Apaga-te, ó delicada chama! Apaga-te!A vida é sombra passageira. Um mísero ator que chega, agita a cena inteira, diz sua fala e sai. e ninguém mais o nota. MACBETH (William Shakespeare)
sexta-feira, dezembro 02, 2011
CHOVE CHUVA
Cheguei em casa e já chovia. E assim foi. Mais forte, mais fraco, gotejando, respingando, batucando nos telhados, nas folhas, escorrendo nas paredes e nos muros.
A chuva dá folga à Lua, que por trás das nuvens retoca o seu lado iluminado, gravitando enquanto engravida para marcar mais um mês.
A chuva enxota os gatos para as caixas de ar condicionado, empurra pessoas pras marquises, esconde o guarda-noturno. Até agora, quase duas, não ouvi seu apito, matinta-macho montado em bicicleta.
A chuva enovela os cães. O chuvisco intermitente cantarola ninares; a água refresca tudo. Ainda assim sinto calor, talvez porque não haja vento e sem vento a nuvem não viaja e continuar a chorar sobre meu bairro – ou será sobre a cidade?
Se ela engrossa, a gente se preocupa. Se ela falta, a gente lastima. Se cai no domingo, a gente reclama. Se no retorno, não molha. Se é criança, gripa. Se é semente, incha. Se lago, engorda. Se poça, sonha grandezas de mar.
Em Belém, chuva é sinônimo. Já foi relógio.
As nuvens cospem relâmpagos quase mudos. É preciso atenção. Não é como o temporal: tonitruantes, abusados, violentos. São vagalumes gigantes nessa madrugada sem insetos.
Tudo é tão calmo, tão quieto, que assusta. Tudo se recolhe, menos ela, a própria, a chuva, caindo calma como se fosse pra sempre.
Não quero dormir, mas sei que devo. Amanhã tem muito que fazer e eu vou sair e pisar no chão molhado e ver o sol multiplicado nas gotas penduradas nos galhos, nas calhas. Quem sabe o sol virá de terno cinza. Pode ser. Mas aqui é Belém. Logo ele explode e seca tudo e a gente vai dizer: Ontem foi tão bom dormir. Tomara que hoje chova de novo, que meu amor me aconchegue.
Uma formiga de asas pousa louca na cama. “Sem insetos”, eu disse?! Lanço-a longe. Protejo as orelhas “pra elas não fazerem ninho”, minha tia Coló dizia. Elas saíram de casa e procuram pousada. Eu, na minha cama, olho preguiçoso o interruptor do outro lado do quarto. Melhor fechar o caderno e apagar a luz. Tenho que dormir.
Essa chuva vai longe!
HUDSON ANDRADE
02 de dezembro de 2011 AD
2h08
Crédito da foto: Carlos Correia Santos, em São Paulo, novembro/2011
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