sábado, abril 10, 2010

EU TENHO UM SONHO...



... de que haverá oportunidades para todos, brancos, negros, homens, mulheres, todas as idade e etnias, com respeito a sua cultura e costumes. De que haverá uma chance para alguém – que nem todas a buscam, ou se esforçam para garanti-la – e que esse alguém fará a diferença e a multiplicará. De que haverá sorrisos, inicialmente tímidos e então abertos, francos e haverá paz nos corações.
É com um sorriso quase constante no rosto – alguma lágrima, alguma reflexão – que assisti (mos) Um Sonho Possível (Tha Blind Side, EUA, 2009), filme que deu a Sandra Bullock o Oscar de melhor atriz. O título para nós faz todo o sentido: Michael Oher (Quinto Aaron), negro, sob a tutela do estado depois que a mãe, viciada em crack, perde sua guarda, oriundo de um gueto desconhecido da própria cidade onde está encistado, é acolhido pela família Tuohy que com a paciência de quem “descasca uma cebola, camada por camada”, consegue que ele se torne um super astro do futebol americano, de onde o título original, posição ocupada por Big Mike no time. Nesse ponto eu me calo. Futebol americano é uma das coisas mais estúpidas do planeta (e eu posso falar de cátedra sobre estupidez vivendo num Brasil amoral ao som de tecnomelody) e demonstra bem a inclinação imperialista e belicosa daqueles que o praticam e prestigiam.
Mas voltemos ao filme. É difícil crer que um roteiro tão simples e lacrimosos possa render um bom drama, em se sentido real. E rende! Sandra Bullock no papel de Leigh Anne Tuohy é a locomotiva que puxa toda a trama. Segura, suave, assertiva, com um charme meio cafona de quem veio de origem humilde, cresceu e não esqueceu que ainda há um outro lado na cidade, nas pessoas, na vida. A atriz interpreta o personagem com tranqüilidade e segurança, sem carregar nas tintas, nos maneirismos, contida e luminosa. Um bem merecido prêmio. A Sra. Tuohy, o marido Sean (Tim McGraw) e os filhos Collins (Lily Collins) e o fantástico SJ (Jae Head) acolhem o grandalhão calado e esquivo com uma camisa no corpo e outra num saco plástico sem maiores preocupações. Nesse ponto o filme é feito para agradar: não há um grande conflito até Michael ser confrontado com a possibilidade de que todo aquele investimento não seja desinteressado, o que desaparece depois de um choque com sua realidade original e algumas horas meditando diante da máquina de lavar. Daí voltamos a paz onde ninguém discute as opiniões da persuasiva Leigh Anne Tuohy, onde não se briga, questiona – sejam os filhos, os professores, o treinador – e mesmo a questão racial, apesar de estarmos no Mississipi, se resume a uma meia dúzia de seis xingamentos numa partida de futebol. Aliás, estarmos no Mississipi só aumenta a relevância do feito dos Tuohy que podendo degustar saladas de 18 dólares o prato, investem num desconhecido. E é tocante a cena em que Michael recebe seu quarto. A sinceridade ingênua de quem havia dormido de sofá em sofá toda uma vida comove a mãe adotiva e a platéia. O garoto tirou a sorte grande e soube aproveitá-la porque não tinha o mesmo ânimo dos seus parceiros da periferia, como o jovem Danny, que contaminado por sua des-vida acaba como, acredita-se, devem acabar todos aqueles. E essa diversidade de ânimo se deve a um (pasmem!) conselho materno (não, eu não vou contar qual é!) que se foi eficiente em proteger o menino, produziu um jovem inerme, quase um autista social, o que lhe garantiu sucesso num mundo onde ele tanto poderia encher-se de tola vaidade, ou fugir carregando a prataria.
Apesar de seu caráter folhetinesco Um Sonho Possível é um ótimo filme para ver, rever com a família, discutir seus aspectos sociais; dar gargalhadas e fechar a janela do carro para enxugar, às escondidas, uma furtiva lágrima. E olha que quem diz isso desistiu de À Procura da Felicidade (The Pursuit of Happyness, EUA, 2006) no seu primeiro terço!
Eu tenho o sonho de um filme perfeito! Mas enquanto a perfeição – nosso maior sonho – não vem, que haja outros filmes possíveis de serem vistos com bons amigos, no escurinho do cinema, perto de um final feliz.

HUDSON ANDRADE
25 de março de 2010.
9h58

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