sexta-feira, maio 22, 2009

NÓS, NOSSO, VOSSO, TUDO (3): A ARTE DO ATOR EM BELÉM E EM QUALQUER LUGAR DO MUNDO



Transcrevo o texto do Adriano Barroso, ator, dramaturgo, direto e roteirista, que coordena o Projeto Outros 5 Anos, da Companhia Teatral Nós Outros. Além de uma opinião sobre a arte do ator, mostra um muito interessante ponto de vista sobre a nossa arte.

Ao final, preciosas dicas de livros pra quem quer se aventurar nesses mares revoltosos da arte cênica.




Na imagem, Téspis, consagrado como o primeiro ator, nas origens gregas do teatro.

A cada espetáculo novo, em cartaz na cidade, vemos surgir novos atores. Mas será que estão realmente preparados para encarar o palco?
Acredito que o grande trabalho do ator é a inquietação. Nunca há um método 100% seguro para que o ator esteja em cena. Nem deve ter. Atuar é a arte de correr riscos. Pode parecer somente uma frase de efeito, mas quem está sobre o palco com responsabilidade sabe do que estou falando; se um ator se sente totalmente seguro diante de seu personagem, é preciso ligar o sinal de alerta. Não há fôrmas nem fórmulas. Há trabalho.
Existem muitas teorias e métodos de mestres teatrais sobre a arte do ator, ao longo dos tempos eles têm concordado e discordado em muitos princípios, mas, pelo menos, para Stanislasvski, Grotowski e Chaikin, atuar é dividir-se, é dar a luz, trazer a público o que é velado no indivíduo. A representação é um testemunho do ator, que deve fazer um teatro com coisas que façam sentido para ele e para quem o assiste. O trabalho do ator começa com um estudo de sua própria natureza e não, como é comum para os iniciantes, distanciando-se de si mesmo.
O trabalho do ator é um exercício de entrega. Não vou aqui defender algum método de construção de personagem, não. Quero discutir, ou pelo menos, iniciar uma discussão sobre a qualidade e a preparação do ator que freqüenta os palcos de Belém. Como e por quê poderemos formar atores conscientes e responsáveis de seu ofício.
O teatro moderno trouxe para junto do encenador e do ator a figura do dramaturgista, aquele que é responsável por ajudar a “traduzir” o texto literário para a obra cênica.
Em Belém poucos grupos se utilizam dessa figura (um ou outro), isso não significa necessariamente um demérito para quem não a usa. Mas deve significar, necessariamente, mais um atributo para o ator na busca pela perfeita representação do que lhe é proposto. A dramaturgia do texto, da cena, da luz, do corpo do ator é necessária ser compartilhada por todos os que se associaram para edificar um espetáculo.
Não acredito em ator parasita. Aquele que só se alimenta do que lhe é posto na boca, e já mastigado, não é um ator.
O ator é aquele que é treinado para observar, absorver, digerir, experimentar em seu próprio corpo, e representar a realidade que está ao seu redor. A matéria de que se alimenta o ator é tudo. Tudo mesmo. Por isso um ator precisa estar “ligado” 24 horas por dia, atento a todas as informações que lhe chegam por via dos olhos, ouvidos, nariz, boca, extremidades, ou seja lá mais como for. Um trabalhador de teatro não é mais um na multidão - nem que ele queira - É um ser atento, um observador contumaz, um crítico... um ator.
Para tanto é preciso exercício. Não por acaso repeti tanto a palavra ATOR nos parágrafos acima. Quero chamar a atenção ao significado da palavra, aquele que atua, age. Ou, como diz com mais propriedade Patrice Pavis em seu Dicionário de Teatro: “O ator situa-se no próprio cerne do acontecimento teatral. Ele é o vínculo vivo entre o texto do autor, as diretrizes de atuação do encenador e o olhar e a audição do espectador.” Mas os atores não estão só no palco. Todos nós, de uma maneira ou de outra, atuamos.
Se tu ligaste a afirmação acima a aplicar uma mentirinha, ou fingir, de vez em quando, em benefício próprio, estás errado. Redondamente enganado. No teatro, é pecado mortal mentir ao público, uma falta de respeito. Uma atrocidade. Imperdoável! E, infelizmente, esse tem sido o principal engano de muitos novos atores em nossos teatros (tô falando de Belém mesmo).
Muita gente acredita que um bom ator se mede pela sua capacidade de fazer com que os outros acreditem em suas mentiras. Mentira e teatro não rimam. Outros ainda creditam ao ator a chamada “pegação de santo”, alguma entidade, sabe-deus-da-onde, baixa sobre a consciência do infeliz e o joga, durante uma hora e tantos, num estágio de inconsciência sobrenatural levando-o a desempenhar sua função na trama.
Se fosse só isso. Se fosse só decorar um texto, rezar para um santo baixar e subir no palco, não precisaríamos de tanto estudo sobre a arte do ator. A literatura sobre essa matéria é vastíssima, e é dever dos que entram nessa arte a busca pelo combate da ignorância.
A questão mais preocupante que vemos nos últimos tempos é a quantidade de pessoas mal preparadas subindo em nossos palcos. Nem bem se aprende a falar e lá estão eles azucrinando nossos ouvidos a gritar seus textos com a cara vermelha e a jugular estufada. Alguns poucos até vão bem neste ou naquele espetáculo, mas ninguém pode enganar todo mundo todo o tempo. É preciso preparação para estar no palco. Trilhar fase por fase. É uma grande responsabilidade. Ou alguém faz uma operação no primeiro ano de medicina?
Não se pode pular etapas. Um ator se faz passo a passo e dia após dia, ele precisa tomar consciência da expressividade do seu corpo, do registro de sua voz, da qualidade de suas emoções. O trabalho teatral é, sobretudo, o da cooperação, um diretor precisa ter estofo para encabeçar a direção de uma peça e um ator precisa ter um bom repertório para representá-la.
A primeira tarefa para quem deseja entrar nessa arte tão fascinante é procurar um bom orientador. Um ator sem boa formação é tão criminoso quanto um médico sem moral. Não estou aqui para apontar esse ou aquele profissional em Belém como bom ou ruim. Porém, não é tão difícil distinguir o joio do trigo. Qualquer profissional, de qualquer área, se mede pela conduta.
Tenho tido a oportunidade de assistir algumas peças de teatro ultimamente, e mais, tenho tido a oportunidade de conversar com muitos atores da nova safra. E, invariavelmente, tenho tido a oportunidade de me surpreender ante a tanta empáfia aliada à ignorância (essas duas rimam).
Todos querem negar. Todos optam pela experimentação, pela transgressão. Mas sem conhecimento da regra, como vão transgredir? Transgredir o quê? Negar o quê? Arrisco-me a dizer que 80% dessa nova geração de “atores” paraenses nunca leu Stanislavski. E pior, muitos o chamam de ultrapassado. O chamam assim porque só ouviram falar, de muito longe, “naquele negócio de memória emotiva”. Mas nem sabem que o mestre russo nos deixou uma trilogia de livros sobre a arte do ator belíssima.
Se a tragédia grega é chata, Shakespeare já foi muito montado, Brecht já deu o que tinha que dar, Artaud nunca ouvi falar, Grotowski idem, Chaikin ibidem, Barba não me satisfaz; ou vivemos um momento mágico dos pós modernismo, onde estamos próximo de encontrar uma dramaturgia totalmente nova e singular, ou estamos vivendo um momento de puro ócio infértil no teatro paraense (eu fico com a segunda).
Nossa profissão é um negócio muito complicado. Assim como há muita gente responsável e se esmerando mesmo para fazer um teatro competente, há outros tantos aventureiros se utilizando desse veículo atrás de benefício próprio. E no meio dessas duas pontas está uma carrada de pessoas tentando dizer algo através do teatro.
Não é fácil. Nem moleza. Ser ator é quase um sacerdócio (para manter meu tom exagerado) Nem sei porque tanta gente quer ir ao palco no meio de tanta dificuldade que é fazer teatro em Belém. Mas uma coisa é certa, se escolherem o teatro para falar, sejam inteiros.

A título de informação, aqui vão algumas ferramentas importantes para o ator.

O teatro e seu duplo, Antonin Artaud.
É uma obra decisiva para a renovação do teatro contemporâneo. Nesse livro, o autor, que também era ator, cenógrafo e encenador, defende um teatro dinâmico, vivo, em busca de uma arte autônoma, repudiando o teatro psicológico ocidental.

O Teatro e seu espaço, Peter Brook.
Brook distingue a palavra teatro em 4 diferentes significados: teatro morto, teatro sagrado, teatro rústico e teatro imediato. O livro é uma verdadeira aula que ajuda a distinguir o que faz o acontecimento teatral tornar-se algo vivo ou morto.

Em busca de um teatro pobre, Jerzy Grotowski.
Aqui tu vais encontrar uma série de artigos, entrevistas e comentários de encenações. É um livro muito ilustrado que ajudam a entender os exercícios desenvolvidos no seu método de treinamento do ator.

A linguagem da encenação teatral, Jean-Jacques Roubine.
O autor interpreta o fazer teatral setorizando a criação cênica; aqui poderás encontrar capítulo a capítulo o trabalho de cada elemento que compões uma obra cênica, do encenador ao ator, passando pela arquitetura teatral, posição do texto dramático, evolução do espaço cênico, etc.

Improvisação para o ator, Viola Spolin
É a exposição do sistema de ensino da autora. É uma abordagem da dramatização proposta em forma de problemas a serem desenvolvidos no palco e solucionados durante a atuação. Em seu valor pedagógico dos jogos e as técnicas, utilizados tanto na atividade teatral quanto em várias outras áreas, se assemelha (em importância) ao Teatro do Oprimido de Augusto Boal.

Preparação do ator, A construção da personagem, A preparação de um papel e Minha vida na arte, de Constantin Stanislavski.
Nesses quatro livros pode-se ter um panorama do pensamentos e das técnicas de um dos maiores atores e encenadores e mestres do teatro mundial. Leituras obrigatórias para quem deseja ser ator. Mesmo que seja para depois negá-lo.

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