Apaga-te, ó delicada chama! Apaga-te!A vida é sombra passageira. Um mísero ator que chega, agita a cena inteira, diz sua fala e sai. e ninguém mais o nota. MACBETH (William Shakespeare)
segunda-feira, abril 19, 2010
NASCE UM CAPIM
Chico Xavier (Brasil, 2010), o filme dirigido por Daniel Filho a partir do roteiro de Marcel Souto Maior tornou-se um recordista de bilheteria do cinema nacional em sua primeira semana de exibição. Isso não é difícil de entender num país sem religião predominante, ou oficial, mas extremamente religioso e, portanto, espiritualizado; num país que adora reis, rainhas e mitos – e Chico Xavier é um mito desde antes de sua morte; para um povo que adora uma polêmica – e o fenômeno mediúnico dá pano pra manga nesse quesito. Num Brasil que aprecia uma produção artística de qualidade e ela existe, apesar de tanta miséria.
Chico Xavier, o médium, protagonizou situações dignas dos grandes romances: uma existência humilde e sacrificada dedicada aos outros; uma abnegação e paciência imensos diante dos ataques, bajulações, idolatrias e necessidades alheias, uma vida espartana, assexuada, rigidamente disciplinada por um tutor tão amoroso quanto inflexível, Emmanuel, seu guia espiritual. Uma missão que lhe custou a paz, a saúde e por fim, a própria vida.
Chico Xavier, o romance. As Vidas de Chico Xavier* escrito pelo jornalista Marcel Souto Maior que apresentou (ou reapresentou) ao povo brasileiro um homem, um mito, numa linguagem clara e objetiva, levando o mineiro de Pedro Leopoldo, nascido Francisco Cândido Xavier para além dos círculos espíritas de forma algo massificada. Uma abrangência que eu não identifiquei quando da passagem de Souto Maior por Belém, em novembro de 2009, lançando seu trabalho na Feira do Livro Espírita e palestrando pra um reduzido número de pessoas nos salões da União Espírita Paraense. Agora, por conta do filme, uma enxurrada de publicações estampa novamente o nome do médium mais famoso do Brasil, exigindo cuidado e atenção para bem separar o joio do trigo. O Congresso Espírita Brasileiro, na capital federal, tem como tema Chico Xavier, que completaria 100 anos no último dia 02 de abril. O mineirim de fala mansa e espontânea volta à cena por mãos humanas e encarnadas, já que uma tão esperada mensagem do além ainda não veio. E por que viria?
Chico Xavier, o filme, tem uma direção contida. Nada de ousadias. Mostra o médium da infância à fase adulta através de lembranças a partir da participação de Xavier no então polêmico e famoso programa Pinga-fogo. A edição é excelente ao colocar situações-chave na história desse homem, mas essa excessiva biografia acaba por arrastar-se em mais da metade do filme, me deixando com uma sensação de o que poderia ainda caber no pouco tempo que restava de exibição. O filme começa se justificando quanto aos recortes feitos e o que realmente importava saber. Talvez desnecessário. Vimos o que deveríamos ver, pontualmente, mas a falta de curvas dramáticas deixam aqueles familiarizados com os fatos com uma sensação de eu-já-sei-isso! e os outros com aquela vontade de algo mais. Não que Daniel Filho precisasse convencer alguém de qualquer coisa. Que bom que não foi esse o caminho. Apenas precisava ter se arriscado mais e havia espaço para isso antes de cair no piegas e no apelo emocional barata. Tanto verdade que a cena em que Chico narra sua aventura no vôo que o levou a São Paulo é muito mais divertida no original apresentado nos créditos que a sua própria dramatização. As soluções cênicas do filme para as questões espirituais são ótimas. Ninguém vê, ou ouve os espíritos e isso nos coloca em igualdade com os que duvidavam de Chico e quando eles, os espíritos, aparecem – a mão do médium, D. Maria João de Deus (Letícia Sabatella), não há transparências, fumacinhas, luzes. Natural como de fato é. Exceção apenas para a primeira aparição de Emmanuel. A câmera em movimento descendente e o som de asas foi um pouco demais! A trilha de Ediberto Gismonte acompanha o filme em sua velocidade de cruzeiro, sutil e um tanto melancólica.
A emoção e o grande mérito do filme está na constelação global que faz de Chico Xavier um filme de sorrisos, suspiros e lágrimas econômicas, mas sinceras. Dividem as vidas do médium Matheus Costa (infância), Ângelo Antonio (juventude) e Nelson Xavier (maturidade). Excelentes caracterizações, interpretações precisas. Segurança e tranqüilidade de quem sabe o tamanho da responsabilidade que tem nas mãos e a consciência do seu talento e capacidade. Paulo Goulart é Almir Guimarães, o apresentado do Pinga-fogo. Luís Melo, Giulia Gan, Giovanna Antonelli, Pedro Paulo Rangel (emocionante!), Ana Rosa, Cássio Gamos Mendes, Cássia Kiss e outros tantos, em maiores, ou menores apresentações, dão um brilho todo especial ao filme. Destaque ainda para Cristiane Torloni e Tony Ramos, que paralela a história de vida de Chico narram o incidente histórico em que a mediunidade foi aceita por um juiz para, oficialmente, inocentar um réu de um crime de homicídio. Novamente aqui não há resposta se o fenômeno é real, ou não. O que importa é a credibilidade de alguém que antes de ser médium é um ser humano de valores racionalmente inquestionáveis e o bom senso dos envolvidos no caso: jurista e, principalmente, os pais dos jovens protagonistas do drama.
Para mim a seqüência mais emocionante de todo o filme é exatamente aquela em que o personagem de Tony Ramos, sem abandonar suas convicções, mas receptivo e consolado, divide com a esposa (Torloni) a leitura de uma carta psicografada por Chico. Nessa seqüência está o grande mérito do médium mineiro: o alívio às dores de quem quer que seja, o ofertar um novo horizonte, a doação sem retribuição. “Eu sou só um carteiro!”, diz o Chico. E também o grande mérito da doutrina defendida por Xavier com a bravura de um mártir: caridade, amor ao próximo, consolação.
Talvez isso tenha feito de Chico Xavier – o filme, o homem – um campeão de bilheteria: o desejo humano e justo de paz, justiça e felicidade para além de qualquer credo, qualquer classe, qualquer filosofia.
(*) As Vidas de Chico Xavier. Marcel Souto Maior, 2ª edição ver. e ampl. – São Paulo: Editora Planeta do Brasil, 2003.
HUDSON ANDRADE
08 de abril de 2010
16h40
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