terça-feira, maio 26, 2009

EU 20



Para ouvir ao som de Vuelvo al Sur, de Astor Piazolla e Fernando Solanas.


Era apenas uma vez a cada semana. Um dia apenas. E o dia era aquele.
Eu me coloquei no lugar de sempre e fiquei esperando. E não conseguia sentar ou ler, ou fazer palavras cruzadas e até a música no MP3 parecia que me faria perder a ocasião.
Ele veio vestindo azul. Índigo nas calças, clarinho na camiseta. Óculos escuros que podia ser contra o sol forte, ou o sono interrompido, ou mal dormido. Veio vindo e passou por mim que novamente tinha recuado e não podia ser visto, ou notado. Mas senti o cheiro. O mesmo. Invariável. Em seu passo tranqüilo de mochila nas costas, se foi.
E as onze-horas que desabrochavam encheram de vermelhos, laranjas e amarelos a alameda.
Quanto tempo foi assim? Demais. E porque eu não lhe dizia de mim, não sei. “Só sei que me aturde a vida como um torvelinho, que me arrasta, me arrasta aos teus braços em cega paixão...”* E lá estava eu novamente.
E era aquele o dia, apenas uma vez por semana e tudo me inquietava e dessa vez quando as onze-horas abriram ele ainda não tinha vindo e meu peito se encheu de um não-sei-quê de ausência que sufocava e eu me joguei no banco, baixei a cabeça entre as mãos e, olhos fechados, apoiei os cotovelos nas coxas.
Foi quando senti o perfume. O mesmo. Invariável. E levantando a cabeça dei com ele à minha frente e não pude recuar. Não que eu quisesse. Sei lá.
Ele me olhou e sorriu e disse um oi amistoso, tudo isso talvez porque eu não parasse de olhá-lo e eu sorri e disse um oi e ato contínuo me pus de pé e barrei o seu caminho.
Por muito tempo ninguém disse nada. Verbalmente. Foi ele que quebrou o silêncio com um “Te vejo sempre por aqui” que me deu um calafrio.
- Sempre?! Eu?! – perguntei.
- Sempre! Tu! – Respondeu.
- Queres sentar?
- Eu preciso trabalhar.
Liberei a passagem:
- Claro! Desculpa!
- É só que eu realmente tenho que ir.
- Eu sei...
- O meu tempo é curto...
- Tanta coisa... eu também...
- Mas a gente podia...
- Claro! Claro! Seria ótimo...
- Quando?
- Agora!... Não! Agora não dá...
- É... a gente podia...
Avancei e lhe dei um beijo. Era aquele o dia. Só aquele.
Eu o beijei, ele me beijou. Natural que fosse assim.
- Tens que trabalhar...
- Tenho...
- A gente podia...
- Anota meu número...
- Tem o final de semana...
- Cinema... barzinho...
- Claro! Claro! Seria ótimo...
- Me liga... qualquer hora...
E já não era só um dia ainda que a gente só tivesse um dia, às vezes, pra se ver, que então era aquele o dia, que a gente esperava e fazia ter todo o sentido.

Simplesmente não consigo terminar essa história e isso desde ontem. Quem sabe por que se eu próprio não sei? Nada místico, nenhum mistério. Apenas talvez o pensar que essa história não tem porque acabar.
Publico assim mesmo, pra ver o que vem depois.


HUDSON ANDRADE
26 de maio de 2009.
11h35

(*) Traduzido de Pecado, de Carlos Bahr e Pontier Y Francini.

3 comentários:

júnior cabrali disse...

não entendo!

Hudson Andrade disse...

E o que tem pra entender, Cabra?!
Sinta!

Marckson de Moraes disse...

minino acho que já vi essa estória!!