segunda-feira, maio 23, 2011

EU 31



Eu e o cinema sempre tivemos uma relação muito próxima e ele sempre influenciou muito da minha escrita. Adoro imagens. Dessa vez A Origem, de Christopher Nolan e A Ilha do Medo, de Martin Scorcese foram a inspiração.
Para ler ao som de Calor, de Adriana Calcanhoto.

Enquanto tudo derrete.
Enquanto tudo derrete.
Enquanto tudo parece
Derreter.


A rua parecia interminável. Larga. Sem curvas. Muitas transversais. Limpa e silenciosa se estendendo até onde a vista alcançava, coberta por um céu turquesa sem qualquer nuvem.
Nas calçadas igualmente largas, enormes mangueiras cujas copas não chegavam a se fechar em túnel, carregadas de frutas que despencavam com um burburinho de folhas e galhos estalando; bombas amarelas que a terra engolia assim que tocavam o chão, alimentando os canteiros de flores coloridas. No ar, um perfume de jasmim.
O calor de quarenta graus era amenizado por uma lufada de vento que de tempos em tempos atravessava a via principal e suas várias travessas.
A avenida era ladeada de cinemas, um seguido do outro, exibindo todos os tipos de filmes, clássicos, antigos, comédias, P&B, 3D, aventuras. Bem a minha direita o Palácio exibia Branca de Neve e os Sete Anões e à esquerda o Olímpia mostrava Jornada nas Estrelas. Ao longe se ouvia o estalar das pipocas e a brisa trazia um leve cheiro de manteiga.

Teria sentido um leve tremor?

Subi num ônibus e percorri a avenida e foi numa quadra mais distante que eu o vi caminhando pela rua, o rosto fechado. Dei sinal para que o veículo parasse e me precipitei porta afora alcançando-o quase numa esquina. Chamei-o pelo nome. Ele se virou, a testa franzida, me viu e disse um oi seco e completou com um “que é que aconteceu?” seguido também pelo meu nome. Não consegui dizer nada. Ele deu as costas e dobrou a rua, sumindo.

Novamente aquela sensação de que o chão tremia e um som de queda ao longe.

Subi num ônibus e percorri calmamente a avenida e foi numa quadra mais distante que eu o vi caminhando pela rua, o rosto fechado e sério. Dei sinal para que o veículo parasse e me precipitei porta afora o alcançando quase numa esquina. Chamei-o pelo nome. Ele se virou e sorriu o sorriso mais lindo do mundo e me disse oi com um beijo. Não consegui dizer nada. Pra quê?

Agora eu tinha certeza que o chão tremia.

Subi num ônibus e percorri ansioso a avenida e foi...

Uma imensa árvore caiu arrastando a fiação elétrica, deixando tudo às escuras. Desci do ônibus e caminhei pela rua cada vez mais rápido até começar a correr desembestado. Dobrei na esquina e entre o hospital e a sorveteria a casa de dois andares estava abandonada. Os vitrais opacos, cadavéricos, as paredes pichadas de azul. Eu mesmo pichara, num aceso ridículo de fúria. A parede frontal fendida de alto a baixo e das suas bases as rachaduras iam se abrindo e aprofundando e espalhando para o resto da cidade.

Gritei por ele. Ninguém respondeu. Teria ouvido um latido? Sempre havia cães por perto, mas eu nunca os via. Sabia deles pelas muitas vasilhas com ração que ele colocava pela casa toda, pelas calçadas, na vizinhança, por toda a parte. Eu não reclamava. Apesar de vir aqui todos os dias eu sabia que passava muito tempo fora e que ele se sentia sozinho. E preso e triste e angustiado e indeciso e sufocado. Apaixonado? Sim! Quanto? Que tipo de pergunta é essa?
Chamei de novo. Ganidos de filhotes reclamando o leite materno.
Corri dali pra rua principal e até o final onde um cinema escuro exibia filmes escuros. Por que aqui? Ele nunca vinha aqui!
Mas lá estava ele. Caminhei devagar até a fila em que ele estava e sentei ao seu lado. Levei a mão sobre a sua coxa e apertei. Seu olhar afundou no meu. Eu sentia febre, suava, tremia. O toque dele corria por mim como eletricidade. O coração aos saltos sentindo seu cheiro misturado ao meu. Levantei sem camisa e tirei a dele. Nossos peitos se encontraram batucando. Meu fôlego ficou curto, meu corpo teso, todo ele. Nos abraçamos com tanta força que nosso beijo doeu. A poeira caia abundante do teto que balançava, os azulejos soltavam das paredes. O filme interrompia e voltava. Puxei seu pau contra o meu e então ouvi a música. A orquestra subindo e a voz firme de Piaf.
Ele me olhou e sorriu. Os olhos brilharam em brasa, os lábios, e um fogo rubro o consumiu de dentro pra fora, deixando nos meus braços uma casca negra que se desfez.
A música ficou mais forte e a luz da saída de emergência piscou. Corri pelo corredor para a porta quando a parede lateral ruiu revelando um mundo que se desmanchava. Parei antes da cortina de veludo azul. Piaf parecia pedir que eu me apressasse, mas não me mexi.
Sentei em frente à tela branca. A luz de emergência apagou totalmente.
Silêncio.

HUDSON ANDRADE
26 de março de 2011.
10h07

Crédito da foto: imagem do filme A Origem, coletada do site omelete.com

2 comentários:

Sydney Rocha disse...

Bem original! Gostei!!

Anônimo disse...

J'aime vraiment votre article. J'ai essaye de trouver de nombreux en ligne et trouver le v?tre pour être la meilleure de toutes.

Mon francais n'est pas tres bon, je suis de l'Allemagne.

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