terça-feira, novembro 10, 2009

BROCARDOS (13)



“E disse o Senhor a Gedeão: Tu tens contigo muito povo (...). Fala (...): Aquele que for medroso e tímido, volte (...). E ele com trezentos homens saiu à batalha.”
(Juízes, 7: 2-3, 8)


Deus prometeu aos israelitas uma terra de fartura e paz, mas nunca disse que seria de graça. Foram quarenta nos dando voltas no deserto até chegarem a Madian onde um exército se estendia pelos vales como um bando de gafanhotos. E Deus disse a Gedeão que então comandava os batalhões de Israel que apenas com homens de valor lutasse e que assim seria vitorioso.
Não, este não é um artigo de caráter religioso. Nem é um artigo propriamente dito, mas um pensar sobre coisas muito próximas a mim e que, creio, faça parte da realidade de outras companhias de teatro.
O teatro é uma Arte e um ofício. As companhias precisam se entender não apenas como um agrupamento, sobretudo enquanto entidade com objetivos claros e comuns e mesmo como uma empresa, distribuindo tarefas bem definidas e provendo seu próprio sustento. Infelizmente carecemos desse entendimento e nos vangloriamos amadores no sentido menor do termo, tirando do bolso a produção de nossas pecinhas e juntando a renda da bilheteria pra comprar três cervejas, dois refris e tira-gosto de mortadela. E o pior é que muitos se satisfazem em trabalhar por comida, criando um vício nos contratantes que oferecem cachês missérimos porque sabem que se um não aceitar outros dez aceitarão. E trabalhos de qualidade vão para o limbo porque não conseguem se manter enquanto o entulho vai amontoando.
No cerne desse problema está uma multidão de gente medrosa e tímida que ainda não entendeu teatro como trabalho: com responsabilidades, horários, normas, necessidades, investimentos e até algum sacrifício. Se a estabilidade de uma empresa mais formal demora a chegar, avalie de uma companhia teatral?
Nessa busca por leite e mel, horas incontáveis de sexo e reconhecimento público muitos se decepcionam e abandonam tudo, criando algumas situações constrangedoras. Os cursos, mini-cursos, oficinas, workshops, palestras sobre teatro ficam cheias de pessoas ávidas, desinibidas, descoladas, ou extremamente tímidas querendo se soltar, ou que alguém disse que leva jeito pra coisa, ou que foi porque a namorada também vai, ou porque não tem mais vaga no curso de reike freudiano de linha branca. Se é só um dia, depois de algumas horas, mais da metade já sentou contra a parede. Se o negócio é mais sério e leva dias, ou anos, apenas meia dúzia de seis pessoas resistem e desses, uns dois, quem sabe três conseguem o entendimento real dessa profissão e se não podem viver exclusivamente dela (um sonho dourado nosso!), pelo menos a tem como algo se não prioritário, relevante. Estabelecem uma rotina de ensaios, lêem exaustivamente, pesquisam e dividem com a equipe seus conhecimentos, assumem tarefas burocráticas que garantam o funcionamento do grupo e rendimentos que lhes são diretamente interessantes; mantêm um clima de harmonia tentando herculeanente não deixar o ego, o orgulho, a vaidade falar mais alto. Ou o que é pior, mais baixo, aos cochichos, pelos cantos, nos pés dos ouvidos, que fulano é isso, que sicrano é aquilo, que beltrano podia-devia-seria.
Muito povo vem e a gente até quer ter todos por perto, achando mesmo que quantidade é sinônimo de qualidade. Ledo engano. Só com aqueles verdadeiramente valorosos é que venceremos.
Antes de investir tempo, dinheiro, trabalho próprio e alheio, pensa: Eu realmente quero isso? Pesquisa primeiro como é que funcionam as companhias, como são montados os espetáculos, os protocolos determinados para geri-los, no macro e no micro, que meu grupo de amigos não é, necessariamente, meu grupo de trabalho, ainda que meu grupo de trabalho precise ser um grupo fraterno. Veja suas próprias necessidades e disponibilidades, que essa é uma Arte difícil e um ofício ainda mais que hoje te paga mil reais por 10 minutos de cena e que por semanas vai te exigir grana de ônibus (tô falando da minha realidade), redistribuição de horários e alguma insônia.
Se ainda não é o teu momento, mesmo que ames, que querias, que até entendas o teatro, paciência. Façamos escolhas e escolhamos o que naquele momento é o que nos fará feliz. Continuaremos amigos. Mas pra frente, quem sabe não dá certo?!

Nenhum comentário: