segunda-feira, março 22, 2010

OBSCURO REYNO ENCANTADO


Fundo Reyno é um espetáculo difícil!
O trabalho escrito, musicado e dirigido por Walter Freitas estreou no dia 18 de março no Teatro Waldemar Henrique e segue duas semanas de temporada. E por que é difícil?
É difícil porque o enredo da trama até que é simples, mas o desenvolvimento do roteiro é lento e complicado. Até que a gente entenda quem é quem e o que ele está fazendo ali, muito tempo já passou. E o programa – que eu optei por não ler antes – não dá qualquer indicação de pra onde a coisa vai. “Intriga, sexo, feitiço, traição e morte nos rios da Amazônia” é tanta coisa pra dizer e dito como foi pode resultar muito pouco.
Os personagens vão se delineando devagar, confusos, e a proposta brechtiana de estar em cena e trocar de roupa e personagem por não ser mais precisa e assumida nem é só troca de roupa nem cena.
O texto parece ser interessante, mas quer dizer tudo. Não nos sobra espaço pra pensar. Há longas explanações cheias de detalhes e referências parecendo querer evitar que alguém diga “faltou isso, faltou aquilo!”. Por ser em verso as falas precisam ser mais articuladas, projetadas e bem ditas, para que a métrica não caia no ba-ta-ti-nha-quan-do-nas-ce. Essa imprecisão ajudou a tornar ainda mais difícil o entendimento do espetáculo. Um bom trabalho de mesa é imprescindível.
Fundo Reyno tem uma corporeidade frouxa. Trabalhar com objetos invisíveis é criar armadilhas para si – perigosas e risíveis. Os atores não são mímicos e mímica é algo mito mais elaborado e simbólico. Melhor seria codificar os gestos e tornar a encenação corporalmente limpa.
Nos números musicais, o dilema: amplificar os instrumentos de corda e cobrir a voz dos atores, já que nem todos cantavam, ou o faziam bem fraco; não amplificar os instrumentos e fazer seus sons se perderem nas vozes de Mônica Lima e Walter Freitas. Um ponto absolutamente positivo é ter a música ao vivo e executada também pelos atores que, não sendo músicos – a exceção, parece, só o próprio Freitas – carecem de grandes valores musicais. Não estou pedindo virtuosismo. Na minha companhia temos o mesmo problema e basta colocar um caxixi na mão de um ator, ou atriz pra cena virar um caos. Digo que se assuma isso, ou deixe na mão de quem sabe, como temos feito em nossos últimos trabalhos.
A mistura de catolicismo, encantaria, religião afro; a cenografia na entrada que tanto pode ser a sujeira dos personagens quanto um apelo ecológico pelos nossos rios; as ações paralelas, demais, as quase duas horas de ladainha que, ralentadas, parecem muito mais; o calor insuportável e o desconforto do Waldemar Henrique (isso são outros 500!), tudo colabora para tornar Fundo Reyno ainda mais difícil de ser aprecisado. Frente a isso tudo há que se valer da máxima de que, em muitos casos, menos é mais. E isso é pra hodie.
Santo Expedito, ora pro nobis.

SERVIÇO: FUNDO REYNO. Teatro Waldemar Henrique, dias 18 a 21 e 25 a 28 de março de 2010, sempre à 20 horas. Ingressos na bilheteria a R$ 10,00 (com meia).
Música, direção musical, dramaturgia e direção: Walter Freitas.
Cenografia e figurino: Maurício Franco.
Designer de luz: Thiago Ferradaes.
Produção: Cristina Costa.
Elenco: Juliana Medeiros (Pajé Sacaca), Pauli Banhos (viúva Zulmira), Wellingta Macêdo (Nhá Luca / o Bicho), Andréa Rocha (Antero Denizar), Mônica Lima (Bandeireiro), Akel Fares (Rabequeiro) e Walter Freitas (Violeiro).
Projeto agraciado com o Prêmio Miriam Muniz da Fundação Nacional de Artes – FUNARTE, Ministério da Cultura e Governo Federal.

Hudson Andrade
19 de março de 2010
9h28

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