O telefone tocou ainda umas três vezes. Olhei em volta esperando que outro funcionário atendesse, mas todos estavam ocupados. Entre resignado e irritado, tomei o fone e o engatei entre a orelha e o ombro, falando ao mesmo tempo em que digitava intermináveis planilhas. A primeira fala foi dele:
- Esse teu negócio com aquela menina tem me deixado muito incomodado!
Surpreso, parei os dedos sobre as teclas, peguei o fone, olhei em volta. Todos ainda ocupados, mas da mesma forma que eu atendi, outro poderia tê-lo feito.
- Estás me ouvindo? – ele insista do outro lado da linha.
- Estou...! E também estou muito ocupado... a gente conversa depois...
- Queres realmente levar isso a sério?
- Mas eu não...
- Todo mundo viu vocês juntos na sexta!
Perdi a paciência. Nunca gostei de cobranças e aquela me parecia demasiada.
- E daí que eu estivesse querendo-tendo-ficando alguma coisa com quem quer que seja...?
- ... me incomoda...!
- E por quê? Nas tuas próprias palavras... – e a voz já subia de tom, imitando seu jeito rápido de falar, engolindo o começo e o fim das frases – “eu tenho alguém e estou tão feliz que nem cogito outro relacionamento!”. Pois deixa que eu te diga – subindo uma oitava – eu não tenho ninguém e eu não estou feliz. – acentuando os “eus” – portanto tenho todo o direito...
Foi quando me vi refletido na janela feia que dava pro paredão do prédio feio quase colado ao nosso. Em pé, afrouxando a gravata com gana, a mão um punho segurando o fone, o centro dos olhares: maliciosos uns, cúmplices poucos, repreensivos todos.
Sentei devagar na cadeira, baixei a cabeça,curvei as costas e disse num tom grave:
- Alô...
Não havia mais ninguém na linha. Desde quando?
- Filho da puta!!!
Voltei ao trabalho. Voltamos.
Nem um minuto havia se passado quando o telefone ao meu lado tocou novamente. Todos pararam e olharam na minha direção sem levantar a cabeça. Meu coração ficou aos saltos e minha respiração curta queimava meu peito. Embolei papel, abri e fechei gavetas e dei três leves murros na minha mesa.
Voltei ao trabalho. Voltamos. Um ritmo mais lento, aguardando, enquanto o telefone feria os meus ouvidos.
E logo em seguida outro. A mão foi instintiva na direção do aparelho, congelando no meio do caminho ante meus olhos arregalados. E então outro e mais um e todos.
O chefe olhou pelo vidro que nos separava. Cabeças baixas, teclávamos e escrevíamos e calculávamos freneticamente.
Ninguém atendeu.
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