sábado, junho 02, 2007

EU 5

O porteiro sequer olhou na minha cara. Tão automático quanto o portou, clicou meu acesso e voltou à TV com bundas e peitos sacolejantes.
No hall do primeiro bloco um casal de namorados, um rapaz ao celular, gesticulando. Ninguém viu a sombra que passou. “Fosse uma cobra...” diria minha avó num outro contexto.
O elevador subiu segundos antes que eu o alcançasse e como foi até o último andar, demorou a voltar. Esperei que ele trouxesse alguém e seria quase impossível abrir a porta e não dizer oi-boa-noite-e-aí-como-vai. Vazio, claro!
Segurei ainda a porta alguns minutos esperando que alguém chegasse e quisesse subir. Duas da manhã. Quem viria? Suspirei. Subi.
Na metade do caminho enfiei os dedos nos botões, travei o elevador entre dois andares e o mantive assim. Sorri ante meu próprio ato terrorista, meu momento de mando; rei de um cubículo prateado com súditos numéricos: x pessoas, ou tantos quilos. Até que era muita coisa!
O tempo foi passando. Dei de ombros.
Dane-se o porteiro mal-humorado recebendo dezenas de chamadas de gente querendo descer e reclamações de gente querendo subir. Dane-se o síndico acordado pela impaciente do 407 gritando que o elevador quebrara de novo. Às favas a gorda do 703 que só faz compras em supermercados 24 horas, bobes na cabeça. Pro inferno as gêmeas do 202. dollies mal-criadas e choronas à caminho da escola. Foda-se o boyzinho do 805, o tanquinho aparecendo toda vez que ele levanta os braços pra arrumar as mangas da camisa. E ele as ajeita muitas vezes. Morra da infarto a cobra do 501 comentando com a empregada sonolenta que a putinha do 304 já estava de sacanagem com o cara casado do 906.
Dane-se eu, se acho que alguém vai se incomodar com o elevador, comigo, ou com o que quer que seja.
Cinco da manhã. Quem?!
Suspirei. Desci.


Belém, Pará, 01 de junho de 2007.
15h54, modificado em 02.06.2007, 01h13.

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