Apaga-te, ó delicada chama! Apaga-te!A vida é sombra passageira. Um mísero ator que chega, agita a cena inteira, diz sua fala e sai. e ninguém mais o nota. MACBETH (William Shakespeare)
quinta-feira, maio 07, 2009
PORÇÃO DE REFERÊNCIA
Pegue um punhado de jovens intérpretes ansiosos por criar, acrescente uma boa dose de ousadia (cuidado para não desandar), temperos exóticos, muita carne, suor, mexa tudo vigorosa e constantemente para não empelotar e deixe cozinhar em banho-maria.
O resultado é Repertório Paralelo, que a Companhia Moderno de Dança apresentou nos dias 28, 29 e 30 de abril, no Teatro Waldemar Henrique. Repertório Paralelo é o resultado da experimentação dos integrantes da companhia – apresentados não apenas como bailarinos, mas intérpretes-criadores –, suas teses e estudos e, sobretudo, do trabalho contínuo de amadurecimento técnico e estético coordenados por Gláucio Sapucahy e a coreógrafa Ana Flávia Mendes. Em cena, sentimentos, ações cotidianas, a literatura furiosa de Nelson Rodrigues, as brincadeiras de criança, fotografias, o corpo e a própria dança ressignificados em coreografias solo, duos e trios, culminando com a improvisação final que reuniu toda a companhia em Luz em Cena, trabalho de Tarik Alves que investiga a luz cênica.
Repertório Paralelo não é um espetáculo no sentido estrito da palavra, mas como já se disse, uma experimentação. No entanto, modernamente, esse exercício acaba por se tornar um espetáculo à parte, como bem explicou o professor João de Jesus Paes Loureiro em conversa no final das últimas apresentações. O público então pode observar tanto o percurso criativo quanto o amadurecimento do processo até seu resultado, numa iniciativa que cria vínculos e um público interessado e cativo. Utilizar o Waldemar Henrique é uma grande sacada, porque a casa permite o uso de vários espaços e do mesmo espaço de várias formas.
Em Repertório Paralelo, assim como em Depois de Revelado Nada Mais Muda (ver RABISCOS DE LUZ), existem fortes elementos de outras áreas além da dança: vídeo, teatro, performance; vários setores se alinham na chamada dança contemporânea.Não que ela esteja buscando seu lugar, ou uma afirmação, mas porque ela é isso mesmo,numa tendência cada vez mais crescente de instigar os sentidos, desconstruir e ressignificar (estes próprios, termos altamente batidos atualmente) a dança e a arte em si.
Em três dias de apresentações os intérpretes-criadores da Companhia Moderno de Dança se revezaram em onze coreografias e dois trabalhos em vídeodança, uma modalidade dessa contemporaneidade que utiliza o vídeo e não artistas em cena. Em Repertório Paralelo os dois citados números de vídeodança são absolutamente experimentais e não deveriam ser apresentados ainda. Ok! Se eu não tenho referências suficientes para falar de dança, quanto mais de algo ainda mais recente? No entanto, a impressão que fica ao leigo que assiste não é de algo experimental e/ou em amadurecimento, mas de um trabalho primário e talvez mal feito. É claro que ele deve ser produzido, visto, discutido, refeito e aprimorado, mas isso deve ficar no âmbito da própria companhia até que haja madureza o bastante para trazê-lo à público. Dissecações e Bo(b)as Maneiras, os ditos trabalhos pecam exatamente por essa primariedade e destoam. As demais coreografias mostram diferentes graus de técnica, de bons a ótimos, extremamente criativos e possibilitando interação com a platéia que não se faz de rogada. Destaque para Labirintite, Pequeno Mundo Dilatado, Gesto Sanitário e Panocorpo Circulado. A mim incomoda que numa mesma coreografia não haja uma linearidade musical, ainda que as músicas utilizadas possuam algum encadeamento. Dão idéia de algo fragmentado, prejudicial num trabalho tão curto. Atenção para o figurino: antes de ser bonito ele precisa ser funcional e significante e por mais cotidiano que se queira parecer, a roupa do armário não é a roupa da cena.
Mexa tudo isso forte e constantemente para não empelotar, cozinhe em banho-maria, fogo brando, e quando começar a ferver, dê aquele toque especial que tudo perfuma e nos faz estalar a língua.
Rende três generosas porções. Ou mais.
Sirva quente!
FICHA TÉCNICA: Repertório Paralelo. Direção geral: Gláucio Sapucahy e Ana Flávia Mendes. Iluminação e Produção Técnica: Tarik Alves. Teatro Experimental Waldemar Henrique, 28, 29 e 30 de abril de 2009, 20h00.
Coreografias:
CLAVICÓRDIO – Christian Perrotta e Daiane Gasparetto
DISSECAÇÕES (vídeodança) – Ana Flávia Mendes
BO(B)AS MANEIRAS (vídeodança) – Feliciano Marques, Clediciano Cardoso e Márcio Moreira
SOASSIM – Bruna Cruz e Christian Perrotta
TODA NUDEZ SERÁ CASTIGADA – Márcio Moreira, Nelly Brito e Ercy Souza
LABIRINTITE – Daiane Gasparetto
CACO – Bruna Cruz, Christian Perrotta e Ana Paula
REVIRA(E)VOLTA – Andreza Barroso e Wanderlon Cruz
PEQUENO MUNDO DILATADO – Luiza Monteiro e Luiz Thomaz
GESTO SANITÁRIO – Christian Perrotta
PANOCORPO CIRCULADO – Ercy Souza e Luiz Thomaz
COISAS – Nelly Brito e Luiza Monteiro
LUZ EM CENA – Tarik Alves e Companhia Moderno de Dança
HUDSON ANDRADE
06 de maio de 2009 AD
17h25
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