Apaga-te, ó delicada chama! Apaga-te!A vida é sombra passageira. Um mísero ator que chega, agita a cena inteira, diz sua fala e sai. e ninguém mais o nota. MACBETH (William Shakespeare)
segunda-feira, março 22, 2010
A MALDIÇÃO DISSO E DAQUILO
Pessoas, pensem num sábado de madrugada, Sessão Coruja, em exibição Um Corpo que Cai, Psicose, Disque M para Matar, algo assim! Pensem naquelas letras de corte quadrado, sobre fundo branco, parecendo antiquadas já naquela época; pensem num longa comprido, cheio de personagens que gravitam em torno em um protagonista determinado, mas cheio de recalques, mais um anti-herói do que mocinho, que tem lá o seu charme, mas fuma feito um condenado; mulheres bonitas, cheias de classe e charme, movimentando-se languidamente pelas cenas, cheias de personalidade, criando a confusão e a cizânia na mente do dito personagem principal; homens sérios, calados, irônicos, pulando da sombra e voltando rapidamente pra ela, cheios de meias palavras e verdades completas disfarçadas de mentiras, ou meias verdades disfarçadas de dúvidas, ou mentiras absolutas que parecem reais de tão coerentes.
Assim é Ilha do Medo (Shutter Island, EUA, 2009), a nova produção de Martins Scorcese, o diretor ítalo-americano que já nos deu filmes tão diferentes quanto Depois de Horas, Os Bons Companheiros, A Época da Inocência e Gangues de Nova Iorque. Esse cara meio franzino e grisalho, que parece calmo, de fala mansa e que sugere ter um furacão dentro de si, mostra seu lado hitchcoquiano no longa que trás Leonardo di Caprio, Mark Ruffalo, Ben Kinsley e Michelle Willians (a esposinha de Ennis Del Mar em Brockback Mountain – aqui bem mais bonita e igualmente antipática, o personagem, naquela voz de coitadinha e olhos baixos de cachorro que quebrou panela!)
Na ilha Shutter, que abriga o Hospital Psiquiátrico Correcional de Ashecliffe, os ambientes internos são escuros e opressivos; os externos, íngremes e limitantes. Névoa, faróis sem luz, muros grossos, grades, florestas que despencam, cemitérios, tempestades, céus iluminados por relâmpagos, Gustav Mahler. Fechados nela (como o título sugere), o detetive federal Teddy Daniels (Di Caprio) e seu parceiro Chuck Aule (Ruffalo) devem investigar o desaparecimento de uma paciente e, ao mesmo tempo, empreender uma caçada redentorista a um tal Andrew Laedis, o assassino de Dolores (Willians), esposa de Daniels. Mas como diz um paciente ao detetive, ele não passa ali de um rato num labirinto e continuamente é incitado a partir, ou jamais deixará aquela ilha. Obstinado, Daniels insiste em sua cruzada mesmo percebendo que trilha um caminho sem volta.
Os movimentos de câmera, a trilha sonora, a mistura de verdade, alucinação, sonho, desconfiança, tudo nos coloca junto ao atormentado detetive e se ele enlouquecer, enlouquecemos juntos, ou saímos dali e ficamos todos bem. Talvez por isso algumas pessoas tenham saído do cinema (que bom que saíram, porque se tem uma gentalha que eu não tolero em cinemas e teatros é esse pessoalzinho que fica conversando, comentando e tals!); talvez por isso outras tenham saído logo ao final da exibição, ou ao acenderem as luzes. Semblantes carregados, gargantas secas. Ilha do Medo é um ótimo filme, mas não é um filme pra todo mundo, sobretudo praqueles que cinema é a maior diversão. Tão logo eu me livrei do desgraçado que ficava acendendo o celular bem ao meu lado e ignorei a lesa que ficava dizendo pro namoradinho que tinha medinho de escuro e que não gostava de filme assim que ela ficava nervosa (pensa aonde esse truque vai dar!) ficou zuzubem e eu nem senti as duas horas e vinte minutos de projeção. Saí com vontade de voltar e fiquei pensando que se não fosse a falta de grana pro táxi teria sido legal assistir a última sessão e caminhar na penumbra dos corredores vazios do shopping, brincando que os manequins abriam uns olhos vítreos (como o anjo na sepultura da esposa de Louis em Entrevista com o Vampiro) e os seguranças não eram mesmo quem eles pareciam ser. Brincadeira que acabaria logo na calçada, que a realidade dos pontos de ônibus aqui pelos lados da Marambaia são muito mais assustadoras que qualquer filme gótico.
HUDSON ANDRADE
20 de março de 2010.
11h20
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Um comentário:
É sempre bom ler vc! um bjo meu amigo
Jaque
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