Coreografias:
CLAVICÓRDIO – Christian Perrotta e Daiane Gasparetto
DISSECAÇÕES (vídeodança) – Ana Flávia Mendes
BO(B)AS MANEIRAS (vídeodança) – Feliciano Marques, Clediciano Cardoso e Márcio Moreira
SOASSIM – Bruna Cruz e Christian Perrotta
TODA NUDEZ SERÁ CASTIGADA – Márcio Moreira, Nelly Brito e Ercy Souza
LABIRINTITE – Daiane Gasparetto
CACO – Bruna Cruz, Christian Perrotta e Ana Paula
REVIRA(E)VOLTA – Andreza Barroso e Wanderlon Cruz
PEQUENO MUNDO DILATADO – Luiza Monteiro e Luiz Thomaz
GESTO SANITÁRIO – Christian Perrotta
PANOCORPO CIRCULADO – Ercy Souza e Luiz Thomaz
COISAS – Nelly Brito e Luiza Monteiro
LUZ EM CENA – Tarik Alves e Companhia Moderno de Dança

HUDSON ANDRADE
06 de maio de 2009 AD
17h25

ANTES DO TEMPO


Severa Romana foi escrita em 1968 pelo também escritor e jornalista Nazareno Tourinho e encenada pelaprimeira vez em 1969. Quarenta anos depois a história da moça grávida assassinada quando defendia sua honra volta à cena pela Companhia de Artes Cênicas Fato em Ato. O caso, real, aconteceu em Belém do Pará em 1900. Severa Romana, então com 19 anos, casada com Pedro, militar, era constantemente assediada pelo Cabo Ferreira, transferido do Ceará para nossa capital e que, tendo suas investidas recusadas, mata Severa. O crime comoveu a população e a jovem é até hoje venerada como uma de nossas santas populares. “Os seios de uma mulher são jóia rara”, diz a personagem Joana apresentando bem o ideal de honestidade da sociedade de então e dando testemunho, como em outros momentos, da retidão de caráter de Severa. Talvez essa postura ferrenha e altiva da jovem – mais do que a própria honra – seja o que motiva tantas pessoas a ir à quadra 28 do Cemitério de Santa Izabel pedir-lhe graças.
Antes desses tempos de Lei Maria da Penha – demonstração tardia, mas importantíssima de que a sociedade rejeita agressão tão covarde – o texto de Tourinho já apresentava esse problema hoje tão banal. Não sei se o dramaturgo queria discutir violência contra a mulher, ou apresentar um fato histórico, mas a postura da Fato em Ato de trazer o assunto à baila é de suma importância. Na peça cita-se também o caso de Maria Bárbara, em tudo semelhante ao de Severa, e que o poeta Bento de Figueiredo Tenreiro Aranha, em suas Obras Literárias (1850), descreve em belíssimo soneto*:

Se acaso aqui topares, caminhante,
Meu frio corpo já cadáver feito,
Leva piedoso com sentido aspeito
Esta nova ao esposo aflicto, errante.

Diz-lhe como de ferro penetrante
Me viste por fiel cravado o peito
Lacerado, insepulto, e já sujeito
O tronco fêo ao corvo altivolante:

Que d'um monstro inhumano, lhe declara,
A mão cruel me trata desta sorte;
Porém que alívio busque à dor amara,

Lembrando-se que teve uma consorte
Que, por honra da fé que lhe jurara,
A mancha conjugal prefere a morte.


O espetáculo Severa Romana parece prematuro. Apesar do tempo de trabalho (mais de um ano) algo nele ainda não está pronto para o palco. É fato que sua encenação e relevância podem lhe garantir – e deve – vida longa e próspera e que o tempo há de se encarregar de deitar azeite em suas juntas, mas por ora lhe falta vigor. Os personagens são estereotipados – no texto e na representação – e apesar de cerca de hora e meia de espetáculo nãos e tem uma curva ascendente que garanta um clímax na platéia. O final da história todo mundo sabe e isso é um grande trunfo. Tornar a platéia cúmplice do vilão, sofrer pela mocinha, agonizar-se, pensar em fazer isso e aquilo. Mas Severa Romana não nos permite isso e alguém à saída do teatro comentava com sua acompanhante que o final deixava a desejar. Deixa! Pior e que pode dar o tom de apenas mais um caso que toda a equipe quer exatamente afirmar-se contra. Os personagens Pedro e Vizinha são dessas caricaturas tão fortes que se tornam risíveis e não se tem por eles qualquer empatia; o cabo Ferreira é a encarnação do Demo. Cínico, debochado, rufião,não dá margem a que se sinta nada por ele além de repulsa e o texto não lhe confere nuances tornando-o tão arrogante que só reforça um Pedro fraco, ridículo e egoísta em sua covardia. Severa deve ser mais do que uma heroína de folhetim. É preciso que sintamos que suas atitudes não são só fruto de criação, ou dos costumes da época – e sua postura sempre assustadiça diz isso –, mas a expressão de seu real caráter. Palmas para Joana, desses personagens tão presentes em Shakespeare e Moliere que dizem e fazem de tudo, tudo vêem, tudo questionam e suas palavras acabam sendo a demonstração da verdade. Palmas sobretudo para a atriz Luíza de Abreu que faz uma Joana absolutamente tranqüila em cena, falando com desenvoltura e gesticulado na medida certa. É maravilhoso e infelizmente cada vez mais raro ver atores e atrizes maduros no palco, dando o fôlego de sua experiência para nós, meros iniciantes.
O figurino de Mestre Nato é belíssimo, mas romântico demais e parece – e efetivamente está – muito novo, limpo e cheirando à alfazema em cena; a cenografia de David Matos, que também assina a direção, é moderna, objetiva e clara; a luz de Sônia Lopes, sempre precisa, ainda que eu ache que aconteçam Black-outs demais.
Colhido antes do tempo, Severa Romana agora vai amadurecer a pulso e não ficará tão doce, ainda que nos alimente. E que sejam muitos e muitos banquetes.

FICHA TÉCNICA: Severa Romana. Texto: Nazareno Tourinho. Com: Mônica Alves (Severa Romana), Luíza de Abreu (Joana), Eliana Hazeu (vizinha), Marcelo Pinto (Cabo Ferreira) e Márcio Mourão (Pedro). Partitura corporal: Rutiel Felipe, Figurino: Mestre Nato, Iluminação: Sônia Lopes, Sonoplastia: Armando Hesketh, Fotografia: Simone Machado, Assistente de produção: Aline Chaves, Produção: José Clemente, Assistente de direção: Suely Brito, Cenografia e direção: David Matos.Teatro Margarida Schivazappa, 02 e 03 de maio de 2009, 20h00.

HUDSON ANDRADE
04 de maio de 2009 AD
11h15

(*) Disponível em http://blogflanar.blogspot.com/2007/10/o-brasil-tem-uma-nova-beata.html