sábado, abril 17, 2010

QUALITAS SP



O Sr. Raposo é um homem, perdão, uma raposa, persuasiva, inteligente, sagaz, persistente, renitente, vaidosa, de emoções contidas – mesmo as justas e verdadeiras. Por trás da fala mansa e da gravata (!) está um animal selvagem com a cabeça no topo das árvores e os pés no fundo de um buraco. O Sr. Raposo é o protagonista de O Fantástico Sr. Raposo (The Fantastic Mr. Fox, EUA, 2009), com roteiro de Noah Baumbach, Wes Anderson e Roald Dahl a partir do original do próprio Dahl, autor de A Fantástica Fábrica de Chocolate, e com direção de Wes Anderson. Feito em animação stop-motion, O Fantástico Sr. Raposo conta com as vozes de George Clooney (Sr. Raposo), Meryl Streep (Sra. Raposo), além de Wally Wolodarsky, Jason Schartzman (Ash), Michael Gambon, Owen Wilson, Bill Murray (Texugo) e Willem Dafoe (Rato)
A trama mostra o Sr. Raposo abandonando a sua vida de raposa ao prometer à Felicity, esposa grávida que não roubaria novamente, assumindo uma vida aparentemente pacata. Sua insatisfação contida talvez seja a causa do relacionamento burocrático com a esposa que pinta em quadros as tempestades que vão dentro dela, e com Ash, o filho infantilizado e rebelde com quem não consegue se entender. Tudo começa a mudar quando o Sr. Raposo decide comprar uma casa-árvore na vizinhança com os humanos. Ao ver-se limite com três homens ricos e poderosos algo dentro dele desperta e com a ajuda do zelador Kylie, a Toupeira, arquiteta o Grande Plano, sua real despedida do seu lado raposa.
Todos os animais do bosque são humanizados, vestem roupas humanas, exercem profissões humanas, mas ainda vivem em tocas e não freqüentam a cidade com seus cachorros ainda cachorros. Ao invadir as propriedades dos fazendeiros Boggins, Bunce e do terrível Sr. Bean, Raposo provoca uma confusão de proporções inimagináveis que o envolvem diretamente, sua família e o delicado equilíbrio entre os homens e os animais, colocando-o em cheque com os seus valores – sobretudo sua vaidade e necessidade de atenção – e exigindo dele uma postura diante da sociedade, da família e de si mesmo.
Bárbara Heliodora diz em seu livro O Teatro Explicado aos Meus Filhos* que a preocupação essencial do teatro são as questões humanas. Ao expandirmos esse conceito para outras formas de arte temos O Fantástico Sr. Raposo discutindo situações extremamente significativas na embalagem cuti-cuti dos bonequinhos que se movem na tela. Não é um filme infantil, mas é um filme para todas as idades. Como é isso?! Diria que é um filme para crianças inteligentes e que possam julgar valores. Quem é mais selvagem? O Sr. Raposo e seus amigos ao assumirem o seu DNA e os seus nomes científicos, ou o autoritário e irascível Sr. Bean? Quais as conseqüências para a Sra. Raposo ao perceber que a vida a qual se acomodou não é assim tão estável e que ela precisa se posicionar diante de um perigo eminente? Como o Sr. Raposo pode resolver os conflitos com o filho, piorado depois da chegada do primo Kristofferson? como acessá-lo? Como dizer que o ama e confia nele? E o Rato, vendendo seus préstimos aos humanos contra seus pares animais, como um autêntico capitão-do-mato? Este não é um filme infantil. Há cenas violentas, diálogos contundentes, debates filosóficos, tudo quebrado e equilibrado por Anderson que com os gracejos dos seus bichinhos fofinhos fala bem fundo em nós.
O único prejuízo de O Fantástico Sr. Raposo não ter ido para o circuito comercial – O Maria Sylvia o exibiu em parceria com a Oi – é que isso reduz consideravelmente o público que pôde desfrutar dessa fabulo bonita por natureza e humana por excelência. Em seus quase uma semana e meia-raposa (mais ou menos 90 minutos humanos) O Fantástico Sr. Raposo é um exercício de lirismo numa animação cada vez mais rara e extremamente bela – ainda mais nesses tempos de filmagem digital, CGI, motion caption, etc. é a prova de que cinema, arte enfim, jamais prescindirá de uma boa história, de alguém que saiba contá-la e do jeito certo de fazê-lo.

HUDSON ANDRADE
07 de abril de 2010
15h29

(*) Rio de Janeiro: Agir, 2008, p. 17

Nenhum comentário: