Faz um tempo considerável que não vou ao cinema e o maior motivo disso é a baixa produção cinematográfica atual. Sempre me questionei quanto à indústria americana que tem dinheiro pra investir em cada porcaria que meu-pai-do-céu! Enquanto comércio eu tenho certeza que eles têm consciência o que estão fazendo. Sabem que tem público pra comédias românticas, ou adolescentes, sexualidade mal-resolvido, ou irrefletida, muita pancadaria, melodrama e mensagens de como o mundo poderia ser melhor se todos nos curvássemos a eles. Tudo isso com grossas camadas de glacê, calda, cereja e confeito colorido! Por conta da minha dieta restritiva, declino da oferta!
Mas ontem decidi quebrar meu jejum e prestigiar a prata da casa. Saí embaixo de um toró paraense pra assistir Tropa de Elite. Tem gente falando bem – a maioria – e outros falando mal. Sempre! Decidi tirar minhas próprias conclusões e fui ao cinema, como acho que deve ser, apesar de dois terços dos meus amigos já terem visto o filme por “3 real”.
Com direção e roteiro de José Padilha (Ônibus 174) e com o excelente Wagner Moura (capitão Nascimento) encabeçando o elenco que tem ainda André Ramiro (André Matias), Caio Junqueira (Neto), Maria Ribeiro (Rosane), Fernanda Machado (Maria) e Milhen Cortaz (capitão Fábio), o filme conta a trajetória de Nascimento, capitão do Batalhão de Operações Especiais (BOPE) do Rio de Janeiro, os Caveiras, na busca de um homem à altura de substituí-lo no comando de sua tropa. Dividido entre a esposa às vésperas de ter seu primeiro filho, uma missão que ele considera insana e um senso de dever e justiça muito próprios, Nascimento vai se aproximando perigosamente de um limite que na sua função, seria fatal.
Enquanto produto cinematográfico, Tropa de Elite é um ótimo filme, apesar dos sempre presentes problemas de som e aqueles buracos comuns nos roteiros: pra onde foi a família de Nascimento? Ou isso não importa? Pra linha mestra do filme, não. Para quem se identificou com o capitão, talvez. E o maconheirozinho que provoca, por vingança, a morte do aspirante Neto? Depois da surra em uma dessas passeatas pela paz – ação onde André Matias reforça todo o imaginário sobre violência e arbitrariedade da polícia que ele próprio negara anteriormente -, o personagem some pra nunca mais. Pequenas coisas talvez, mas que não passam despercebidas.
Voltando: é muito bom ver o cinema nacional maduro, falando de coisas que lhe são próprias, sem tentar encampar ideais estéticos e falas alheias. Os americanos têm o Vietnam, nós, a ditadura militar. Os gringos têm seus serial killers, nós, os traficantes, a miséria, uma desesperança mulata, carnavalesca, girando na sujeira das periferias e aridez dos sertões como uma velha baiana na quarta-feira de cinzas. Tropa de Elite é um filme enxuto, interpretações de boas a excelentes, uma trilha sonora condizente e que jamais estará na minha estante, uma câmera nervosa que compartilha da nossa angústia morro acima, uma luz nublada, diversa dos cartões postais que aqui não têm espaço. Tropa de Elite é um filme maniqueísta. E ele se diz assim na fala do próprio Nascimento: polícia no Rio de Janeiro ou é corrupta, ou é honesta, ou mete a cara. Bandido é bandido e bem melhor se estiver morto! Infelizmente não dá pra não ser maniqueísta. O roteiro constrói personagens a quem não se dá o direito de escolha, com nuances de personalidade muito pálidas, como os deuses do Olimpo, invejosos dos homens mortais que podem ser o que quiserem. Nascimento é um desses deuses, criado para ser eficiente, honesto, inflexível, objetivo, mas que deseja um domingo de sol com a esposa e filho na beira da praia de um Rio de Janeiro que continua lindo. Que continua sendo...Padilha, no entanto, nos brinda com uma pequena jóia. Assistir Tropa de Elite é um exercício de entregar-se, ou de recuar. Queira o não queria, o estômago vai estar sempre embrulhado e é bom que seja assim. Os risos nervosos da platéia, o silêncio, o mexer-se na cadeira dizem que aquilo nos diz respeito. Parabéns, Padilha. Missão dada. Missão cumprida!
4 comentários:
Não acho que a questão da família do Nascimento fosse importante. Eles foram embora e pronto. O cara vai ter que ralar para merecê-los de novo. O que mais me chamou a atenção foi o fato de ele aparentemente não se perturbar: assim que terminar minha missão (matar Baiano), vou lá (seja onde for) e resolvo a parada.
Quanto ao maconheirinho, a edição do filme não lhe dava mais espaço. A surra acontece quase no final e dali por diante a preocupação toda é com matar Baiano, o que para Nascimento significava provar o "valor" (?) de Matias e poder partir definitivamente daquela vida.
O filme pode ser maniqueísta, mas até duvido que se conseguisse evitá-lo. Tudo, absolutamente que se fala neste país, hoje, acerca de criminalidade, violência ou polícia é maniqueísta, ingênuo ou burro, mesmo. Além do mais, o filme adveio de um livro cujo autor era capitão do BOPE. Ninguém negou que seria mostrada essa visão, especificamente. Nesse ponto, considero Padilha bastante honesto.
Gostei muito do filme e fiz um comentário sobre ele em meu blog, naturalmente mais preocupado com a temática criminal em si, por ser a minha praia. Inté.
A questão da família dele era importante sim. Afinal, pra que um substituto? Conseguilo não tiraria Nascimento daquela lida? E quando ele não consegue o substituto em Neto e fala pra esposa que o amigo tem prioridade porque "tem dois filhos!". Importante sim, mas não pro filme, como fica sem solução a compra de crianças para venda de orgãos em Central do Brasil e tantas arestas em Anjos do Sol.
Quanto ao espaço na edição do filme, eles que se resolvam, ou não botem elementos que vão ser meramente figurativos!
Obrigado pelo comentário.
Beijos!!!
"homem de preto, qual é tua missão..................deixar corpo no chão!"
depois dessa chuva de balas, cheguei a uma conclusão, adoro essa
mistura de ficção e documentário quase jornalistico no cinema!sou
fissurada por tv e pronto!
mas, vamos aos corpos:
sem duvida que estava faltando no cinema, nas letras de rock, nas
pesquisas e relatórios de organismos não governamental, nas noticias
de tv. o ponto de vista desse homem policial! e essa é sem dúvida a
primeira bala!
e ele vem de primeira mostrando que mãe é mãe, paca é paca mas,pro
teu olho.........é tudo vaca!corrupção do sistema.....nem novidade e
nem justificativa!
o resto é guerra, de informações, de empurrar responsabilidades, de
falta absoluta de opções, de crueldade! e boomm a catarse! sim a boa
e velha catarse do teatro grego! a tua, minha, nossa absoluta
sensação de impotência diaria frente aos noticiários é aliviada
por ele(não poderia ser outro) o queridíssimo Wagner Moura! salve a
cena nacional!beijinhos.
Postagem originalmente enviada por KARINE JANSEN para meu e-mail.
Achei interessante o destaque que você deu a questão dos personagens no filme: trabalhar bem os personagens, ser coerente; inclusive a comparação do tal capitão com os deuses gregos. Na verdade, parece que o diretor é quem agiu como um deus grego, usando os personagens a seu prazer. Isso me faz pensar na nossa responsabilidade como autores/escritores. Que tipo de personagem eu estou criando? O que faço com ele? Como o apresento a quem me lê? O escritor é como um deus - ou um dr. Frankenstein. Clarice Lispector e Pirandello falam dessa responsabilidade criativa com os personagens. Isso daria um ótimo tema para uma oficina de criação literária, hum?
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