‘Ela diz que apesar de tudo ela tem sonhos
Ela diz que um dia a gente há de ser feliz
Se Deus quiser .”
(Janaína. Biquíni Cavadão)
A Dalva nem tinha apagado no céu quando eu enxuguei o suor da testa com o dorso da mão. Tanque cheio, suspiro fundo, alguma olheira. Mas ainda havia o frescor da madrugada.
Enquanto o sol e-va-po-ra-va – meu caçula tinha dito isso! – a água das roupas, limpei a casa, arrumei as camas, lavei a louça do café, varri o pátio. Na panela, feijão e um restinho de toucinho, cebola, alho e sal. Pra acompanhar, arroz e salsicha. O sol parecia tão mais brilhante aquele dia!
A molecada comia apressada pro filho mais velho lavar a louça antes de ir pro quartel. Hoje era dia de educação física pros menores e eu passei as camisetinhas brancas e os shorts azuis marinhos. Quando havia dobrado a última peça e dado uns pontos na toalha grande e felpuda que protegia a trouxa, a casa estava quieta e o sol rachava o asfalto. Lá longe alguém ouvia uma música que eu gosto muito e o Pirata – o vira-latas do do meio! – latia pro nada, sacudindo o corpo todo.
O ônibus tava lotado, mas o segundo, se Deus quiser, tá mais vazio e algum cristão há de pelo menos pedir pra levar a trouxa. Faz um tempão que eu não escuto um “senta aqui, senhora!” e cada vez esses carros demoram mais a passar. Acho que alguém deu uma boa lavada neles ontem, ou hoje. E o cobrador até me disse bom dia.
A dona gosta da minha lavagem, mas sempre abre a trouxa e olha tudo e confere numa listinha antes de me pagar e sempre pede pra ser menos. “Não dá. O preço do sabão tá pela hora da morte!”. Ela sempre paga e já marca outro serviço. São mais dois ônibus e o ponto é longe, inda mais nesse calor. Sento lá no fundo e vou sorrindo da boniteza que tá ficando essa cidade.
Desço do ônibus e sento numa proteção toda de metal, ferrugem, cartazes molhados-rasgados-desbotados. Na outra ponta do banco de madeira uma mocinha fala ao celular e diz que sente saudades também e que não vê a hora de estar junto e que estar junto é a única coisa que eles têm certeza, mas aí a voz já está mais alta e mais nervosa e mais aguda e ela pergunta por que e quando e de que jeito? Desliga o telefone meio nervosa, enfia na bolsinha verde e azul e me olha meio sem graça. Eu olho de volta, complacente, que eu tenho uma dessas em casa e sei como eles são, ah, se sei!
A mocinha desvia o olhar, encabulada e morta de vergonha enxuga uma lágrima gitinha que vem caindo.
Ela me olha de novo quando eu sento ao lado dela e a abraço sem perguntar se posso, se devo, ou se ela quer. Surpresa! Mas logo ela também abraça e chora um pouco e ri. Lindo! Lindo! E sai correndo que seu ônibus chegou e outro sabe Deus quando.
De dentro do carro é que ela olha e sorri, atendendo novamente o telefone.
Também sorrio e sacudo a cabeça. Ah! esses moços!!
19 de julho de 2007.
11h31
4 comentários:
Adorei o conto. Rolou até uma identificação. Só não sei se sou a moça ou a senhora. Sinto-me na fronteira. Sou um pouco de cada uma delas. Lindo texto!
Adoro falar de gente. Que bom que gostaste e essa identifação é o melhor pra mim. Seja mesmo um pouco de cada. Seja todas!
Parabéns pelo blog. Muito interessante. Volto pra ler tuas postagens anteriores. Grande abraça!
Adorei o conto 10. Muito bom. Redondo, sem muita afetação (às vezes acho uma coisa ou outra afetada nas tuas histórias), crível, cotidiano - levemente irreal aquela felicidade de conto hehehehhe - Adooooro!
Ailson
Mensagem originalmente enviada por Aílson Braga (Salve! Salve!) para meu e-mail, em 25 de julho de 2007.
também adooooooooro!!!
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