quinta-feira, abril 12, 2007

EU 3

Subi as escadas pesado. Sapatos nas mãos, livros no sovaco.
A porta do meu quarto escuro, aberta e convidativa, anunciava cama, sono e repouso há muito esperados.
Mal eu entrara no quarto e a luz se acendera, senti o impacto seco e estalado sobre a boca. Assustado, respiração presa, olhei em volta. Nada! Imediatamente o cérebro raciocinou: uma barata! Daquelas enormes, pretas e voadoras, que Satanás botou na Terra pra separar homens de meninos e pôr à prova as mulheres.
Mas onde estaria a desgraçada?
Patético, fiquei girando em torno de mim, olhando carrancudo cada canto, enquanto a manga da camisa esfregava repetidamente os lábios, tentando livrá-los da imundície daquele que e o mais asqueroso de todos os insetos. (Claro que eu odeio infinitamente mais as aranhas, mas estas, apesar de artrópodes, não são insetos, mas aracnídeos da ordem araneidos.)
Pois bem. Patético, fiquei girando em torno de mim, olhando carrancudo cada canto, quando um arrepio percorreu minha espinha. Matreira, a barata saía de dentro do sapato que eu segurava e subia vitoriosa pelo meu braço. Eu tinha lhe dado guarita; eu lhe dera asilo. Agora ela reclamava aconchego.
Agitei os braços lançando inseto, sapatos e raiva pra longe. A barata caiu no chão, arrumou as asas cor de sombra, aprumou as antenas e fixou os ocelos em mim. Durante vários minutos ficamos assim, face-off, inimigos declarados. Eu, animália, primata, superior em tudo, raça dominante pela tecnologia e inteligência, visão em cores, fala articulada, inconsciente de mim. No canto oposto ela, a barata, animália, blattaria, apenas alguns gramas, de uma classe numericamente capaz de dominar meu mundo civilizado, rudimentos de sistema nervoso, inconsciente de si.
Não éramos, afinal, tão diversos um do outro.
Ainda assim exigia o mundo que eu a destruísse e prevalecesse sobre a mesquinhez da sua existência. Avancei lento, apanhei um dos sapatos. Empertiguei o corpo. A barata agitou as asas, pulou para a parede e dali para a janela aberta, à escuridão e ao vento fresco da madrugada.
Eu fiquei ali parado contra as grades do meu quarto, enfim vencido.
Sem poder voar, minha inconsciência pesava mais que meus exaustos passos escada acima.

10.abril.2007 – 10h56
Modificado em 12.abril.2007 – 02h04

2 comentários:

Anônimo disse...

ai q me deu gastura!

Hudson Andrade disse...

O que vale é a emoção. Não impora qual?
Beijos, e obrigado!