sábado, dezembro 13, 2008

EU 18


Ele era o zelador. Tinha outros adjetivos e substantivos. Nada significativo.
Estava lá quando chegávamos, ia e vinha enquanto estávamos, mas eu nunca tinha reparado que ele permanecia quando saíamos.
Até aquela noite.
Inconformado com o que eu considerava uma performance medíocre, ficara no camarim até ouvir última porta bater e diante do espelho iluminado buscava o tom que me igualaria aos companheiros de cena. Sozinho, no entanto, eu apenas repetia falas.
Irritado, joguei o texto sobre a bancada espalhando maquiagem e um copo com água inadvertidamente esquecido. Sequei tudo com papel-toalha e pragas, arrumando depois com esmero os lápis, sombras, pancakes, esponjas.
Foi ao passar pelas coxias que eu vi o zelador. Acendera um foco branco sobre si mesmo, círculo perfeito, e com sua vassoura fazia a cena que tanto me inquietava. Seu corpo se movimentava pequeno e preciso, nenhum gesto fora do lugar. A destra segurava a vassoura com força, o braço tensionado, mas sem apertar o cabo, ou amassar os pêlos contra o chão. A outra mão num gesto congelado de quem se despede, permanecia no ar. Seguia com a fala e descia o corpo, sentando-se por fim e depondo a vassoura no colo, descendo finalmente a mão para acariciar a madeira tosca, levando-a depois para o chão, usando-a como apoio para o corpo que descia mais ou menos lento, subindo rápido, descendo novamente. Por fim deitou-se, a parceira de trabalho (e agora de cena) ao lado. Respirou profundamente três vezes e movimentando apenas os lábios, terminou as falas.
Para si mesmo murmurou vivas e aplausos. Levantou-se solene e solene ergueu sua companheira inclinando-se ambos para as cadeiras vazias. Lágrimas nos olhos, não resisti ao aplauso. Ele me olhou apavorado como se pego no maior dos crimes e depois de balbuciar um “...o senhor me desculpe... eu não tive a intenção...” sumiu na escuridão do teatro e eu não consegui encontrá-lo em lugar algum. Queria lhe dizer da minha admiração e que ele tivera toda a intenção sim. Lembrava-o agora parado e atento por trás das panadas. Vira-o dançar com a vassoura, mas creditara a varrição do muito pó. Ouvira-o murmurar e atribuíra ao cansaço, à aporrinhação.
No dia seguinte, deitado ao lado da minha parceira, Black-out, ouvi os aplausos ruidosos da platéia. Enquanto agradecíamos perfilados, apontei para as coxias e fiz uma mesura. Ninguém entendeu.
O zelador foi mais para o fundo e sumiu na escuridão e eu não o encontrei mais na saída do teatro.

HUDSON ANDRADE
11 de dezembro de 2008, 12h43. Revisado em 13 de dezembro de 2008, 11h40.

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