Numa semana miraculosamente de folga fiz o que, como ator, faço para me divertir: fui ao teatro. Assisti Aldeotas – Lugar de Memórias e Paixão Fosca e sobre eles agora discorro um pouco.
Aldeotas – Lugar de Memórias é o espetáculo que marca o retorno à cena do Grupo Gruta de Teatro e aos palcos dos atores Adriano Barroso e Aílson Braga. Aldeotas vai beber nas lembranças: o amizade de Levi (Barroso) por Elias (Braga), as delícias da infância, o prazer da poesia, o aprendizado das escolhas feitas – algumas dolorosas. O texto do ator e dramaturgo Gero Camilo é extremamente rico – de imagens, de sensações, de emoções – e tem na sua bela escrita e singeleza de uma broa de milho que abre as portas do reino no centro da Terra onde meninos com olhos de diamante cantam, dançam e silenciam num só tempo.
A dramaturgia de Henrique da Paz, decididamente um dos melhores diretores do Pará minimaliza cenários e adereços para privilegiar a interpretação, enquanto a luz de Sônia Lopes cria apontamentos cênicos e acentua as emoções dos personagens. O resultado é que está nas mãos de Adriano e Aílson o prender a platéia pelos quase 90 minutos de espetáculo, voando em cajueiros, mergulhando em cacimbas, saltando de abismos, descobrindo o amor e a sexualidade; dramas contemporâneos que devoram sonhos e lugares de conforto onde a falta de coragem fala mais que o afeto – que não é pouco, só é criança.
E esse dizer incomoda. Soa professoral, quase discursivo. Talvez opção do diretor, talvez para contrapor os momentos em que ele rasga a alma e grita e chora, abraça e beija, para retornar a uma fala rebuscada de Rs e Ss. Assim também o corpo, que não é da cena, mas cotidiano. Presente, mas não inteiro. Seguro, mas não proposto. Pés de barro nesse colosso cuja cabeça está adornada de ouro.
Paixão Fosca é para quem gosta de folhetins. A mocinha transgressora aprisionada em sua torre, o cavalheiro honrado que é amante e protetor, um médico misterioso (Marinaldo Silva) e seu comandante, (Harles Oliveira), uma mulher dúbia – leviana e dissimulada, ou fervorosamente apaixonada na sua solidão? A doença como arma de chantagem, ou molde torto para uma alma iluminada?
A partir do texto Fosca de Iginio Ugo Tarchetti o ator, diretor e dramaturgo Guál Didimo apresenta Giorgio (Rafael Feitosa), cuja paixão se movimenta lenta e tropegamente da doce Clara (Paula Diocesano) para a sofrida Fosca (Rosilene Cordeiro .Brilhante), uma mulher de personalidade marcante que assusta e encanta, cuja resistência está na espera de um grande amor que coroe a sua vida.
Com uma cenografia simples e de múltiplas possibilidade, brilham os figurinos excepcionais de Ézia Neves (responsável por ambos) e a luz de Sônia Lopes, não à toa, uma das iluminadoras mais requisitadas pelos grupos de Belém, pela certeza de um trabalho participativo e entregue que começa nos ensaios, seguindo com o grupo, propondo, construindo, até o resultado sempre competente e belo. Na sessão que eu assisti havia falhas de operação que prejudicaram algumas cenas, assim como o uso indevido da luz por alguns atores, que insistiam em falar e andar nas sombras.
Paixão Fosca é um espetáculo classudo, à italiana, naturalista, romântico, desses que pedem vermelhos e dourados e trilhas sonoras clássicas. Nenhum demérito nisso. Como encenador eu tomaria outras decisões: planos de ação diferenciados, menos ou nenhuma saída de cena dos atores, excetuando talvez Fosca, cuja ausência física não apaga o seu rastro e sua presença é marcante mesmo antes que a vejamos pela primeira vez.
Ao contrário do espetáculo do Gruta onde não há onde e com o que se camuflar, os recursos disponibilizados por Dídimo deixam alguns intérpretes bem acomodados esquecendo de fincar seus pés na rocha sólida do seu trabalho como ator.
Há que se aureolar frontes, mas sem desmerecer com o que se pisa.
SERVIÇO
Aldeotas – Lugar de Memórias todas as quartas de junho no Teatro Cuíra
21 horas.
Ingressos: R$ 20,00 (vinte reais) na bilheteria.
Enquanto Paixão Fosca não volta aos palcos, leia mais sobre o espetáculo em http://www.paixaofosca.com.br/.
HUDSON ANDRADE
03 de junho de 2011 AD
10h37
Um comentário:
Espero sempre seus comentários em seu blogger,estava ansiosa e hoje as lê-lo,fiquei maravilhada com sua colocação,muito obrigada pelos elogios e críticas,é sempre bom ouvir,e ter discernimento de que elogios e criticas nos fazem amadurecer,muito agradecida meu amigo Hudson.
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