segunda-feira, fevereiro 28, 2011

EU 30



Insones, leiam ao som de Come What May, da trilha sonora de Moulin Rouge.
I want to vanish inside yours.


Cheguei em casa realmente cansado. Tirei as roupas mastigando uma banana e com o que me restava de forças tomei um banho.
No quarto uma porta se abria para uma sacada gradeada onde deveria haver flores, mas suas tantas roseiras há quatro meses não floriam e seus galhos mirrados e quase nus perdiam seu verde-escuro para um marrom progressivo e fatal.
Me joguei na cama, braços em cruz, sem tirar a coberta azul. Contra as minhas costas e bunda a textura do tecido provocou um arrepio. Como um peixe encalhado mexi os braços, as palmas contra o pano grosso e meu pau ficou imediatamente duro. Virei o rosto. Abri a boca. Suspirei. Não havia qualquer cheiro ali. Nem o meu. Nem o dele. Muito menos o nosso. O peixe se virou, debateu-se, arquejou num sem-fôlego de saudade. Me esfreguei na coberta, mordi os travesseiros, agarrei o colchão e quando senti a pressão vindo tornei a virar e me recolhi na mão direita, solitário, acompanhado apenas pelas folhas das roseiras e por folhas de papel.
Afundei na cama exausto de morte, mas essa benção não me era devida. Eu deveria ficar, des-sentir e aprender. De mim, como ser brando. De mim, nem manso nem humilde. Desse fardo ao qual me jugo. De ti, coração.
Preciso me limpar, mas não consigo me mexer; preciso não dormir a tempo de poder depois de te querer, bruta flor, bruta flor que eu quero mel, meu, teu vosso...
Não tô dizendo-pensando-querendo coisa com coisa.
Maria... tinha... um carneirinho...
A cabeça doía – Maria... tinha... – os olhos ardiam – um carneirinho... dois carneirinhos, três carneirinhos, quatro, cinco, seis, sete, oito, nove para doze faltam 3 quatro meses. Outros quatro meses. Quase doze de um ano inconcluso que jamais vai se concretizar, armado, cimento, areia, ferro, pedra, papel, tesoura...
Minha mente febril não conseguia desligar. Meus músculos tensos não me deixavam repousar. Resquiecat in pace in nomine Patris in excelsis Deo. Mea culpa. Mea máxima culpa sem remissão, sem penitência, sem. Não fizeste nada. Terá sido isso? nada feito além de palavras, muitas, ditas, escritas, digitadas. Palavras ao vento, pequenas, apenas. O Amor que só tem palavras não pode ser verdade (?!).
Um passarinho. Deus, o dia vai me encontrar aqui, assim, melado, seco, rachando, pegajoso?
Boi, boi, boi, boi da cara preta, vai pra casa do caralho! Como é possível que eu não durma se tudo o que eu quero é dormir e ter esse pequeno desenlace até que o dia torne e eu me veja de novo sem?
Outro canto e outro e mais um e o céu marinho, lilás, rosa e azul clarinho cedinho, cedinho, cedinho e o meu benzinho é só uma fotografia. Felicidade congelada. Fast food. Ambrósia. Néctar. Desejo olímpico. Louro sobre a testa.
No celular o despertador que não me desperta. Função vazia.
Sento na cama. Fico tonto. O corpo treme. Como estará minha cara dada a tapa? Uma face. A outra. A túnica. A capa. Um passo. Mil. Setenta vezes 7 vezes.
Preciso ir.
Até quando?

HUDSON ANDRADE
Belém, Pará
27.02.2011 AD – 19h12
28.02.2011 AD – 16h43

Um comentário:

Laísa disse...

Tuas palavras conduzem...

Gostei do som do silêncio quando te li.
Parabéns.