Apaga-te, ó delicada chama! Apaga-te!A vida é sombra passageira. Um mísero ator que chega, agita a cena inteira, diz sua fala e sai. e ninguém mais o nota. MACBETH (William Shakespeare)
sábado, dezembro 06, 2008
BROCARDOS (06)
A situação é muito simples. Chega o final do mês e tu diligentemente te encaminhas para o Departamento de Pessoal, recebes o contra-cheque (ou holerite, ou envelopinho, enfim...), assinas e ao devolver ao encarregado, devolves também o dinheiro que te foi oferecido. “Não, muito obrigado. Isso não é necessário!”, saindo logo depois feliz e sorridente para mais uma jornada de oito horas.
Essa situação é irreal até mesmo em Dubai e ninguém em sã consciência, ninguém, repito, sequer sonhou em tomar essa atitude. No entanto, é exatamente o que querem que eu faça: que eu trabalhe, me esforce, use meu tempo, meu físico, minha mente, enfrente engarrafamentos, falta de transporte público, de infra-estrutura, de apoio, de vergonha e ao final de tudo ofereça “de grátis” o meu produto!
Deixa eu ser mais claro. Sou ator. Tenho uma companhia de teatro. Temos toda uma rotina de preparação e ensaios e tudo o mais quando estamos numa nova montagem, numa remontagem, pesquisando um novo projeto, etc. Nenhuma produção leva um mês, dois, pra ficar pronta e mesmo quando algumas estréiam precisam continuar a ser buriladas para um resultado mais interessante. São muitas horas de atividade e poucas de sono! Não reclamo, não. É o que gosto de fazer. É o que digo que sei fazer e faço porque acredito e porque quero. Agora queres me ver descer das tamancas, tufar a veia do pescoço como diz um grande e querido amigo, é quando ao convidar alguém para a apresentação que levou toda essa novela pra acontecer a criatura diz: Tem de pagar? Ou pior: Tens cortesia, ou convite? Ou pior ainda: Arranja duas entradas aí que eu vou levar uma pessoa comigo!
Puta que o pariu! Só consigo pensar em mandar o sujeito (a) tomar onde o sol não bate! E não é piada da figura, não! É seríssimo! E se ofende quando eu digo que o ingresso é tanto! E em Belém o ingresso mais caro cobrado por um espetáculo local é R$ 20,00 (vinte reais). Um pouco mais que um ingresso de cinema, penso, que faz tempo que não vou a uma sessão. Sete, ou oito cervejas sem tira-gosto, uma pizza escrota, 10% de um abadá para os três dias de Pará Folia. A maioria dos ingressos custa mesmo R$ 10,00 (dez reais), menos de 1/6 do ingresso de Dona Flor e Seus Dois Maridos que lotou o Theatro da Paz no primeiro final de semana de novembro e que ganhou ainda três sessões extras. O motivo? Atores globais e a bunda do Marcelo Faria (e talvez algo mais!). Não vi o espetáculo e não posso julgar seus méritos, mas posso questionar essa eterna sensação de que a grama do vizinho é mais verde! E nem são meus vizinhos. Os caras ficam lá pra baixo e nem sabem que a gente existe e que produzimos espetáculos de excelente qualidade. Levo em consideração, claro, que pra trazer uma produção dessas pra esse fim de mundo é um osso duro de roer. A equipe, os cenários, equipamentos, elenco. E não dá pra vir de bonde. É pelo céu mesmo. Some-se a isso o aluguel do teatro, alimentação, etc... soma-se dois, caiu um, veio sete, noves fora e o preço é esse mesmo! E talvez nem seja o preço justo!
Alguém já tentou alugar um teatro em Belém? Quem já tentou sabe as dificuldades. E não é só grana, mas a falta de equipamentos, técnicos, disposição, respeito. A administração desses locais (de alguns pelo menos) não entendem sequer o que estão fazendo ali. Acham que eu posso entrar no teatro no dia da minha apresentação, algumas horas antes, montar tudo, ensaiar num espaço novo e ao final de tudo ter cerca de 90 minutos pra botar tudo nas costas e liberar o espaço. Acha pouco. É só pagar mais. No Da Paz a hora de ensaio custa (custava, sei lá!) R$ 500,00 e tem uma hoje, outra daqui dois dias, depois mais uma semana, sendo uma de tarde e as outras de manhã. Pergunto: quem determinou isso conhece a dinâmica de ensaio de uma peça teatral? Claro que não. Age como um mau administrador que visa apenas o lucro com o uso do espaço e está naquela cadeira só porque alguém botou.
Daí euzinho quero levar meu espetáculo pra lá, mas ele não se encaixa nos padrões elevadíssimos da nossa maior casa de espetáculos. A bunda do Faria e o carão da Carol Castro cabem! Então eu tento levar pra outro teatro, do governo, e caio numa fila enorme porque outros como eu estão querendo a mesma coisa. E é justo que queiram! Última alternativa, um teatro pequeno, mas particular: se eu pagá-lo, não tenho figurino nem luz nem nem, porque não tenho apoio que banca isso tudo. Se eu insistir e jogar todo esse bolo, contabilizar, ratear, dividir, enxugar, apertar, meu ingresso vai custar uns R$ 50,00. Isso pra não ter lucro!
Aí vem a criatura e diz: Tudo isso?! Qual é o nome do grupo de vocês mesmo? Vocês já se apresentaram fora daqui? Tá, eu acho que vou no domingo! E sai pra tomar sete, ou oito cervejas sem tira-gosto. Ou comer uma pizza escrota!
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3 comentários:
Caro Hud! Como ator e diretor de teatro tenho convivido diretamente com a angustiante realidade de se fazer teatro e, aqui e ali, passar pelo incontinete drama de ter de avaliar o seu próprio espetáculo! Quanto vale o nosso trabalho X Quanto o público estará disposto a pagar por ele! Como sabemos, arte e especulação andam juntas! Não posso negar que estamos em maus lençóis! Não possuímos ainda, mída avidamente comprometida em divulgar teatro em Belém!Não possuimos nenhum crítico que recomende o espetáculo ou faça a cabeça do público ou estimule sua conferência! Somos obrigados a ser críticos e propagandistas de nós mesmos! Nosso valor, somos nós mesmos que damos! Quantos filmes americanos assistimos, em que após a estréia de um espetáculo, todo o elenco e a produção eperava avidamente pela crítica nos jornais do do dia seguinte para saber se a peça iria continuar em cartaz ou não! E assim, nessa expectativa nasceu a Broadway! Em todo brasil é a mesma coisa! Ninguém consegue competir com os globais! Como dizer que 20 paus é um preço justo para alguém que prefere o glamour de ser visto assistindo um peça global no Teatro da Paz? Olha só como o fulano é culto! E eu também que estou aqui! O paraense gosta de teatro e quando viaja, vai assistir todos os besteiróis da vida no Rio ou em São Paulo e acha o máximo comentar que foi!Pagam com gratidão 40 paus e até acham barato. Lá a luta é para ordenar o valor das meias e o passe livre para idosos criando o sistema de quotas! Pois lá, a mídia já esta´doutrinada e sabe que as pessoas compram jornais pra ver que peças estão em cartaz e quantas estrelas estão cotadas pela crítica! Por fim, entendo que a questão não é saber se é caro ou barato 20 reais por um espetáculo paraense de teatro! Mas fazer um preço comum e que todos se acostumem com o tempo, mesmo que no princípio seja duro! No fim, todos deverão saber que para ver teatro em belém o preço é X, E também trabalhar a cabeça da mídia contantemente. O resto, quem sabe se valeu a pena ter pago o preço, é o público.
Rapa,acho o seguinte: pensa bem, comer uma pizza escrota, tomar umas cervejas casualmente, pagar uma parcela de um abadá. São coisas que não exigem muito de nossa mente. A gente quer diversão e não arte. Por isso a bunda do Marcelo (sei lá o que) faz mas sucesso. Tá certo!!! Esse negocio de teatro dá muito trabalho, a gente tem que pensar o que os loucos dos diretores pesquisaram, procurar sentir a tal poesia que eles insistem em dizer que está lá. E ainda por cima pagar por tudo isso??? Ah, ai já é demais. Repito: AGENTE QUER "DIVERSÃO" E NÃO ARTE!!!
Edson Fernando (ator e diretor teatral de uma terrinha mediocre chamada Belém do pará)
Achei o post justíssimo. Como diria Dona Monte, "não é fácil, é estranho"... Integro um grupo de teatro da Escola de Aplicação da UFPA e recentemente apresentamos um espetáculo no SESI... o que, não era pra falar o nome? Bah, vá tomar no olho do... Obama! Quer papas na língua, procure um otorrino, caboco! Então, nós sentimos na pele tudo o que o Hud mencionou. Eu ia contar do transtorno que foi depender da boa vontade, mesmo eu dizendo "tô pagaaaaaaaaanu", dos técnicos do teatro pra podermos usar os equipamentos de lá, mas lembrei que ainda temos os "nossos" técnicos pra pagar, o que poderia ter sido feito com folgas se não tivéssemos pago os 500 paus por dia de apresentação... Eu ia contar do quanto foi cansativo ter que arrumar a casa deles, desmontar cenário e equipamentos, no tempo em que eles estipularam, sendo que a gente deixou o piso melhor do que encontramos, mas fiquei com calor só de lembrar do ar condicionado que mal e porcamente funcionou, dos banheiros tão pequenos e fedidos quanto merda de barata e do deserto do Saara, que não tem nada a ver com história. Eu ia mencionar inclusive o livrinho que eles entregam pra gente escrever sobre a experiência de ter usado o teatro... bobagem, umas poucas páginas escritas, 10% elogio (nunca faltou água) e 90% reclamação, pra, quem sabe, alguém se divertir lendo...
Admiro a coragem dos grupos de teatro daqui de Belém, admiro não, tenho orgulho de ser paraense ao ver a qualidade de muitos espetáculos, qualidade que não depende de figurino ou outros detalhes técnicos. Ainda que o pensamento vigente seja o do "pão e circo", porra, que venha o circo difamar as provas do poder! Que venham os palhaços! O que não admiro é a woodface do povo, aliás, a falta de vontade de acabar com essa woodface, esse pensamento "0800", pensamento "meia-entrada" (sem ofenças), pensamento "pague3leve4", enfim, essa idéia absurda de querer qualquer coisa desde que custe pouco. Droga, qual é o valor que se coloca num riso, numa lágrima, numa frase dita a meia luz? Acho que esse pensamento, que toma conta da massa de nossa capital (o resultado das eleições está aí), tende a virar um famigerado buraco negro se não for contido a tempo.
Contradizendo o que acabo de escrever, existe o pensamento de que a grama do vizinho é mais verde, de que o que vem de fora é melhor, mais bonito, mais light. "Se for mais caro, e daí? Parcelo no MerdCard". Afinal, pra Nando Reis a 80, Roupa Nova a 100, Ivete Sangalo, sei lá, a gente paga, né? A gente gosta de pagar pra eles! "Puxa, os espetáculos daqui da capital são tão xumbregas..." Ou o cara diz "eu não vou num espetáculo a 10 reais, deve ser podre! Ver aquele povo todo suando e se matando pra fazer a gente rir é sofrimento demais..." ou "vou pra ajudar meu amigo...", o que apesar de um gesto bonito pro amigo, acaba por não valorizar o trabalho do amigo. Se soubessem o quanto dói botar preço pra atrair público...
Ao mesmo tempo, se a Orquestra Sinfônica se apresenta, daqui ou de outro lugar, ou um pianista como o Moreira Lima, quem tá lá? Pouca gente! o.O
Vai entender cabeça de doido... Eu, hein! Sai pra lá, carniça!
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