Vou me arriscar a falar aqui de uma coisa que eu simplesmente não domino e que nada estudei nesses muitos poucos anos de vida artística: a dança. Pior, dança contemporânea. Mas vou me dar esse direito porque, apesar de tudo, ainda posso sentir e sentimento é o que aflora voraz do espetáculo Avesso, da Companhia Moderno de Dança, coreografia de Ana Flávia Mendes.
O primeiro impacto são os próprios dançarinos, ou bailarinos – ou ainda, na fala da própria Ana Flávia: intérpretes-criadores. Lembrando recente matéria sobre o Balé Nacional de Cuba e os rodopios infindáveis de sua primeira bailarina, o apuro técnico de Deborah Colker, a extasiante abertura de Fale com Ela, de Almodóvar, onde Pina Bausch executa Café Muller , temos a imagem de corpos delineados, músculos que saltam aos olhos, um padrão estabelecido pela própria dança e pelo preparo que ela exige de seus discípulos. Em Avesso o que eu tenho são artistas que fogem a essa estética sem no entanto perder a beleza, uma força acrobática e uma leveza que os faz parecer cheios de ar quando saltam e caem, silenciosos, sobre o chão. Enquanto o Bolshoi me encanta e intimida, A Cia Moderno me extasia e convida a dançar, pois me dá a intimidade (e a soberba!) de que eu posso fazer aquilo. Para a coreógrafa, o trabalho com esses dançarinos é um ganho. Ao sair da forma tradicional da dança, advém o inusitado, uma surpresa que nasce tanto do biótipo, passando pela condição física daquele que dança, quanto de sua própria vivência. Uns têm experiência em balé clássico, alguns em dança, outros ainda em artes marciais. Dessa miscelânea nessa a harmonia que me remete à cena inicial do espetáculo, quando os bailarinos vão se agrupando um a um, somando um único corpo, um mesmo ser, a unidade que eu tenho na cena que antecede o apagar das luzes de Sônia Lopes.
Um segundo ponto é a repetição de gestos ao longo do espetáculo, igualmente observado em outros trabalhos, como os de Miguel Santa Brígida e o Teatro do Movimento da Companhia Atores Contemporâneos. Não há, conforme Ana Flávia e Santa Brígida, uma regra ou conceito dentro da dança que explique / justifique / solicite essa repetição. Para ambos há, em seus respectivos trabalhos, um reforço estético que valoriza o gesto dentro daquilo que se propõe. Ainda segundo Ana Flávia, falta aos grupos locais uma poética consolidada para a dança e quando se encontra uma partitura gestual que funciona dentro do que se deseja para determinado trabalho, ela acaba sendo reproduzida na busca de sua afirmação; uma conseqüência direta ou indireta desse elemento é provocar o público, instigá-lo a buscar entender o porquê daquela repetição, o que ela representa dentro do espetáculo, que sensações ela provoca.
E aí voltamos ao que me cabe: sensações, não só as de um desejo antigo e não realizado de dançar, como as de buscar compreender as histórias internas que motivaram cada um daqueles movimentos. Sem a fala, sempre tão presente no teatro, superando amiúde o próprio intérprete, o olhar recai sobre a mão que se eleva, o joelho que dobra, um tremor do corpo, a respiração suspensa enquanto o corpo assume formas inaturais ao som da trilha original de Zé Mário Mendes .
E a mente viaja sem conseguir chegar a um resultado. Ou não chegar a qualquer final seja exatamente esse presente que Avesso nos dá, pois estacionamos no meio de um turbilhão de sentimentos, dúvidas e desejos e esperar pelo aceno seguinte vai nos manter acordados até o próximo encontro.
Não é a vida assim, ao contrário, eterna incógnita, que nos impulsiona para frente?
SERVIÇO:
Espetáculo AVESSO, com a Cia Moderno de Dança.Local: Teatro Waldemar HenriqueSessões:(28/11) 3a feira - 18h30(29/11) 4a feira - 20h30(30/11) 5a feira - 20h30
Após a sessão de 4a feira, 29/11, haverá um debate com os participantes do espetáculo mediado pelo poeta e Prof. Dr. João de Jesus Paes Loureiro.
Para escrever este artigo, contei com as informações fornecidas por Miguel Santa Brígida e Ana Flávia Mendes, profissionais e amigos maravilhosos, de cuja arte eu não posso prescindir!
4 comentários:
ai, ai... eu tinha que ser a primeira.
ufa!!! o que dizer???
se o avesso te deixou sem ar, pode acreditar que esse teu texto me tirou o fôlego!!
parece que, como o corpo e, por conseguinte, a vida, nossas idéias se encontraram numa espécie de ciclo. uma vez que devolveste a mim, por meio das palavras, todas as sensações que o espetáculo te provocou, percebo agora uma espécie de recomeço, como se já fosse a hora de revirar outros avessos da minha dança.
querido! saiba que foi uma grande honra recebê-lo naquela platéia e maior honra ainda é ver publicado um texto referente ao que viste. e que texto!!!
bom, acho que basta, pois já estou emocionada e não consigo mais dizer coisa com coisa. hehehe!
obrigada pela iniciativa. vamos continuar dando as mãos. é disso que a arte paraense precisa.
beijos!!!
ai, ai... eu tinha que ser a primeira.
ufa!!! o que dizer???
se o avesso te deixou sem ar, pode acreditar que esse teu texto me tirou o fôlego!!
parece que, como o corpo e, por conseguinte, a vida, nossas idéias se encontraram numa espécie de ciclo. uma vez que devolveste a mim, por meio das palavras, todas as sensações que o espetáculo te provocou, percebo agora uma espécie de recomeço, como se já fosse a hora de revirar outros avessos da minha dança.
querido! saiba que foi uma grande honra recebê-lo naquela platéia e maior honra ainda é ver publicado um texto referente ao que viste. e que texto!!!
bom, acho que basta, pois já estou emocionada e não consigo mais dizer coisa com coisa. hehehe!
obrigada pela iniciativa. vamos continuar dando as mãos. é disso que a arte paraense precisa.
beijos!!!
Hudson, adorei conhecer teu blog. Sempre freqüentava o do teu irmão e não havia reparado o link para o teu. Coisas de Lu. Quanto ao trabalho da Ana Flávia, assino embaixo de tudo o que vc falou. A primeira vez que vi os bailarinos dela, num evento da APAD, em 2005, no Waldemar Henrique fui logo perguntando quem era a coreógrafa. Este ano tive a oportunidade de assistir novamente o contemporâneo dela num trecho do espetáculo "Avesso", apresentado no Festival de Dança SESI-PA. A sensação ao ver os "intérpretes-criadores" em cena foi parecida com a sua, de um certo ângulo: me deu vontade de voltar a dançar, me senti capaz de voltar, após seis anos longe dos "pliês". Bastou olhar a beleza da criação coreográfica, a musicalidade do grupo, o sincronia dos movimentos, a imposição dos gestos, a afinação do elenco, o prazer dos bailarinos com o ato da dança... tudo numa sintonia mágica. Esse resultado alcançado em de horas de inspiração e expiração chama-se ARTE. Parabenizo Ana Flávia pelos merecidos prêmios e pelo apurado trabalho de pesquisa que está realizando. Hudson, para vc mil bravos tb por escrever tão bem sobre algo tão difícil de transformar em palavras.
oi querido, já gosto de vc de graça, hehehe, mas lendo "voce", vejo o quanto te admiro também. Te acho muito inteligente e uma alma de artista inconfundivel.... Isso p mim é fascinante. Amo os artistas(que amam a arte da vida) porque eles percebem nas mínimas coisas a verdadeira felicidade.
Adoro vc, de coração.
Maristella abreu pinho.
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