quarta-feira, abril 04, 2007

AH, SENHOR, A VAIDADE!

Muito já se falou deste que é um dos sete Pecados Capitais e nas artes ele parece assumir um caráter quase de obrigatoriedade. Astros e estrelas se esmeram em exigências absurdas e comportamentos anti-éticos em nome de suas famas, crentes no poder que lhes foi outorgado pela admiração pública. Julgam que podem agir livremente, quando em verdade precisam ter o dobro da responsabilidade.
Não foi nem um nem dois que tombou! Um caso clássico é do Kevin Costner, alguém que eu julgava um bom ator e que fez filmes que me encantaram e emocionaram, só pra citar Dança com Lobos, um dos primeiros exemplares desses filmes (dizque) proposta falados em línguas diversas do inglês, idioma oficial dos egípcios da I Dinastia aos Klingons. Com O Segredo das Águas e O Carteiro ele enterrou sua carreira com os milhões investidos numa megalomania suja e feia. Recentemente uma crítica sobre Superman – O Retorno, comentava a vaidade do diretor Brian Singer – outro que eu considero um ótimo profissional e que afirmava, nunca tinha me decepcionado – em fazer do Escoteiro de Metrópolis em deus, em cenas que traçavam paralelos esdrúxulos entre ele e o Cristo, além de outros pecados. Penso que Singer errou feio mesmo, da escolha do elenco ao uso spilbergueriano do cinema.
Então vislumbrei mais uma queda: Apocalypto, de Mel Gibson, é um filme horroroso! O americano criado na Austrália fez uma carreira brilhante em Hollywood. Começou sendo dublado em Mad Max, porque ninguém entendia o que ele dizia no inglês “complicado” da Oceania, passando por momentos memoráveis do cinema-pipoca – os tantos Máquina Mortífera – até a fundação de sua produtora, a Icon. Gibson fez de tudo: drama, comédia, suspense e até Shakespeare. Produziu, dirigiu e protagonizou um dos campeões do Oscar, Coração Valente, desses épicos tão bons que não podem ter continuação. Daí investiu nas línguas mortas e levou às telas em aramaico e latim A Paixão de Cristo, onde já brotava a semente da árvore na qual ele se enforcaria. Sectarista religioso e extremista foram adjetivos que se juntaram ao homofóbico e intransigente, mas o alarido em torno do filme só fez aumentar a propaganda e os outros estúdios, espertamente, inauguraram setores que trabalhariam filmes com temáticas semelhantes, ainda que menos, digamos, artísticos, para garantir o leite das crianças e colaborar com a evolução moral da humanidade.
Apocalypto deveria mostrar outra dessas histórias de sofrimento e dor e começa com uma frase que demonstraria a que o filme veio: “Uma nação só pode ser destruída se já estiver consumida por dentro”. Mais ou menos isso! O que se vê, no entanto, é uma piada de péssimo gosto, com referências sexuais dignas de A Turma do Didi, filosofia de almanaque, atuações inspiradas nas modelos das novelas globais das oito; filmado com um grande contingente de populares, falado nas línguas nativas, o filme começa num ritmo lento, apresentando aqueles que seriam as vítimas dos vilões malvados e facínoras como um povo alegre, orgulhoso de sua força e tradição, familiar, amoroso. No segundo momento, somos apresentados ao lado negro da força: os maias, gente sem coração (será por isso que eles arrancam o dos outros?!), violenta, debochada, sensual, supersticiosa, canalha mesmo! Nesses dois momentos vemos os cenários pífios – digitais, ou de pau a pique, mas pífios. Daí começa o momento corra-lola-corra (sem o charme germânico) e o típico cinema americano: o exército de um homem só, abatido, ferido, de quem se tirou tudo, ou quase tudo, que depois de levar muita peia destrói na moral a cambada que o persegue. O filme termina onde a propaganda dizia que ele começaria: a chegada dos espanhóis, o verdadeiro inimigo, mas daí já tinham passado umas duas horas e seria necessária uma continuação, que Deus nos proteja! A imensa samaumeira que tomba lá pelas tantas (pra que essa cena mesmo?) há de erguer-se para servir de cadafalso ao cara que sabe o que as mulheres gostam.
No começo deste texto eu falava da vaidade. Mel Gibson em Apocalypto é um típico exemplo disso. Outros tantos artistas criam obras que só eles mesmos entendem. Defendo que a avaliação de uma obra de arte seja antes sentimento do que razão e que o distinto público não precisa entender de escalas cromáticas, semi-tons, etnocenologia para apreciá-las. Igualmente defendo que é preciso pensar no público, a fim de evitar resultados tão obscuros, acessíveis quiçá à pitonisa de Delfos. Da mesma forma defendo que precisamos tirar a platéia da mesmice. Dia desses fui chamado de vaidoso por defender um trabalho que fugisse do lugar-comum, porque esse lugar-comum é o que o público deseja. O povo que assiste Pé na Jaca, talvez. Acredito que as fórmulas requentadas das novelas – atualmente o pior produto da cultura de massa em exibição na TV – são a porta larga depois de um dia exaustivo de escritórios e paradas de ônibus. Mas a ousadia não seria bem vinda? Pequenas jóias produzidas aqui e ali não encantam pela antevisão do novo e/ou do diferente?
Ao fugir do clichê podemos sim optar pelo hermetismo e do alto da nossa arrogância exigir que as pessoas subam ao nosso empíreo por um fio de teia. Mas igualmente podemos oferecer-lhes novos sabores, como descobrir que a melhor canção do CD não é aquela que toca na rádio.
A vaidade é sim inerente ao artista, pela busca do belo e do perfeito. Pecamos porque ao filtrar o belo e o bom pelos nossos humores mortais conseguimos apenas resultados pálidos que, no entanto, enfiamos goela abaixo do povo, sem discernimento.
Contraditoriamente, não defendo que haja algo de bom na vaidade, mas abraço a causa da busca, do experimento; de buscar as pérolas no fundo do mar escuro, mesmo que à custa de todo o ar do nosso peito.

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