terça-feira, outubro 17, 2006

EU LHE DIGO QUE AINDA CHEGO LÁ!

15 de outubro, 19 horas. Cruzo o palco do Maria Sylvia Nunes e atravesso o cenário do espetáculo Roda Chico, do Grupo de Teatro Clowns de Shakespeare, que já estava em cena. Mais uma vez Chico Buarque cede sua poesia, música e dramaturgia para o teatro, numa parceria de intimidade que gerou inúmeros rebentos. De uma célula de 15 minutos, os Clowns de Shakespeare construíram um espetáculo de quase uma hora, perpassando por todos os Chicos. O espetáculo foi apresentado pelo projeto Palco Giratório, do SESC. De grátis! Gostei muito do que vi. Minhas ressalvas estão por conta de um dos atores que me pareceu frouxo em relação aos demais – o que é um prejuízo mais ao próprio do que ao trabalho – e a falta de um roteiro mais linear, que fez com que eu sentisse o espetáculo meio fragmentado, recortado demais. Luz “de cima”, música ao vivo e atores tocando, cantando, e dançando. Muito bom!!
Com 13 anos de atividades e quatro espetáculos de repertório: Muito barulho por quase nada, Roda Chico, Fábulas e O casamento, a companhia surgida em Natal se considera um grupo de pesquisas e afirma que seus espetáculos querem traduzir uma celebração da vida. A Companhia Teatral Nós Outros também se considera um grupo de pesquisa e vem investindo nesse conceito. Mas o que significa isso? Debruçar-se por várias horas diárias de muitos meses sobre o objeto de estudo e desse caldo extrair a matéria-prima de um espetáculo que antes de ser a meta é o produto mesmo dessa pesquisa. Eis minha definição, que contempla três conseqüências: (01) o encaminhamento para uma determinada linha de atuação, quase uma especialidade, já que o aprofundamento da matéria estudada acaba por impregnar todos os trabalhos realizados; (02) a harmonia e consolidação do grupo em si, que reunidos em torno de um objetivo comum tende a se tornar mais coeso; (03) a formação do ator, que desenvolve várias habilidades enquanto busca atender as exigências de cada novo trabalho, aproximando-se do profissional multifacetado que eu chamo Ator (ou Atriz, claro!), que interpreta, canta, dança, toca, assovia e chupa cana. No caso da Companhia Teatral Nós Outros esse investimento foi em música, cenografia, adereçagem, figurino e performance, orientando o processo de criação de O Glorioso Auto do Nascimento do Cristo-Rei a partir de sua matriz popular (neste caso, autos, pastorinhas e folias de reis) que já havia servido de base para nosso segundo espetáculo, Medéia, a tragédia do feminino ultrajado, que contava a partir da tragédia de Eurípedes as desventuras de uma trupe itinerante.
Ao contrário de anos atrás, eu creio que ser ator é um processo longo de estudo, leitura, treinamento e se a criatura, além de tudo isso, tiver talento, aí fica lindo! A Nós Outros trabalha com gente bastante inexperiente e as oficinas que oferecemos visam exatamente capacitar o artista para o seu ofício. Infelizmente não é só o tempo de atividade que separa os Clowns da Nós Outros. Dentro de uma realidade que eles consideram recentes, seus integrantes vivem de sua arte, alguns quase exclusivamente da companhia. Claro que não é ótimo, mas é confortável. O resultado imediato disso é a qualidade das suas produções, que podem ser meticulosamente trabalhadas ao longo de sete, nove meses, com seis horas diárias de atividades, de segunda a sexta. Essa autonomia permite ainda que o grupo participa de projetos com o Palco Giratório – o que é ainda impensável para nós – e que os leva ao intercâmbio com outros grupos, culturas, experiências e linguagens.
Como a franca maioria dos artistas em Belém, ainda temos necessidades de sobrevivência. No entanto, o que mais nos vitima é uma falta de compromisso-entusiasmo-humildade que grassa nesta cidade e que vai minando a cena local, enfraquecendo seus grupos, dando uma dita autoridade aos administradores de teatros e logradouros públicos que chegam a inviabilizar produções amadoras. De tudo isso o mais grave é a postura de pretensos artistas que tratam teatro como hobby-terapia-casa-da-mãe-joana. Sem horários, prazos, dedicação, responsabilidade (consigo e com os outros), abandonam projetos ou, pior, não os abandonam, causando sérios prejuízos a sua conclusão. Racca!!!
Parabéns aos Clowns de Shakespeare pelo trabalho, obrigado pelo agradabilíssimo bate papo (e paciência! Cada pergunta!) e muitos mais anos de atividades para vocês.Quanto a Nós Outros, a despeito de todos os quiprocós, eu, meus sócios e colaboradores comemoraremos bodas de ouro e escreveremos nossos nomes do surrado pandeiro de Dionísio. Porque parafraseando meu querido Quintana: “Todos esses que aí vão, atravancando meu caminho, eles passarão, eu passarinho.”

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