Apaga-te, ó delicada chama! Apaga-te!A vida é sombra passageira. Um mísero ator que chega, agita a cena inteira, diz sua fala e sai. e ninguém mais o nota. MACBETH (William Shakespeare)
sábado, maio 08, 2010
PONTA DE LANÇA
Uma idéia ganha corpo. Corpo dilatado. Corpo santo. Rodrigo Braga pensou o novo espetáculo da Companhia de Teatro Madalenas em 2006 numa oficina de performance da Wlad Lima, no IAP. Então nem era espetáculo. Era algo pra si, pra estudar e construir.
O indutor foi São Jorge, escolhido não por devoção, mas por simpatia com a vida, a peleja, a ideologia mesma do soldado romano que pondo sua fé acima das obrigações militares é morto e assim, martirizado, é abraçado pelo povo como santo. Jorge da Capadócia, São Jorge, Ogun nos terreiros da crença afro, o vencedor do dragão – um monstro sob medida que habita as sombras do nosso imaginário, a lua cheia, burocráticos copinhos de café. São Jorge, guerreiro cujas histórias e mitos foram decodificados e ressignificados na pessoa que responde a impulsos, nos ritos da umbanda, no ritmo dos atabaques, no azul das guias.
Durante um ano Rodrigo e Leonel Ferreira, parceiro de grupo e diretor do espetáculo construíram Corpo Santo, parando apenas quando o ator foi para Campinas (SP) para a oficina do LUME, de onde ele voltou cheio de novas idéias e um corpo completamente alterado. Meio que recomeçar, meio que reconstruir. Tantas informações acabam por se confundir em cena. O gestual de um estado vazando para outro. Matrizes não devidamente orgânicas. Esse é um processo que leva tempo e exige repetição. Apesar de não comprometer o resultado essa dança pessoal precisa ser aprimorada enquanto objetivo do próprio ator, para além desse trabalho.
O texto – muito bom! –, segundo Leonel, foi um presente da Wlad Lima que a companhia usou como base da sua dramaturgia própria que não põe na palavra o centro da encenação. Texto, imagens corporais, música, formam o tripé sobre o qual se assenta Corpo Santo. As falas em falsete prejudicam algumas terminações de frases exigindo de Rodrigo que ele articule devidamente as palavras, projete a voz e garanta um,a boa respiração. Algumas cenas são feitas no que Viola Spolin chama de blablação, uma linguagem estranha, desarticulada, que por si não significa nada, mas que somada ao corpo ganha largos horizontes de embates, oceanos e, claro, a luta contra o dragão. Incomoda particularmente a mim uma grande tatuagem que, de perto, revela o Santo Guerreiro e seu inimigo. Há uma proposta pensada pelo Aníbal Pacha, bonequeiro, de animação dessa imagem por movimentos específicos do tronco do ator. No entanto é impossível não ver o desenho que em muitos momentos rouba o olhar do espectador da/na cena que se desenrola. A tatuagem precisará ser administrada em outros momentos, outros espetáculos, o que poderia levantar a questão se um ator/atriz deve/pode ter o corpo assim, marcado.
A trilha sonora de Kleber Benigno, o Paturi, utiliza percussão e canções de louvor a Ogun, executadas ao vivo e cantadas por Moahra Fagundes, Érika Nunes e Dina Mamede, trabalho que entrou efetivamente na encenação no último mês antes da estréia. Dina diz se sentir ainda insegura nessa nova proposta, cantar, mas acredita no resultado pela força do conjunto.
Esse um ponto extremamente positivo, o da companhia dar espaço aos seus membros e encampar a idéia de um e fazê-la coletiva. Eu acredito nesse abraçar a idéia alheia e frutificá-la em conjunto como a essência do que chamamos teatro de grupo, amador. Se é a viagem de alguém, uma tragédia grega, um clássico shakesperiano, o que seja. O que importa é dividir funções e acatar tarefas, executando-as com disponibilidade e consciência. O resultado se vê no palco: uníssono, orgânico, para além de genialidade e talento – o que não se questiona aqui por Corpo Santo ser um ótimo espetáculo. Digo isso como quem já viu coisas das quais tirada a plástica, nada mais resta.
E por falar em plástica, salve, Aníbal Pacha! Cenários, figurinos, adereços onde predominam o branco e o azul, impecáveis. Da arena de renda onde se entra com três palmas às lanças suspensas no ar; velas, alguidares, pedras que viram dragão! E mais uma vez a idéia de conjunto por saber-se que Pacha integra efetivamente o processo onde está inserido e se retroalimenta para conceber uma estética que é própria daquele espetáculo porque nasceu dele e para ele e onde tudo e cada coisa tem o seu porquê e a sua intrínseca beleza.
É lamentável que Corpo Santo esteja em cartaz apenas duas semanas. Que retorne logo! E que se mantenham essas boas idéias que corporificam grandes performances. Sequer li o programa antes da apresentação. Não quis criar expectativas e confesso que não sabia o que esperar. Saí do teatro extremamente satisfeito e feliz que minha terra produza trabalhos de qualidade, de gente jovem, pés no chão, à despeito de tão desestimulante realidade cultural.
Rodrigo iê.
Salve, Jorge.
Salve, Madalenas, salve!
FICHA TÉCNICA
Ator: Rodrigo Braga
Direção: Leonel Ferreira
Dramaturgia: Companhia de Teatro Madalenas
Direção musical: Kleber Benigno
Músicos (Percussão e coro): Kleber Benigno (Paturi), Valdeci Justino Silva Jr., Wellerson Casablancas, Wellitton Barreto, Edson (Padre).
Cantoras: Dina Mamede, Érika Nunes e Moahra Fagundes
Concepção e operação de luz: Thiago Ferradaes
Concepção de cenário e figurinos: Aníbal Pacha
Confecção de figurinos: Mariléia Aguiar
Assistência de produção e contra-regragem: Flávio Furtado
Produção e contra-regragem: Tainah Fagundes
Produção gráfica: João Paulo Guimarães
Fotografia: Bob Menezes
Assessoria de imprensa: Carolina Menezes
Realização: Companhia de Teatro Madalenas.
Este projeto foi contemplado com o Prêmio Funarte de Teatro Myriam Muniz.
HUDSON ANDRADE
30.04.2010, modificado em 03.05.2010 AD
12h37
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Um comentário:
Oi Hudson, Obrigada pelo post. Olha, só agora tive tempo tb de te dar um retorno da imagem. Para que email posso mandar algumas fotos?
Bjos
Tainah Fagundes
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