sábado, março 06, 2010

A MENINA, O MOÇO, RITINHA, A AMA DE LEITE




“O ator deve sempre começar de si mesmo, da própria qualidade natural (...). A arte começa quando não existe papel, existe somente o ‘eu’(...)”. (Stanislavski)


É do eu que nasce Solo de Marajó, um eu coletivo, como diz seu diretor Alberto Silva Neto, um eu de profundas raízes familiares, nas palavras de Cláudio Barros, um eu que se reparte na escrita de Dalcídio Jurandir e Carlos Correia Santos. Marajó da obra de Dalcídio, vigorosa; solo de se estar só e se bastar e precisar de complemento e solo de um chão onde o ator se mistura na cenografia de Nando Lima e na luz de Tarik Coelho. Tudo absolutamente minimalista, claro, limpo, fazendo aparecer quem realmente deve aparecer: o ator – o primeiro dos ingredientes desse fazer teatro. O segundo é a platéia. Nada mais é necessário.
E estávamos lá, ator e platéia para quarenta e cinco minutos de tanto tempo, tantos dias, tantas histórias. Ele virado muitos, mimetizado, os sons saindo do próprio peito, a voz firme e clara, o corpo transformando-se nesse e naquela, cada qual com sua particularidade, seus trejeitos, sua prosódia sem a necessidade de recorrer a sotaques e tucandeiras para que nos reconhecêssemos naquelas pessoas antes de tudo, pessoas; e nós daqui, atentos, a cabeça fervendo de criar caixinhas de fósforos, igarapés, redes, toalhas, altares. Entremeando tudo isso uma escuridão que me incomoda mais porque não gosto do breu e aprecio ver tudo acontecendo diante da assistência que acompanha quem é o ator e quem é o personagem; no entanto os blecautes são necessários – talvez um pouco longos – para que a encenação possa marcar bem onde termina cada “causo” e nos deixar no suspenso para o que vem depois.
Cláudio Barros assume a difícil tarefa de contador de histórias e se propõe com maestria a nos encantar com luas, indignar com o tratar mal não porque se é malino, mas porque a vida secou, desejar, amar, crescer, envelhecer.
Eu precisava ver isso. Todo mundo nessa cidade precisava ver Solo de Marajó. Teatro por excelência. Direção segura, texto preciso e sobretudo (sua majestade) o ator, que aqui e com Claudinho – como vou, abusado, me permitir chamar – encontra um parâmetro a ser seguido.
Pena que temporadas tão curtas. Bom que volte logo e nos alague de sentimentos.
HUDSON ANDRADE
18 de dezembro de 2010 – 10h31
Escrito quando da estréia do espetáculo. Desculpem aí a demora!

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