sábado, abril 10, 2010

ÉGUA, PRIMO!



Wlad Lima e Karine Jansen são dessas tias velhas que costuram enormes e aconchegantes colchas de retalhos e nos dão de presente. Essa cara fragmentada e colorida é a marca dos seus trabalhos, seja em Macunaíma – O fim do que não tem fim, no qual eu atuei em 2000, na Escola de Teatro, passando por Amortemor, Paixão Barata e Madalenas, Laquê, Quando a Sorte te Solta um Cisne na Noite, entre tantos, até Brasileiramente, Árabes! que estreou no último dia 31 de março.
Vivi esse processo em que o texto do Mário de Andrade, nossas histórias, sensações físicas, jogos, um-bilhão-quinhentas-e-oitenta-e-quatro-milhões de referências de um-tudo alimentavam elenco e direção na construção do espetáculo. Cada ator/atriz tem sua chance, cada um oferece e recebe, cada um constrói, desconstrói, reconstrói. Às vezes eu ficava no escuro, querendo saber se tinha acertado, errado, qualquer coisa, e elas ali, sugando de mim até o bagaço pra depois devolver reidratado e fresco, com um tempero e um sabor peculiar a cada um: nós, atores, os retalhos. Elas, agulha e linha. E tesoura, se preciso.
O trabalho começou em 2008 com Maridete Daibes, Larissa Latif, Wlad Lima e Karine Jansen a partir de narrativas familiares; um grupo de pesquisadores recolheu cartas de descendentes de libaneses e todo esse material foi decodificado em símbolos. Wlad e Karine são mestras em transformar letras e contos e falas e sentimentos e sensações em símbolos e estes na poesia que preenche o palco. Daí nasceu Brasileiramente, Árabes! a pesquisa e o espetáculo, trazendo a identidade dos descendentes libaneses no Pará, sobretudo em Belém, buscando revelar uma ascendência árabe oculta aos nossos olhos e que faz parte de nossa história individual e coletiva de forma insuspeitada.
O espetáculo de 75 minutos avança em quadros com apresentações genealógicas, relatos pessoais, familiares, históricos, a imigração, os costumes, a culinária, os ditos, a fama de mercadores, a mitologia. Quatro atores descendentes de libaneses nos conduzem nessa viagem quase sinestésica, mas irregular, fruto de diferenças de maturidade cênica – todo ator/atriz tem seu espaço –, seguros pelo conjunto. Parece que aquelas histórias não são deles – de certa forma não! –, mas que precisavam de uma apropriação que tornaria tudo mais crível e emocional. A cenografia e o figurino de Klau Menezes têm a beleza das coisas simples e significantes – ainda que nem tanto para quem assiste –, contida nas cores, étnica e onírica como os personagens de nossos livros infantis. A sonoplastia de Eddie Pereira calcada na tradição árabe dá na gente aquela vontade de sacudir as cadeiras e os ombros (dizque o ECAD apareceu por lá! Essa gente não se manca!) e só peca pela falta comum em nosso teatro que usando música mecânica estanca tudo com um clique seco do pause/stop.
Todos rimos das contas de cabeça feitas para a construção de uma casa, calamos para ouvir as lendas de mercadores e califas, relembramos conflitos sangrentos, saudades. Atrás de mim uma senhora reconhecia sua própria história e comentava, antecipando-se a fala como se conhecesse o roteiro – de alguma forma sim! –; reconhecíamos as lojas e os nomes de família e no ponto de ônibus, muitos minutos depois (muitos mesmo, pois o ônibus demorou pacaraio!) três amigos comparavam os narizes e concluíam: a gente é tudo misturado mesmo!!!
Se Brasileiramente, Árabes! se propõe a revelar (nos), bingo!!!
Cá estamos. Eu desejando tanto ser novamente retalho. Caminhos diversos... Cá estamos, flutuando na fumaça luminosa dos narguilés.
“ASSALAN ALEIKUM”

Brasileiramente, Árabes! é vinculado a pesquisa “Brasileiramente, Árabes! um estudo das práticas performáticas dos descendentes de libaneses na cidade de Belém”.
Equipe de pesquisa: Carlos Vera Cruz, Cleice Maciel, Karla Pessoa, Ives Oliveira, Karine Jansen e Wlad Lima.
As cartas que originaram a dramaturgia estão disponíveis em HTTP://brasileiramentearabe.wordpress.com
SERVIÇO
Brasileiramente, Árabes!
Direção: Karine Jansen e Wlad Lima
Com Natalia Abdul Khalek (Família Abdul Khalek), Dario Jaime (Família Abdon Khalarg), Maridete Daibes (Família Daibes) e Klau Menezes (Família Anaisse).
Teatro Cláudio Barradas (Escola de Teatro e Dança da UFPA. Av. Jerônimo Pimentel, esquina com D. Romualdo de Seixas).
De 31 de março a 11 de abril de 2010, de quarta a domingo, 21 horas.
Ingressos: R$ 20,00 (vinte reais) com meia entrada para quem de direito, incluindo a categoria teatral e descendentes de libaneses, mediante comprovação.
Este projeto tem o patrocínio da Petrobras através da Fundação Nacional de Artes – FUNARTE, Ministério da Cultura.

HUDSON ANDRADE
01 de abril de 2010.
10h53

Nenhum comentário: