Se tu fosses uma criança pequena cujo pai morresse e tua mãe se casasse novamente com um homem desagradável e cruel, e te visses obrigado a morar longe da cidade, no meio de uma guerra que não é tua e que não compreendes, onde te refugiarias? Não buscarias na tua imaginação fértil de criança o esconderijo perfeito?
Ajudada pelos livros (sempre eles!), Ofélia (Ivana Baquero) transforma insetos em fadas, velhas pedras amontoadas num labirinto – entrada para seu reino encantado –, e o rangido do vento na madeira velha da casa que a acolheu nos passos de monstros e faunos (o mímico Doug Jones).
Livros, aliás, são uma referência. Carmem (Ariadne Gil), a mãe da menina, não entende porque indo para o campo, para o ar livre, ela precise de “tantos livros”, ou que uma grande surpresa que faça a filha não seja, “claro”, um outro livro, ou que seu padrasto Vidal (Sergi Lopez) se revolte com as atitudes de Ofélia, provocados por “essas coisas que a deixas ler!”. E é um livro de páginas em branco que guia a criança nos testes que deve cumprir para provar ser a princesa Moana, herdeira de um reino subterrâneo.
Ou será que tudo isso é real?!
Guillermo Del Toro escreveu e dirigiu O Labirinto do Fauno (El laberinto del fauno, Espanha, 2006), uma fantasia deliciosa bem ao estilo das nossas estórias de papões, já que foge ao conceito bonitinho do cinema americano, de fadinhas loiras e apenas travessas, violência asséptica e onde a morte jamais alcança os bravos mini-heróis que protagonizam seus fairy tales. É claro que o representante da Espanha para o Oscar 2007 tem lá seus defeitos (?): é lento (ou talvez eu seja acelerado demais!), tem personagens unilaterais: o Malvado, o Corajoso, a Inocente, a Sofredora e (para alguns isso é um problema) uma tecnologia bem simplória, mas que me incomoda menos que o King Kong do Peter Jackson. Del Toro situou sua história em apenas dois ambientes: o acampamento militar onde Ofélia vai morar com a mãe – o mundo ruim – e o Labirinto e seus anexos mágicos, perigosos é verdade, mas onde a menina é capaz de vencer os mais terríveis obstáculos. Criando essa atmosfera de dúvida, a direção pergunta o que é real e o que não é. Numa cena, Ofélia é castigada indo para a cama sem jantar. Na prova que deve cumprir, um fausto banquete do qual não deve provar em hipótese alguma é o divisor entre seu sucesso ou fracasso. Estaria transferindo a jovem seus medos para esse mundo mágico? Se o fauno é real, porque ele nasce das sombras e nunca é visto por outras pessoas? E o momento fatal, ao reunir tantos quantos Ofélia ama na suntuosa sala do trono do Mundo subterrâneo, não seria a compensação das perdas e abandonos pelas quais ela passou?
Em contraponto, a guerra civil espanhola e sua carreira de miséria, fome, destruição e morte, onde os homens e mulheres são apenas o que são, precisam tomar duras decisões, abdicar da felicidade, afastar-se daqueles que amam e reunir-se àqueles por quem não nutrem qualquer afeto. Nesse mundo, diz Carmem, não existe magia, e é sofrendo que a filha vai aprender isso.
Nossa criança interior vai adorar assistir O Labirinto do Fauno. Nossas crianças mesmo, acho que não (a recomendação do filme é 16 anos, por conta das cenas de violência). Será bom lembrá-las que existe mais no mundo que obrigações e que nossos sinais de nascença são, na realidade, marcas do nosso nascimento, quando a Lua nos pariu em seus ombros.
Um comentário:
Hudson, acabei de responder teu comentário no meu blog e achei melhor responder por aqui tb. Adorei o equivoco, pois assim poderemos ler mais sobre o que escreveu. Imagino que deva ter te dado muito trabalho para elaborar e agradeço mais uma vez a participação. Pense num tema legal para as "10 virtudes" condensadas por vc em um texto só, assim como em uma foto para ilustrar. Mande alguma de teatro pois já temos muita dança por aqui... rsrsrsrs Transmitirei para a Elizângela o que vc falou e saiba que assino embaixo do que ela escreveu. Fico no aguardo do envio então.
Grande abraço e assistirei seu espetáculo por estes dias, estava esperando uma amiga chegar para irmos juntas. Lu.
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