terça-feira, dezembro 06, 2011

COMO SE FOSSE... COMENTÁRIOS DE UMA ESPECTATRIZ.



2011 me deu muitos presentes e entre eles, Como se fosse..., o espetáculo que me colocou em cena como ator e como autor, mas sem qualquer distanciamento de mem, do público, literalmente desnudo.
Hoje eu sou ouvinte, eu, que tantas vezes me arvorei de comentarista. As palavras são de Rosilene Cordeiro, atriz que para mim é pura essência de arte, carisma e feminilidade. Outro presente! Deleitem-se!

COMO SE FOSSE Poesia... COMO SE FOSSE Teatro... COMO SE FOSSE O que eu queria dizer!
Ao Hudson Andrade e ao Leoci Medeiros


Deleito-me em ver aquilo que tem fundura.
Fundo poço de águas turvas ou claras, o aspecto do líquido aqui pouco importa de fato.
Água em estado líquido carrega em si a inteireza do fluxo, corrente que é na "bruteza" da sua condição primeva.
Vivi algo assim, como embebida pela maré, quando estive como "espectatriz" do espetáculo encenado pelo Hudson Andrade e o Leoci Medeiros, COMO SE FOSSE, em pauta na Casa da Atriz no mês de junho deste ano.
Senti-me- por um certo momento mágico e arrebatador- uma celebridade entre célebres! Não o sou, mas estive celebridade quando tive a chance de presenciar dois atores, leves e graciosos atores!- "compartilhando mergulhos" na/ da cena teatral com apenas dois espectadores “de fora”, sendo eu mesma um deles. Na verdade éramos quatro na grande cena, ou melhor dizendo, seis porque o Paulo e a Yeyé Porto estavam lá.
Não pretendo, nem teria como fazer uma análise crítica do mesmo porque disso, nada compreendo. Nem tão pouco seria capaz de organizar um comentário tão rápido que pudesse dar conta da ebulição de coisas que essa experiência me conferiu. Ao término, apenas consegui dizer aos presentes sobre o sentimento da hora: "Primeiro eu preciso voltar à superfície! rr. È algo sobre o qual eu gostaria de escrever um pouco.”
Bem, eu tenho feito algumas incursões perceptivas pela estética teatral em “estado” de platéia que reconhece a necessidade de prestigiar colegas de ofício, produtores de arte, teatral sobretudo, pois não há como fugir disso uma vez que nessa seara estou com os dois pés embutidos. Mas move-me, também, o desejo de exercitar o olho, as sensações das diversas partes do corpo, a mente desejosa de coisas boas, belas, poesias subliminares passíveis de seguirem comigo vida a fora, ofício a dentro.
Nessas parcas andanças, tenho colhido impressões, reflexões, quadros sem molduras de questionamentos, disparos de dúvida, dor, medo os quais dou-me na tentativa de atribuir vigor a esse fazer/ pensar que tem se constituído minha atividade teatral, desde os idos (bem idos!rr) dos meus 14 anos, isso na década de 80, como cria da FUMBEL que fui.
Aprender leva tempo, a maturidade ensina-nos a abrir bem os olhos e o coração para o novo de cada coisa diante de nós.
COMO SE FOSSE mágica, ali, naquele banco que se fez MEU lugar por algum momento, dividido com outra pessoa desconhecida, fiz uma viagem não planejada para o interior de um teatro pouco difundido, ao qual me propus, mesmo antes de sabê-lo como hoje o compreendo, meu lugar de encontro e mutação, teatro trabalho, transpiração, construção física-emocional-política.
O espetáculo é idas e vindas. Sobe e desce, abre e fecha, riso e dor, pergunta e afirmação. Trata exatamente do interior disforme e pouco conhecido da grande massa. Fala dessa ARTE em 'capslock' que cruza o ser ator instigando-o à exaustão do corpo e da mente, tirando-lhe o sossego, a carne fria, a respiração tranqüila, que atira sua alma à parede arremessando verdades, inquirindo-o e devolvendo-lhe aquilo que o incomoda, que o aflige, denunciando sua fragilidade e sua permanente busca por realizá-lo com a maior verdade que lhe seja possível atribuir.
Em frases/ textos selecionados dos clássicos do teatro num passeio histórico pelos diferentes lugares dos conceitos e depoimentos teatrais por teóricos do mundo afora até o que há de mais hodierno, vazando no contemporâneo da vida, vagamos como interlocutores da cena, sendo levados a ler o que o TEATRO continua a nos colocar como questões cruciais que atravessam o tempo cronológico desembocando no fazer que pretendemos hoje quando tocados por suas múltiplas poéticas. Pra mim é uma denúncia que as vezes é preciso voltar, estudar, olhar mais dentro, investigar, debruçar-se na correnteza que levanta a canoa que nos leva ao grande e tenebroso mar da realização teatral como obra de arte que é.
Dizia aos meninos- Hudson e Leoci- inclusive, que o cerne do espetáculo deveria ser elevado a uma disciplina acadêmica, dado a necessária audiência de todos nós que nos dizemos seguidores das artes cênicas, pelo provocativo que suscita em torno desse trabalho laborioso, caótico, difuso e deleitoso do qual nos munimos como partícipes dessa empreitada que desejamos abraçar.

Por um instante, pensei no que significam os fóruns, as redes sociais criadas em torno da temática, as reuniões com pautas pontuais, os núcleos de formação específica, os estudos, as pesquisas, os eventos que temos empreendido em sua direção. Pensado sobre o largo e pedregoso caminho galgado por muitos ( bem poucos ainda!) em prol de políticas públicas que possam, finalmente, reconhecer e agregar à nossa ARTE/OFÍCIO o valor social e artístico ao qual Ela faz jus, pelo histórico de ação no mundo, pelas tantas vidas em torno dela organizadas.

Sai da Casa da Atriz mexida, sensação mista de confusão e alegria, revigorada (porque as vezes alguns espetáculos nos permitem essa vazão!) pelo fato de que não estou sozinha na ‘loucura’ (talvez a mais sã de toda minha carreira existencial) de perseguir um jeito peculiar -meu jeito- de cristalizar aquilo que eu penso, que eu acredito, que eu divulgo, que eu quero comunicar com a minha arte, não numa tentativa vazia e isolada, mas dialogando com tudo que possa colocar o teatro no lugar que lhe é merecido desde sempre: EM CENA! NA ANTEMÃO DA ARTE VIVA, PULSANTE, INTEGRAL E GALOPANTE EM PERMANENTE MUTAÇÃO!
A todos os envolvidos nesse trabalho, um abraço gostoso e desejoso de vê-los logo, logo em cena novamente.
Ao Hudson e ao Leoci, um cheiro mais que especial pela emoção que me deram, pelo olhar fundo vez ou outra dividido na contracena extrema de cada fala compartilhada, daquela apresentação que, me permitam os demais, foi devotada a mim, justamente pelo mergulho que me dei na presença de vocês.
As lágrimas dizem do resto, desse resto que não cabe no instante da palavra, mas que é capaz de resignificar o tempo e a qualidade do que sentimos uns pelos outros. Do ânimo que vamos dividindo como colegas de profissão e sonhos.
Meu sentimento? Prazer.

Com o coração festivo e de volta à respiração diafragmática!rr, abraço-os.
COMO SE FOSSE um de vocês...


Rosilene Cordeiro, julho de 2011
- É atriz. Entre seus trabalhos destacam-se Paixão Fosca e Em Algum Lugar de Mim.
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sexta-feira, dezembro 02, 2011

CHOVE CHUVA


Cheguei em casa e já chovia. E assim foi. Mais forte, mais fraco, gotejando, respingando, batucando nos telhados, nas folhas, escorrendo nas paredes e nos muros.
A chuva dá folga à Lua, que por trás das nuvens retoca o seu lado iluminado, gravitando enquanto engravida para marcar mais um mês.

A chuva enxota os gatos para as caixas de ar condicionado, empurra pessoas pras marquises, esconde o guarda-noturno. Até agora, quase duas, não ouvi seu apito, matinta-macho montado em bicicleta.
A chuva enovela os cães. O chuvisco intermitente cantarola ninares; a água refresca tudo. Ainda assim sinto calor, talvez porque não haja vento e sem vento a nuvem não viaja e continuar a chorar sobre meu bairro – ou será sobre a cidade?
Se ela engrossa, a gente se preocupa. Se ela falta, a gente lastima. Se cai no domingo, a gente reclama. Se no retorno, não molha. Se é criança, gripa. Se é semente, incha. Se lago, engorda. Se poça, sonha grandezas de mar.
Em Belém, chuva é sinônimo. Já foi relógio.
As nuvens cospem relâmpagos quase mudos. É preciso atenção. Não é como o temporal: tonitruantes, abusados, violentos. São vagalumes gigantes nessa madrugada sem insetos.
Tudo é tão calmo, tão quieto, que assusta. Tudo se recolhe, menos ela, a própria, a chuva, caindo calma como se fosse pra sempre.
Não quero dormir, mas sei que devo. Amanhã tem muito que fazer e eu vou sair e pisar no chão molhado e ver o sol multiplicado nas gotas penduradas nos galhos, nas calhas. Quem sabe o sol virá de terno cinza. Pode ser. Mas aqui é Belém. Logo ele explode e seca tudo e a gente vai dizer: Ontem foi tão bom dormir. Tomara que hoje chova de novo, que meu amor me aconchegue.
Uma formiga de asas pousa louca na cama. “Sem insetos”, eu disse?! Lanço-a longe. Protejo as orelhas “pra elas não fazerem ninho”, minha tia Coló dizia. Elas saíram de casa e procuram pousada. Eu, na minha cama, olho preguiçoso o interruptor do outro lado do quarto. Melhor fechar o caderno e apagar a luz. Tenho que dormir.
Essa chuva vai longe!

HUDSON ANDRADE
02 de dezembro de 2011 AD
2h08


Crédito da foto: Carlos Correia Santos, em São Paulo, novembro/2011

quarta-feira, novembro 23, 2011

EU 32




Para ler ao som de Eurythmics: “Sweet dreams are made of this...”


“Dormir, talvez sonhar”, diria Hamlet. Sonhar: olhar pra dentro de si mesmo, ou olhar pra fora?
Se tudo o que há no sonho sou eu mesmo, sou parede, praça, mar e mistério. Se tudo o que se sonha está no subconsciente, o meu se chama lascívia. Se um sonho é um caminhar da alma, a minha tem tanta sede quanto meu corpo.
“Dormir, talvez sonhar...”, repito Shakespeare e viro pro lado vazio da cama. Desço a mão até meu pau rígido e aperto até que doa. O ar condicionado não refreia o suor da testa. Cerro as cortinas tapando o luar e caminho em riste pelo escuro do quarto. O relógio anuncia às cinco horas e daqui a pouco trabalho e estarei novamente exausto, olhos vermelhos, olheiras, mau humor.
Sento na cama, seguro o falo na mão que treme. O vai-vem dura pouco tempo e o jato me dá um coice contra o colchão de onde levanto duas horas depois com o toque irritante e insistente do despertador do celular.

Tiro a roupa, espalho espuma pelo rosto, corro a lâmina. Alguém bate à porta. Entreabro. Ele, sempre ele, sempre a mesma camiseta preta com letras brancas escrito sei lá o quê, o bermudão.
“Deixa eu entrar!”, ele sussurra.
A mão treme. O coração dispara. Bato a porta com força.
O som me acorda.
Desço a mão até meu pau rígido e aperto até que doa...

...espalho espuma pelo rosto, corro a lâmina. Alguém bate à porta. O toque é sutil, quase inaudível, mas o susto desnorteia a mão e o sangue brota no pescoço logo abaixo do queixo. Mais três toques suaves. A mão já avança para a maçaneta, mas pára no meio do caminho.
Se eu escuto a sua respiração tranqüila, ele certamente ouvirá a minha, ofegante. Tapo boca e nariz. Recuo dois passos. Silêncio.
Acordo quando o relógio anuncia às cinco horas. Sento na cama. O vai-vem. O coice. O toque irritante e insistente do despertador do celular.

Alguém bate à porta. Três toques. Suaves. Mas a mão desnorteada faz brotar sangue no pescoço logo abaixo do queixo. Pela porta entreaberta eu o vejo: ele, sempre ele, a mesma camiseta preta com qualquer coisa escrita e o bermudão.
“Deixa eu entrar”, ele sussurra. Abro a porta o suficiente para que ele passe. Giro a chave duas vezes. Sinto no frio das minhas costas arrepiadas o braseiro do seu corpo magro e moreno.
Me ajoelho diante do volume enorme que ameaça rasgar o bermudão e aperto com cuidado seu falo para que não doa. Entreabro os lábios. Chupo sua pica dura com fome de necessitado. Ele se curva. Olha nos meus olhos, tranqüilo; a próxima a boca da minha, mas segue até o pescoço e lambe o sangue que já alcança o peito.
Acordo com o toque irritante e insistente do despertador do celular. Estou exausto, olhos vermelhos, olheiras. Aborto um sorriso maroto. Daqui há pouco trabalho.

Nem trânsito, nem chuva, nem o calor insuportável da tarde. Tudo parece certo. A música nos fones ajuda a passar o tempo, a chuva esfria o asfalto e o sol ilumina a cidade de um jeito ímpar. Aceitei até um barzinho com os colegas de trabalho. Tantos convites recusados. Por que não? “Cerveja, não, que eu não bebo! Tem Coca em lata? Normal, claro! Com gelo e limão, por favor.” Pedi ao garçom depois de lhe perguntar o nome. Um rapaz magro, simpático e atencioso.
Fomos os últimos a sair. “Eu pego um táxi!”, agradeci, recusando a carona. “Não esquenta a cabeça.” De dentro do carro eu vi o garçom saindo pela porta de enrolar semi-aberta do boteco. Bermudão, camiseta preta com qualquer coisa escrita em branco. Prendi a respiração. “Pra onde, senhor?”. Só quando o motorista repetiu mais forte é que eu vi que divagava e dei o endereço. O carro seguiu reto e acabamos por passar pelo rapaz que caminhava tranqüilo madrugada adentro.
Fiz o taxista parar e ofereci carona. Ele entrou e sentou no banco da frente, agradecendo. Ninguém disse nada até a porta da minha casa.
O vento noturno não refreia o suor da testa. As nuvens cerram o céu tapando o luar. Em riste caminho até a porta, giro a chave duas vezes. Entreabro. Ele me segue calmamente e com paciência espera atrás de mim. Sinto no frio das minhas costas arrepiadas o braseiro do seu corpo magro e moreno. Abro a porta o suficiente para que ele passe. “Quer entrar?”, sussurro.
Ainda na sala me ajoelho diante do seu pau duro, aperto de leve para que não doa enquanto o tiro da bermuda que já ameaça rasgar. Chupo com fome de necessitado. Ele se move de leve. Vai-vem. O jato. O coice. Gemidos quase inauditos.
Ele quer mais. Sempre quer. Eu quero mais. Sempre.
Caminhamos em riste para o quarto. Sento na cama. Tiro a roupa. Ele vem, aproxima a boca da minha e pede: “Deixa eu entrar?”
Minha mão treme. O coração dispara. Deito. Me entreabro. Suas mãos correm minhas costas. O toque é sutil. Algum peso. Segura meu pescoço com a esquerda logo abaixo do queixo. Suave.
A lâmina corre. Sem susto. Sua respiração tranqüila. A minha que cessa. Silêncio.
O relógio anuncia às cinco horas.
Dormir. Talvez sonhar.

HUDSON ANDRADE
23 de novembro de 2011 AD
10h57


Crédito da imagem: http://www.flickr.com/photos/gilrodrigues/page2/

sábado, outubro 29, 2011

QUEM COME DESSE PÃO? QUEM BEBE DESSE VINHO?


Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas! Pois que sois semelhantes aos sepulcros caiados, que por fora parecem formosos, mas interiormente estão cheios de ossos de mortos e de toda imundícia. Assim, também vós exteriormente pareceis justos aos homens, mas interiormente estais cheios de hipocrisia e de iniqüidade. Mt 23:27-28


Militante do Partido Social Cristão – PSC, afirmou no programa da sua bancada exibido em 27 de outubro de 2011, em rede nacional de rádio e televisão: Nossa prioridade é o ser humano.
No entanto, ao longo de toda a exibição, era visível a discordância com a união civil entre homossexuais, projetos de lei que garantam aos cidadãos gays direitos e deveres iguais a todos, mais proteção contra a violência alheia que ainda grassa e é elemento culturalmente apreciado, incrementado pelos tipos caricatos e infelizes que proliferam em telenovelas, humorísticos e programas em geral.
A questão (ou problema) não é a defesa do modelo patriarcal e heterossexual de união familiar, mas a indicação de que a desordem, a desarmonia entre classes, entre os jovens, a proliferação de vícios e condutas reprováveis é fruto de outras formas de linhagem que não a fórmula apresentada Homem + Mulher + Amor = Família.
Filhos criados por mães e avós, ou tias, reconhecidamente heterossexuais, serão afeminados pela ausência da figura masculina? Daí para a prática homossexual é certeza? Meninas criadas unicamente pelos pais serão masculinizadas, embrutecidas? Grupos onde somente a um dos sexos genéticos é permitida a convivência são celeiros de homossexuais? Ou não há amor entre militares e religiosos? Ou o amor entre iguais, isento de contato sexual e eivado de respeito, não é realmente amor?
Sociedades onde a diferenciação de gêneros sexuais não predominava, desapareceram. Que sociedades? Todo agrupamento tem por objetivo a congregação de seus membros em torno de diretrizes que os organizem, suportem e felicitem. Todo agrupamento é candidato a vitórias. Todo agrupamento é passível de desvirtuamentos e excessos.

Queria falar pela boca de antropólogos, filósofos, neurocientistas, psicólogos e psiquiatras, sociólogos, enfim, tantos que estudam e apresentam de forma franca e factual o fenômeno da homossexualidade como uma das facetas do ser humano, mas não tenho bagagem para isso e tal seria longo e, quiçá, enfadonho.
Falo como cidadão, trabalhador, artista, cristão, brasileiro, tio, primo, filho, irmão, biólogo e também – orgulhosamente – como homossexual: Ama o próximo como a si mesmo. Fazer por eles o que se gostaria para si próprio. Reconciliar-se com o diferente enquanto com ele se caminha. Atirar a primeira pedra apenas se totalmente isento de faltas.
Um partido que tem a marca dos cristãos que morreram nas arenas romanas como símbolo e que ergue sobre si o nome do Cristo,mas não tem caridade pelos seus irmãos – assim chamados por hipocrisia política e tolerância de fachada – não merece crédito.
Nenhum dos seus candidatos receberá o meu voto. É apenas um único voto, mas não é insignificante, porque negar-lhes esse apoio e minha forma de dizer não à mediocridade dos seus ideais.

Oremos pelos que nos perseguem e caluniam.
Bem aventurados somos, porque injuriados.
Quem de nós entrará no Paraíso?

HUDSON ANDRADE
27 de outubro de 2011 AD
22h10

sábado, outubro 08, 2011

MARIA SE MULTIPLICA



“Maria do povo meu.”
(Maria de Nazaré. Pe. Zezinho)


A santinha sempre em seu plástico de fábrica. A madona reluzindo a folhas de ouro.
Maria de barro, Maria de gesso. Maria de cera, de madeira.
A imagem pequenina incrustada no seu manto tão característico. A estátua com sua veste original (que eu sempre achei tão mais bonito!).
A Maria pequenina que vai de casa em casa: “Nossa Senhora vem aqui!”, ou “Hoje a Santa dorme em casa.” O melhor ponto da sala. Base alta. Toalha de renda. Balão de borracha. Flor de plástico. Fita de cetim. vela, que a Santa “não pode dormir no escuro.” Na periferia, no centro, nos condomínios, nas empresas, repartições. A berlinda é uma cesta, uma casa de isopor, uma réplica de arame, um andor de miriti e que vai e de volta a uma igreja de onde parte para uma nova morada – graça sorteada, prêmio ao coração.

E é sempre ela: Maria. Mãezinha. Rainha.

No Domingo os pés têm um só rumo, os olhos só vêem a Berlinda, as mãos todas se erguem ao céu. Toda boca tem um pedido, toda cabeça uma promessa, cada coração uma esperança.
“Ave, Maria, cheia de graça, o Senhor é convosco. Bendita sois vós entre as mulheres e bendito é o fruto do vosso ventre: Jesus!”
Uma casa, trabalho, saúde. Obrigado! Uma cura, uma prova, um concurso. Obrigada!
Pela minha mãe... os meus irmãos... aquele filho... minha esposa. Todos nós.
“Livrai-nos do fogo do Inferno. Levai as almas todas para o Céu.”

E é sempre ela: Maria. Advogada. Intercessora.

Maria que põe na mesma Corda o homem e a mulher. O que pede e o que agradece. Quem vai por si, ou pelo outro.
“A vós recorremos...”
Estrelas de pólvora transformando o dia numa noite barulhenta.
Aqui se canta: “Ave, ave, ó Senhora da Berlinda...”
Ali se reza: “Ó, Maria concebida sem pecado...” e se pede: “Olhai por nós que recorremos a vós...”

Nesse dia até Deus fica um pouco menor e por ser Deus não dá a isso qualquer importância e brinca com o Cristo sorridente: “Eis aí tua mãe!”
Todos: os Santos nas nuvens, os anjos empoleirados nos ombros paternos, o povo nos galhos das figueiras da Boulevard,nas janelas dos edifícios, esperando nas calçadas. “Ave, Maria.” Todos. “Amém!”

E pato. E maniçoba. E cervejinha. Cervejinha, sim. Não é ela que paga a festa? O cansaço, o sono, o porre.
E tudo sossega.
A vela apaga. Quem se lembra?
Tudo adormece.

Enfim quieta, Maria suspira.
Ajeita o Menino nos braços, confere o bordado do manto.
Sorri.
Amanhã tem mais.
Ô, Glória!

HUDSON ANDRADE
07 de outubro de 2011 AD
14h46

segunda-feira, junho 27, 2011

DEUS E O DIABO ONDE QUER QUE SEJA


“Levantei os meus olhos para ti, que habitas nos céus.
(...)
“Tem misericórdia de nós, Senhor, tem misericórdia de nós, porque estamos mui fartos de desprezo;
“Porque mui cheia está a nossa alma, sendo objeto de escárnio para os ricos e desprezo para os soberbos.”

Salmo 122 (123)


Brasileiros e brasileiras. Eu estou convencido de que nunca, nunquinha, never, ever na história desse país se viu uma mobilização tão grande quanto às contrárias ao PL122/06: o projeto de lei que criminaliza a homofobia.
Hoje por qualquer coisa de não importa que monta o povo se revolta, fecha ruas, queima pneus, grita e se enfurece. Não raro os ânimos se exaltam, furibundos, e voam paus, pedras e chuva de fogo. Outros momentos da história brasileira registraram esses levantes. Para citar apenas dois, temos a Revolta da Vacina que de 10 a 16 de novembro de 1904 sitiou a cidade do Rio de Janeiro por conta da campanha de vacinação obrigatória. No início do século XX, o então presidente Rodrigues Alves, o prefeito do Rio de Janeiro, Pereira Passos e o diretor geral de saúde pública, Dr. Oswaldo Cruz, criaram medidas para sanear a cidade e combater grandes epidemias como febre amarela, varíola e peste bubônica, dada a precariedade de infra-estrutura e saneamento básico. Na reforma conhecida como Bota Abaixo inúmeros prédios velhos foram derrubados levando milhares de pessoas despejadas à força para os morros e periferias. As Brigadas Mata Mosquitos e a polícia invadiam casas para desinfecção e extermínio de mosquitos e ratos. A gota d’ água foi a aprovação pelo congresso nacional no dia 31 de outubro de 1904 da Lei da Vacina Obrigatória, autorizando as brigadas e os policiais a entrarem nas residências e aplicar a vacina à força. Nesse cenário corria solta a boataria de supostos perigos causados pela vacina e que estas deveriam ser aplicadas nas partes íntimas do corpo. Confusa e descontente a população e os cadetes da escola militar da Praia Vermelha se insurgiram contra o governo. Lojas foram depredadas, bondes virados e incendiados, trilhos arrancados, postes quebrados. A polícia era atacada a paus, pedras e pedaços de ferro. Tiros, gritaria, trânsito engarrafado, 50 mortos, 110 feridos e centenas de presos. Com a suspensão da obrigatoriedade da vacina o governo pôde retomar o controle da situação e o processo de imunização reiniciou erradicando a varíola em pouco tempo.
Situações extremas, medidas extremas. Mas o que são situações extremas senão o fruto do descaso e da incompetência? E o que são medidas extremas que não a reação ao medo de que o mal escape dos guetos e invada os floridos campos dos mandatários?

14 de agosto de 1992. O então presidente Fernando Collor de Mello, cercado por inúmeras denúncias de corrupção, crimes de enriquecimento ilícito, evasão de divisas e tráfico de influências, faz um pronunciamento em rede nacional de televisão pedindo apoio à nação, convocando o povo a se vestir de verde e amarelo e sair às ruas no domingo seguinte, 16. Um verdadeiro tiro no pé! Milhares de jovens tomaram as ruas das capitais vestidos de preto e com os rostos pintados na mesma cor. Só no Rio de Janeiro foram 30 mil, pedindo em coro o impeachment de Collor. Essas pessoas, conhecidos como os Caras-Pintadas somavam-se a tantas outras manifestações que, apaixonadamente, lembravam os movimentos da década de 60, diferindo destes em seus objetivos. Estes queriam a mudança do regime político do país. Aqueles, apenas a queda do presidente, extinguindo-se em si mesmos após a renúncia de Fernando Collor em 29 de outubro do mesmo ano.

Atualmente o Diabo veste arco-íris. O número da Besta é 122. Sua sacerdotisa: a senadora Marta Suplicy. O boato: “Querem transformar o seu filho num gay.”, “Não vamos mais poder chamar os veado de veado!” (a tal Mordaça Gay), “A bicha quer entrar na santa madre igreja de noiva, com uma cauda enorme segura por pirilâmpicas drag-queens e jogar o buquê sob um temporal de purpurina”, “Tudo bem que o cara seja gay, mas beijar homem em público?! Cadê o respeito?!”, “E adotar um filho então? Como é que vai ficar a cabeça dessa criança?” e blá-blá-blá. O alvo: a moral ilibada de homens e mulheres tementes a Deus como prescreve o rei Salomão em Provérbios, capítulo 1, versículo 7 e capítulo 9, versículo 10.
O que se quer sanear agora é a mentalidade estagnada da relação homoafetiva como doença, desvio, perversão, imoralidade, despudor. O que se pretende demolir são os cortiços infectos de um modelo familiar cristão e digno que só existe pleno no palavreado vazio dos que temem a si mesmos em primeiro lugar e ao outro: o diferente! A vacina quer impedir a morte infame e a violência degradante contra centenas e centenas de cidadãos cujo crime está no foco do seu prazer.
E continuam as passeatas. A Marcha para Jesus realizada dia 23 de junho último aproveitou para repelir o projeto da senadora.

Agora se pretende descartar o PL 122/06 para que uma nova proposta seja apresentada, mais de acordo com a bancada evangélica – os maiores críticos da proposta. Onde, por exemplo, lia-se ser crime “praticar, induzir, ou incitar a discriminação ou preconceito contra gays, lésbicas e transexuais” permanece apenas o termo induzir, menos abrangente, mas um “meio termo” como chamou Suplicy, a mesma que sugeriu relaxar e gozar nos momentos de grande provação. Tudo voltaria à estaca zero, o projeto teria que tramitar por todas as comissões e voltar a ser votado na Câmara dos Deputados onde já foi aprovado em 2006!!! Isso evitaria, dizque, se rejeitado, que um novo projeto com o mesmo conteúdo só pudesse ser apresentado em 2015. A senadora alega que o número do projeto foi demonizado por religiosos. Se isso foi dito de forma figurada, um trocadilho, a estratégia se resume a maquiar – permitam-se também o chiste – o tal projeto pra que ele passe despercebido e vaselinado (antigo isso!) pelas frestas do poder. Se há algo de presumidamente sério nessa afirmação, o que eu me recuso a aceitar vivendo numa sociedade tecnicista e materialista como a nossa, vamos combinar: que qualquer coacervato percebe a manipulação política como tantas outras que têm sido feitas nesses anos todos em que o assunto é discutido.
Vamos patinar no molho béarnaise. Que mal pode haver no número 122?! Segundo a numerologia, os números 1 e 2 – princípios universais – estão entre aqueles que representam estágios pelos quais conceitos devem passar antes de se tornar realidade. 1 é o primeiro dos números, o início, único e absoluto. Está ligado à energia criativa, originalidade, poder, masculinidade e objetividade. O 2 é a dualidade, a polaridade, a necessidade de ser complementado, o convívio em harmonia com os demais. Logo, 122 representaria o início de um novo estado de coisas, ímpar, integral – e íntegro – onde os opostos se complementariam na busca da unidade plena e justa. Isso não valeria só para os homossexuais, não, mas igualmente para todo e qualquer marginalizado, incluindo heterossexuais que só querem viver o curso natural dos seus princípios.
Dia desses um amigo comentava: “Eu não gostaria de ser gay. Seria só mais um problema na minha vida.”, disse temendo (mais uma) discriminação. Ele não é o único. Quantos pais não rejeitam os filhos e filhas temendo o julgamento social? Quantos jovens não se violentam – vivendo seus prazeres e amores clandestina e perigosamente – e reprimem enveredando pela psicose e depressão, causas de tantos isolamentos, desatinos e suicídios, porque crêem não atender as expectativas de Deus, dos pais, do mundo, de si mesmos; porque não entendem como podem ser aquilo que, dizem, não devem ser e olha que não foi nenhum vídeo que os incitou a isso, mas a própria natureza.
Jesus não condenou a mulher adúltera, comeu na casa de um coletor de impostos, pediu água a uma samaritana, curou o servo de um funcionário romano. Sempre fiel aos seus valores, nunca conivente com a iniqüidade, sempre justo, íntegro e, acima de tudo, amoroso. E como o anjo perguntou a Francisco de Assis: “Quem é maior? O amo, ou o servo?”, ao que respondeu o jovem aspirante a cavaleiro “O amo, Senhor!”. “Então.”, redargüiu o anjo, “Por que queres servir ao servo?”.

Em tempo. O uso de figuras de santos durante a parada gay de São Paulo foi sim um descompasso. Impossível não crer numa retaliação, ou deboche, como chamou o bispo da cidade, quando se utilizam imagens que na consciência católica têm significado sagrado. Foi uma ofensa ao caráter dogmático dessas figuras. Respeito acima de tudo, em todos os momentos, sobretudo num em que conseguimos tão pouco e temos tanto a perder.

HUDSON ANDRADE
27 de junho de 2011 AD
17h07

sexta-feira, junho 03, 2011

PÉS DE BARRO, SOL NOS CABELOS

Numa semana miraculosamente de folga fiz o que, como ator, faço para me divertir: fui ao teatro. Assisti Aldeotas – Lugar de Memórias e Paixão Fosca e sobre eles agora discorro um pouco.


Aldeotas – Lugar de Memórias é o espetáculo que marca o retorno à cena do Grupo Gruta de Teatro e aos palcos dos atores Adriano Barroso e Aílson Braga. Aldeotas vai beber nas lembranças: o amizade de Levi (Barroso) por Elias (Braga), as delícias da infância, o prazer da poesia, o aprendizado das escolhas feitas – algumas dolorosas. O texto do ator e dramaturgo Gero Camilo é extremamente rico – de imagens, de sensações, de emoções – e tem na sua bela escrita e singeleza de uma broa de milho que abre as portas do reino no centro da Terra onde meninos com olhos de diamante cantam, dançam e silenciam num só tempo.
A dramaturgia de Henrique da Paz, decididamente um dos melhores diretores do Pará minimaliza cenários e adereços para privilegiar a interpretação, enquanto a luz de Sônia Lopes cria apontamentos cênicos e acentua as emoções dos personagens. O resultado é que está nas mãos de Adriano e Aílson o prender a platéia pelos quase 90 minutos de espetáculo, voando em cajueiros, mergulhando em cacimbas, saltando de abismos, descobrindo o amor e a sexualidade; dramas contemporâneos que devoram sonhos e lugares de conforto onde a falta de coragem fala mais que o afeto – que não é pouco, só é criança.
E esse dizer incomoda. Soa professoral, quase discursivo. Talvez opção do diretor, talvez para contrapor os momentos em que ele rasga a alma e grita e chora, abraça e beija, para retornar a uma fala rebuscada de Rs e Ss. Assim também o corpo, que não é da cena, mas cotidiano. Presente, mas não inteiro. Seguro, mas não proposto. Pés de barro nesse colosso cuja cabeça está adornada de ouro.


Paixão Fosca é para quem gosta de folhetins. A mocinha transgressora aprisionada em sua torre, o cavalheiro honrado que é amante e protetor, um médico misterioso (Marinaldo Silva) e seu comandante, (Harles Oliveira), uma mulher dúbia – leviana e dissimulada, ou fervorosamente apaixonada na sua solidão? A doença como arma de chantagem, ou molde torto para uma alma iluminada?
A partir do texto Fosca de Iginio Ugo Tarchetti o ator, diretor e dramaturgo Guál Didimo apresenta Giorgio (Rafael Feitosa), cuja paixão se movimenta lenta e tropegamente da doce Clara (Paula Diocesano) para a sofrida Fosca (Rosilene Cordeiro .Brilhante), uma mulher de personalidade marcante que assusta e encanta, cuja resistência está na espera de um grande amor que coroe a sua vida.
Com uma cenografia simples e de múltiplas possibilidade, brilham os figurinos excepcionais de Ézia Neves (responsável por ambos) e a luz de Sônia Lopes, não à toa, uma das iluminadoras mais requisitadas pelos grupos de Belém, pela certeza de um trabalho participativo e entregue que começa nos ensaios, seguindo com o grupo, propondo, construindo, até o resultado sempre competente e belo. Na sessão que eu assisti havia falhas de operação que prejudicaram algumas cenas, assim como o uso indevido da luz por alguns atores, que insistiam em falar e andar nas sombras.
Paixão Fosca é um espetáculo classudo, à italiana, naturalista, romântico, desses que pedem vermelhos e dourados e trilhas sonoras clássicas. Nenhum demérito nisso. Como encenador eu tomaria outras decisões: planos de ação diferenciados, menos ou nenhuma saída de cena dos atores, excetuando talvez Fosca, cuja ausência física não apaga o seu rastro e sua presença é marcante mesmo antes que a vejamos pela primeira vez.
Ao contrário do espetáculo do Gruta onde não há onde e com o que se camuflar, os recursos disponibilizados por Dídimo deixam alguns intérpretes bem acomodados esquecendo de fincar seus pés na rocha sólida do seu trabalho como ator.
Há que se aureolar frontes, mas sem desmerecer com o que se pisa.

SERVIÇO
Aldeotas – Lugar de Memórias todas as quartas de junho no Teatro Cuíra
21 horas.
Ingressos: R$ 20,00 (vinte reais) na bilheteria.

Enquanto Paixão Fosca não volta aos palcos, leia mais sobre o espetáculo em http://www.paixaofosca.com.br/.

HUDSON ANDRADE
03 de junho de 2011 AD
10h37

quinta-feira, maio 26, 2011

VOCÊ TEM MEDO DE QUÊ?! - 2# ROUND



Ainda a pouco me chegou às mãos um documento intitulado Movimento pela Preservação da Família e Contra a Heterofobia. Nele, alguns cidadãos abaixo assinados pediam providências ao senado da república quanto ao que eles chamavam de garantia do direito constitucional de livre expressão e defesa de declaração de dogmas religioso contra o que eles classificam como heretofobia. Frente às últimas decisões do senado brasileiro quanto aos direitos e deveres do cidadão homossexual, um turbilhão de gentes passou a se manifestar, desagradadas. Esses homens (sobretudo) e mulheres de bem, que no seu dia a dia violam bem mais do que um dos antigos sete pecados capitais (aqueles que mandam direto para o fogo do Inferno), exigem o seu direito de continuar a ofender e achincalhar: Fresco filho da puta! Viado de merda! Bicha escrota! Baitola nojento! Maricona! aos berros, do alto da sua dignidade. Querem garantir impunidade e imunidade por defesa justa da honra a todos os que enfiam pimentas, estacas de madeira e outros tantos objetos pelo reto adentro de uns; que desferem múltiplas facadas, golpes de lâmpadas fluorescentes e tiros em outros. Que extorquem, chantageiam, invadem e matam muitas vezes após intrincados jogos de sedução onde, não raro, cabem mais do que simples carícias, subtraídas por conta da posição ativa de um sujeito que explora a carência de quem, muitas vezes, só quer o seu quinhão de amor na vida, mas só pode vivenciá-los nos guetos, nas praças escuras, nos matagais, nos clubes, boates e bares marginais e/ou marginalizados, já que o mundo exterior, o sol, os passeios, a proteção legislativamente garantida pertencem aos normais.

Estas pessoas citam a Bíblia para embasar seu protesto: “E criou Deus o homem à sua imagem: fê-lo à imagem de Deus e criou-os macho e fêmea”. (Gen 1, 27). Pensam unicamente na vida como se esta fosse apenas uma sucessão de práticas sexuais procriatórias quando eles mesmos não se eximem do sexo livre do compromisso de manutenção da espécie. Sexo é mais do que isso. É troca de afetos, repositor de energias, força criativa que extrapola a carne para a inventividade, a arte, a pesquisa, a construção de engenhos cada vez mais maravilhosos. Sexo não é amor. Amor não é sexo. E embora os dois nem sempre estejam juntos na mesma equação, um com o outro é o supra-sumo do prazer. Sexo exige consenso, respeito e dignidade. E isso não é privilégio de heterossexuais, que por sua vez amam seus pares: a amiga de infância, o irmão de sangue, a prima mais velha que lhe dá conselhos, o craque de futebol, a parceira de rezas, o colega de escritório. Ou vão me dizer agora que amor tem boceta, pau, ou cu?! Ou vão dizer como um amigo meu: “Eles – leia-se, os... gays – podem até namorar e tal, mas... em público, num restaurante, têm de manter o respeito!”. Esse meu amigo – muito querido por sinal – é como aquela educadora baiana que deu suspensão de dois dias a um aluno de 9 (ou 13? Não lembro!) anos porque ele acariciou a cabeça de um colega. Na carta aos pais dizia: comportamento imoral e indisciplinado. Criou um estigma tão forte que a criança não quer voltar às aulas porque sabe que vai ser discriminado e fica repetindo, envergonhado: Eu não sou assim! “Assim". Algo tão terrível que não merece nem ser mencionado.
Jesus, que estes costumam lembrar apenas nos momentos de precisão, já falava deles: “... sois semelhantes aos sepulcros branqueados, que parecem por fora formosos aos homens, e por dentro estão cheios de ossos de mortos e de toda a asquerosidade. Assim vós (...) por dentro estais cheios de hipocrisia e iniqüidade. (Mt 23, 27-28). Serpentes, raça de víboras, como escapareis vós de serdes condenados aos inferno?” (Mt 23, 33).

É verdade que do lado de cá há excessos de todo tipo, comportamentos equivocados, deboches desnecessários, um cabo de guerra tenso que só pode terminar em violência porque com violência é fomentado. Há sim uma heterofobia no gay que exige a aceitação plena de quem não quer aceitá-lo, não pode compreendê-lo, teme o que desconhece. Ninguém é obrigado a aceitar nada que não queira aceitar e estes podem até fechar os olhos e fingir que não podem mudar, ou aprender com o outro por considerá-lo inferior, doente, degenerado, inculto, ignorante. Isso vale para os dois lados: “Porque do interior do coração do homem é que saem os maus pensamentos, os adultérios, as fornicações, os homicídios, os furtos, as avarezas, as malícias, as fraudes, as desonestidades, a inveja, a blasfêmia, a soberba, a loucura. Todos estes males vêm de dentro e são os que contaminam o homem.” (Mc 7, 21-23)
Mas é da Lei o amor ao próximo porque somos todos irmãos. E se não quiserem entrar nessa seara religiosa, somos todos cidadãos do mesmo estado e sobre nós reza uma lei – a mesma lei que lá no início eu disse ser citada pelos meus concidadãos moralistas – que garante a todos direito à vida, à liberdade e ao bem-estar físico, social e moral.
O que o senado federal fez – e ainda falta muito a fazer! – foi por no papel o que deveria estar no coração. Enquanto a forma não prevalecer, que a letra se imponha!

E encerremos ainda com o Evangelho, pedindo Paz e Bem a todos os homens e mulheres: “Concerta-te sem demora com o teu adversário enquanto estás posto a caminho com ele (Mt 5, 25); Amai os vossos inimigos, fazei bem aos que vos têm ódio e orai pelos que vos perseguem e caluniam: para serdes filhos do vosso Pai que está nos Céus, o qual faz nascer o sol sobre bons e maus e vir a chuva sobre justos e injustos. Porque se vós não amais senão os que vos amam, que recompensa haveis de ter? (...) E se vós saudardes apenas os vossos irmãos, que fazeis nisso de especial? (...) Sede vós logo perfeitos, como também vosso Pai Celestial é perfeito.” (Mt 5, 43-48)

HUDSON ANDRADE
Belém, Pará – 25 de maio de 2011 AD
15h50

segunda-feira, maio 23, 2011

EU 31



Eu e o cinema sempre tivemos uma relação muito próxima e ele sempre influenciou muito da minha escrita. Adoro imagens. Dessa vez A Origem, de Christopher Nolan e A Ilha do Medo, de Martin Scorcese foram a inspiração.
Para ler ao som de Calor, de Adriana Calcanhoto.

Enquanto tudo derrete.
Enquanto tudo derrete.
Enquanto tudo parece
Derreter.


A rua parecia interminável. Larga. Sem curvas. Muitas transversais. Limpa e silenciosa se estendendo até onde a vista alcançava, coberta por um céu turquesa sem qualquer nuvem.
Nas calçadas igualmente largas, enormes mangueiras cujas copas não chegavam a se fechar em túnel, carregadas de frutas que despencavam com um burburinho de folhas e galhos estalando; bombas amarelas que a terra engolia assim que tocavam o chão, alimentando os canteiros de flores coloridas. No ar, um perfume de jasmim.
O calor de quarenta graus era amenizado por uma lufada de vento que de tempos em tempos atravessava a via principal e suas várias travessas.
A avenida era ladeada de cinemas, um seguido do outro, exibindo todos os tipos de filmes, clássicos, antigos, comédias, P&B, 3D, aventuras. Bem a minha direita o Palácio exibia Branca de Neve e os Sete Anões e à esquerda o Olímpia mostrava Jornada nas Estrelas. Ao longe se ouvia o estalar das pipocas e a brisa trazia um leve cheiro de manteiga.

Teria sentido um leve tremor?

Subi num ônibus e percorri a avenida e foi numa quadra mais distante que eu o vi caminhando pela rua, o rosto fechado. Dei sinal para que o veículo parasse e me precipitei porta afora alcançando-o quase numa esquina. Chamei-o pelo nome. Ele se virou, a testa franzida, me viu e disse um oi seco e completou com um “que é que aconteceu?” seguido também pelo meu nome. Não consegui dizer nada. Ele deu as costas e dobrou a rua, sumindo.

Novamente aquela sensação de que o chão tremia e um som de queda ao longe.

Subi num ônibus e percorri calmamente a avenida e foi numa quadra mais distante que eu o vi caminhando pela rua, o rosto fechado e sério. Dei sinal para que o veículo parasse e me precipitei porta afora o alcançando quase numa esquina. Chamei-o pelo nome. Ele se virou e sorriu o sorriso mais lindo do mundo e me disse oi com um beijo. Não consegui dizer nada. Pra quê?

Agora eu tinha certeza que o chão tremia.

Subi num ônibus e percorri ansioso a avenida e foi...

Uma imensa árvore caiu arrastando a fiação elétrica, deixando tudo às escuras. Desci do ônibus e caminhei pela rua cada vez mais rápido até começar a correr desembestado. Dobrei na esquina e entre o hospital e a sorveteria a casa de dois andares estava abandonada. Os vitrais opacos, cadavéricos, as paredes pichadas de azul. Eu mesmo pichara, num aceso ridículo de fúria. A parede frontal fendida de alto a baixo e das suas bases as rachaduras iam se abrindo e aprofundando e espalhando para o resto da cidade.

Gritei por ele. Ninguém respondeu. Teria ouvido um latido? Sempre havia cães por perto, mas eu nunca os via. Sabia deles pelas muitas vasilhas com ração que ele colocava pela casa toda, pelas calçadas, na vizinhança, por toda a parte. Eu não reclamava. Apesar de vir aqui todos os dias eu sabia que passava muito tempo fora e que ele se sentia sozinho. E preso e triste e angustiado e indeciso e sufocado. Apaixonado? Sim! Quanto? Que tipo de pergunta é essa?
Chamei de novo. Ganidos de filhotes reclamando o leite materno.
Corri dali pra rua principal e até o final onde um cinema escuro exibia filmes escuros. Por que aqui? Ele nunca vinha aqui!
Mas lá estava ele. Caminhei devagar até a fila em que ele estava e sentei ao seu lado. Levei a mão sobre a sua coxa e apertei. Seu olhar afundou no meu. Eu sentia febre, suava, tremia. O toque dele corria por mim como eletricidade. O coração aos saltos sentindo seu cheiro misturado ao meu. Levantei sem camisa e tirei a dele. Nossos peitos se encontraram batucando. Meu fôlego ficou curto, meu corpo teso, todo ele. Nos abraçamos com tanta força que nosso beijo doeu. A poeira caia abundante do teto que balançava, os azulejos soltavam das paredes. O filme interrompia e voltava. Puxei seu pau contra o meu e então ouvi a música. A orquestra subindo e a voz firme de Piaf.
Ele me olhou e sorriu. Os olhos brilharam em brasa, os lábios, e um fogo rubro o consumiu de dentro pra fora, deixando nos meus braços uma casca negra que se desfez.
A música ficou mais forte e a luz da saída de emergência piscou. Corri pelo corredor para a porta quando a parede lateral ruiu revelando um mundo que se desmanchava. Parei antes da cortina de veludo azul. Piaf parecia pedir que eu me apressasse, mas não me mexi.
Sentei em frente à tela branca. A luz de emergência apagou totalmente.
Silêncio.

HUDSON ANDRADE
26 de março de 2011.
10h07

Crédito da foto: imagem do filme A Origem, coletada do site omelete.com

sexta-feira, abril 15, 2011

VOCÊ TEM MEDO DE QUÊ?!




O Sr. Jair Bolsonaro ao se defender das acusações de preconceito racial feitas pela cantora Preta Gil às suas declarações no programa CQC disse ter entendido a pergunta como tendo questões homossexuais. “Que pai quer ter um filho gay?!” ele perguntou. E por que ele se defendeu assim? Porque ele sabe que preconceito racial é crime, mas não há sequer intenção de criminalizar a homofobia. Lamentável!
Depois o jogador de vôlei Michael (Vôlei Futuro) moveu ação contra a torcida de um time adversário que, incessantemente, clamava “Bicha! Bicha!” durante partida da qual ele participava. O clube se defendeu dizendo que repudiava qualquer comportamento discriminatório quanto a dita “opção” sexual.
Até quando nossos legisladores vão resistir ao fato de que é imprescindível tomar providências quanto a um estado de coisas que vai do achincalhe de natureza cultural em quadra até agressões em plena avenida Paulista após as festas de ano novo e tantos assassinatos sempre impunes? Sem desmerecer leis como Maria da Penha, ou o Estatuto do Idoso, é bom ver que eles seriam totalmente desnecessários se o cidadão reconhecesse no outro o ser humano que ele é na sua integralidade, integridade e alteridade. Se nós soubéssemos nos reger pelo que é justo, as leis seriam outras, mas infelizmente ainda é necessária a rudeza da legislação humana, o cárcere e mesmo a morte que, felizmente, ainda não é penalidade em nosso país.
Nesse Brasil de contrastes o Sr. Bolsonaro é membro de uma comissão de Direitos Humanos apesar de um histórico de ditos e feitos preconceituosos. A repercussão agora foi maior e a ação movida por Preta Gil e o jogador Michael engrossam um caldo ainda ralo em defesa de um grupo de homens e mulheres que exercem seus direitos e deveres e devem ser respeitados em sua natureza sexual quanto por sua simples humanidade. Há que se mudar já o pensamento de que ser homossexual é demérito, desvio, doença. Chamar Michael de bicha é algo corrente. Bicha, viado entre outros são naturalmente usados para agredir mesmo os não homossexuais pelo simples prazer de ofender. Astros de cinema, TV e música – alvos de inveja –, são frequentemente tachados de homossexuais. A frase “tu é fresco, é?” corre de boca em boca para determinar um comportamento não aceito por determinado grupo; “Deixa da tua frescura!” denota fraqueza física e de caráter.
Nós, homossexuais, precisamos tomar partido. Sem perder a alegria e a naturalidade, não descambar no deboche e no ridículo. Sem deixar de lutar pelo que cremos, não enveredarmos pela heterofobia tão perniciosa e violenta quanto a homofobia que criticamos. Lutar pelo nosso lugar ao sol sem perder de vista que a aceitação é fruto do respeito e da dignidade contra as quais nem todo um estádio de Bolsonaros pode contrariar e abafar.

HUDSON ANDRADE
07 de abril de 2011 AD
9h17

segunda-feira, fevereiro 28, 2011

EU 30



Insones, leiam ao som de Come What May, da trilha sonora de Moulin Rouge.
I want to vanish inside yours.


Cheguei em casa realmente cansado. Tirei as roupas mastigando uma banana e com o que me restava de forças tomei um banho.
No quarto uma porta se abria para uma sacada gradeada onde deveria haver flores, mas suas tantas roseiras há quatro meses não floriam e seus galhos mirrados e quase nus perdiam seu verde-escuro para um marrom progressivo e fatal.
Me joguei na cama, braços em cruz, sem tirar a coberta azul. Contra as minhas costas e bunda a textura do tecido provocou um arrepio. Como um peixe encalhado mexi os braços, as palmas contra o pano grosso e meu pau ficou imediatamente duro. Virei o rosto. Abri a boca. Suspirei. Não havia qualquer cheiro ali. Nem o meu. Nem o dele. Muito menos o nosso. O peixe se virou, debateu-se, arquejou num sem-fôlego de saudade. Me esfreguei na coberta, mordi os travesseiros, agarrei o colchão e quando senti a pressão vindo tornei a virar e me recolhi na mão direita, solitário, acompanhado apenas pelas folhas das roseiras e por folhas de papel.
Afundei na cama exausto de morte, mas essa benção não me era devida. Eu deveria ficar, des-sentir e aprender. De mim, como ser brando. De mim, nem manso nem humilde. Desse fardo ao qual me jugo. De ti, coração.
Preciso me limpar, mas não consigo me mexer; preciso não dormir a tempo de poder depois de te querer, bruta flor, bruta flor que eu quero mel, meu, teu vosso...
Não tô dizendo-pensando-querendo coisa com coisa.
Maria... tinha... um carneirinho...
A cabeça doía – Maria... tinha... – os olhos ardiam – um carneirinho... dois carneirinhos, três carneirinhos, quatro, cinco, seis, sete, oito, nove para doze faltam 3 quatro meses. Outros quatro meses. Quase doze de um ano inconcluso que jamais vai se concretizar, armado, cimento, areia, ferro, pedra, papel, tesoura...
Minha mente febril não conseguia desligar. Meus músculos tensos não me deixavam repousar. Resquiecat in pace in nomine Patris in excelsis Deo. Mea culpa. Mea máxima culpa sem remissão, sem penitência, sem. Não fizeste nada. Terá sido isso? nada feito além de palavras, muitas, ditas, escritas, digitadas. Palavras ao vento, pequenas, apenas. O Amor que só tem palavras não pode ser verdade (?!).
Um passarinho. Deus, o dia vai me encontrar aqui, assim, melado, seco, rachando, pegajoso?
Boi, boi, boi, boi da cara preta, vai pra casa do caralho! Como é possível que eu não durma se tudo o que eu quero é dormir e ter esse pequeno desenlace até que o dia torne e eu me veja de novo sem?
Outro canto e outro e mais um e o céu marinho, lilás, rosa e azul clarinho cedinho, cedinho, cedinho e o meu benzinho é só uma fotografia. Felicidade congelada. Fast food. Ambrósia. Néctar. Desejo olímpico. Louro sobre a testa.
No celular o despertador que não me desperta. Função vazia.
Sento na cama. Fico tonto. O corpo treme. Como estará minha cara dada a tapa? Uma face. A outra. A túnica. A capa. Um passo. Mil. Setenta vezes 7 vezes.
Preciso ir.
Até quando?

HUDSON ANDRADE
Belém, Pará
27.02.2011 AD – 19h12
28.02.2011 AD – 16h43