sábado, abril 17, 2010

VIDA, PAIXÃO, MORTE, RESSURREIÇÃO.




“O objetivo do ator é transmitir suas idéias e sentimentos usando suas próprias emoções (...), sua experiência pessoal de vida (...), sem ocultar nada.” (Antonio Januzelli - Janô)


Vida. 53 anos de idade. Tempo cronológico. Calendário. Um quarto de século de teatro, dentro e fora dos palcos.
Paixão. Pelas filhas gêmeas, pelo marido e parceiro, por essa mesma arte que contaminou todos e fez da própria casa abrigo, ala de ensaios, auditório, teatro.
Morte. Abarcar e ao mesmo tempo esquecer toda uma bagagem pra viver algo novo. Solo, intimidade, numa troca que exigiu confiança, respeito, transpiração e inspiração.
Ressurgir sem ser cinza, mas ser novo, vendo dois meses de trabalho coroado de aplausos e a certeza expressa: Agora eu posso dizer que sou atriz!
Yeyé Porto é dessa geração de atores e atrizes paraenses que tem como integrantes Geraldo Sales, Cacá Carvalho, Cláudio Barradas, Nilza Maria, Zélia Amador, Luis Otávio Barata, entre outros. Nomes que a gente fala com um acento grave na voz. Gente que eu com meus apenas 39 anos de idade e 09 de carreira tive a chance e a honra de conhecer (exceto o Barata). Fui chamado a integrar o projeto A Casa da Atriz pelo Adriano Barroso que dirige o espetáculo A Troca e a Tarefa, que inaugura oficialmente a residência dos Porto como espaço cênico. Integro-me como ferramenta, como elemento, somando o que eu sei – porque há o que eu saiba – e o que me falta – porque há muito disso – e acreditando em fazer teatro.
Após a estréia do espetáculo a comoção da equipe era geral. “É isso!”, o Barroso dizia, olhos brilhando. “É isso!”, concordávamos.
Fazer teatro é pra todo mundo, mas não é pra qualquer um. Toda pessoa pode subir ao palco, escrever peças, conceber figurinos, cenários, adereços; iluminar, compor trilhas e organizar as apresentações. Mas não é qualquer pessoa que se entrega, que se joga, que acredita; que sente uma cuíra entrando por trás, subindo pela espinha e desarrumando a cabeça. Talvez por isso Dionísio, o rubicundo deus da embriaguez e do delírio místico, seja o patrono do teatro. Teatro é uma experiência mística, não no contexto religioso, mas no mais pleno sentido transcendental.
E Yeyé Porto e sua equipe – minha equipe! – transcende o texto de Lygia Bojunga; dá a ele que é um texto sobre escrever uma expressão cênica; dá a ele que fala em transformação um sentido todo pessoal do que seja ser outra coisa, pessoa, vivência.
A encenação aposta na simplicidade e o público (18 pessoas por sessão) entra na sala da casa da atriz com a intimidade e a informalidade de quem visita para um café, efetivamente disponível se se queira!
Aníbal Pacha questionou e instigou a equipe até chegar a um resultado onde cenário e figurino têm o seu porquê.
Sônia Lopes produz um jogo de claro e escuro que é a alma mesma dessa mulher – e a nossa! – de certezas e dúvidas, de medo e tranqüilidade, da alegria de uma festa à sombra do medo e de morrer que é, antes de qualquer coisa, o medo da solidão e do esquecimento. É essa luz também que nos faz renascer em tons de azul, com num sonho bom recheado de lembranças.
O entorno com suas buzinas e vendedores se integra à encenação, mas eu sinto falta de som, não necessariamente música, mas algo que preencha o silêncio constrangedor que precede as revelações. Por não ser um teatro, nosso hall é a calçada. Se chover (Belém, Belém...) existe abrigo e a espera pode ser feita degustando um maravilhoso tacacá, ou outras iguarias.
A Casa da Atriz nasceu da vontade de fazer teatro.
A Troca e a Tarefa nasceu da vontade de fazer teatro. Um teatro pobre defendido por Grotowski de ter, ser e mostrar aquilo que realmente importante à cena, ao público. Pobre de recursos sim, porque quem está ali faz o que faz porque ama o que faz e, sobretudo, sabe o que faz e consegue tirar “faíscas das britas e leite das pedras”. Pobre porque a pirotecnia não interessa e é mesmo desnecessária. Os valores que este projeto e este espetáculo oferecem em troca extrapolam qualquer sentido monetário que, claro, não são dispensados por necessário. É nosso trabalho, afinal. É o fazer teatral que conta aqui e todo aquele que abraçou este ofício deveria ter uma experiência assim. Disciplina, retidão, talento não se aprende em escolas e livros. A teoria todo mundo pode ter, mas teatro é Ser. Isso não é qualquer um que queira ou possa!

SERVIÇO:
A Troca e a Tarefa. Espetáculo inaugural do projeto A Casa da Atriz.
Elenco: Yeyé Porto
Direção: Adriano Barroso
Assistente de direção: Aílson Braga
Iluminação: Sônia Lopes
Cenário e figurino: Aníbal Pacha
Contra-regra: Leoci Medeiros
Produção: Paulo Porto

De sexta à domingo, sempre às 20 horas, nos meses de abril a junho.
Rua Oliveira Belo, nº 95, entre Generalíssimo e D. Romualdo de Seixas.
Ingressos: R$ 20,00
Informações e antecipações de ingressos: 8266 4397 e 8127 6366

HUDSON ANDRADE
16 de abril de 2010
9h45

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