segunda-feira, março 22, 2010

EU 23


Acordei porque tinha que acordar. O despertador não tocou. Jogado na cama estranhei o silêncio da casa. Desci as escadas e percebi que apesar de ainda cedo, todos os cômodos estavam impecavelmente arrumados e limpos. Não havia café no bule nem leite na geladeira e ninguém também comprara o pão.
Aliás, não havia ninguém em casa. Onde estariam todos? peguei o telefone para ligar para minha mãe mas a linha fazia seu som ininterrupto e monocórdico sem que eu conseguisse acessar qualquer número que fosse. E ao ligar o celular percebi que toda a minha agenda estava vazia, assim como no bloco telefônico todos os números tinham simplesmente apagado.
Me deu um medo de sei-lá-o-quê e eu sentei na poltrona em frente a TV que não passava programa algum e fiquei lá sabe Deus quanto tempo sem fome, ou sede, só uma sensação de vazio na boca do estômago e que foi ocupando minha cabeça com um zumbido.
Decidi descobrir o que havia acontecido, mas ninguém ocupava as casas da vizinhança. Os portões estavam sem cadeados, os carros frios, os brinquedos das crianças no quarto das crianças. Não havia cachorros nos quintais, gatos nos telhados, peixes nos aquários e as gaiolas estavam vazias com seus jornais no fundo, intactos e sem data.
Depois de passar por escolas sem alunos, academias sem atletas, nenhum fiel, beata, ou vela acesa nas igrejas, semáforos desligados e vitrines vazias, considerei a total insanidade daquela situação e cogitei que se o fim do mundo acontecera eu não era joio nem trigo.
Se eu não podia telefonar também não poderia enviar e-mails, então decidi escrever cartas, ou bilhetes, mas percebi, horrorizado, que se houvesse um endereço para onde enviá-las – e não havia! – eu não lembrava o nome de qualquer destinatário. Além do mais, que carteiro as entregaria se nem a bandeira do quartel havia sido hasteada?
Foi em frente à baia sem marolas ou urubus que eu ao não sentir o vento desisti de ir embora. Pra onde?! E foi quando constatei que tinha atravessado a cidade inteira sem cansaço, sem que o sol me incomodasse, sem chuva. Devo ter morrido, pensei, mas onde estão Deus, as outras almas, os vales de enxofre, o Nirvana, os Campos Elíseos?
Aquele vazio que subira do estômago para a cabeça com um zumbido agora rodopiava na minha pele arrepiada e eu teria de bom grado elaborado alguma teoria se uma inconsciência não bloqueasse meus pensares.
E então meu corpo leve começou a subir do chão e num alto, cercado de cadeiras, mesas, ursos de pelúcia, canetas, tesouras, camisas, vasos, muletas, garrafas, sapatos, fraldas, livros, pneus, esponjas, martelos, retratos de ninguém, talheres, vassouras, gerânios, enfim, de um tudo leve e furta-cor como bolhas de sabão, fui subindo contra um fundo preto e silencioso e naquele vazio não ouvi nada, não disse nada e sem cheiro, frio ou calor, fechando os olhos, não vi mais nada!

Hudson Andrade
15 de março de 2010.
16h49

2 comentários:

Anibal Pacha disse...

Adorei. Tem vezes que me sinto assim como bolas de sabão sobre um fundo preto.Beijos

Pacha disse...

Adorei. Tem vezes que me sinto assim como bola de sabão sobre um fundo preto. Beijos