Cada vez que olhamos uma coisa, ela ganha um novo significado. Talvez por isso o poeta Sthépane Mallarmé tenha dito que nomear um objeto é destruir três quartos do prazer que reside no adivinhar gradual de sua verdadeira natureza.
Quantas vezes eu já não havia lido os poemas de Cruz e Sousa (1861 – 1898), poeta catarinente que introduziu em nosso país o simbolismo e foi o seu representante mais significativo. De influências realistas, compôs textos marcados por profundo pessimismo e materialismo; dos parnasianos, demonstrou excessiva preocupação com a forma. Aliás, a forma era algo de profunda importância para os simbolistas, com a poesia e a música expressando os mistérios da alma humana. Não é à toa que as aliterações tão comuns nos textos simbolistas nos remetem a uma musicalidade que por vezes extrapola o próprio sentido das palavras. Quantas vezes não tinha eu lido seus versos, gostado sim, mas nunca apreendido um sentido mais profundo em suas palavras. Nunca tinha me identificado com ele e com sua poesia como me envolvi recentemente. Na busca de material para um novo espetáculo da Companhia Teatral Nós Outros garimpávamos vários autores na busca de textos e idéias. Encarreguei-me do Cruz e Souza porque disse que queria falar sobre gente e ele pareceu que me proporcionaria isso, que também tenho lá minhas inclinações pessimistas.
E como o próprio poeta desci aos seus infernos de sombras e azeites, não para encontrar Baudelaire, mas para achar a mim mesmo capro e revel, com os fabulosos cornos, num momento de saudade e tédio, de grande tédio e singular saudade (...) já das culpas sem remédio. E me vi lendo por todos os lados, em casa, ônibus, consultórios, ruas e em voz alta, que não há como ler um poema sem escutar a própria voz que o canta. E lê-los repetidamente, porque a cada nova leitura a tal música simbolista aparecia em acordes diferentes e eu, ator, queria saber como ela seria melhor executada.
E fiquei absolutamente fascinado. Absolutamente atado por uma trança negra e desmanchada a essa flor branca como um jarmim-do-Cabo cujo perfume me inquietou sobremaneira.
Inicialmente não mais levaremos Cruz e Sousa aos palcos. Pelo menos não por enquanto. O diretor deste espetáculo, Adriano Barroso, crê que nos falta estofo e entende nossa ansiedade (minha ansiedade!) em querer experimentar novos campos além do que tenho feito. Seu conselho reside em aprofundar mais em mim mesmo, como pessoa e sobretudo como profissional do teatro, para dar um passo tão largo com absoluta segurança. Experimentar sempre se pode, mas os resultados poderiam ser questionados e pesa o nome daquele eleito para nos dar as palavras que sairiam de nossas bocas. Acedi. Iniciamos um processo muito interessante de estudo do que é o teatro e suas muitas nuances e possibilidades. Na verdade, retomamos o que fizéramos em Medéia – A tragédia do feminino ultrajado, agora com maior maturidade e leveza e um desejo muito maior de fazer do teatro a arte de pescar homens e conduzi-los pela mão a um labirinto onde tudo o que existe é o que ele – homem comum – quer ser, mas não pode. Ou não deixam!
Cada vez mais essa arte - minha arte! – se entranha em mim e cria frutos, meu caminho onde encontra-se o tesouro pelo qual tantas almas estremecem. Mais eu descubro que quero ser ator e que isso é o que melhor eu sei fazer e quero compartilhar isso com o mundo, seja pelo simbolismo do Cruz e Souza, pela prosa urbana, solitária e caminhante de Caio F., pelos desvios trágicos de heróis, ou semi-deuses e nos qüiproquós vitorianos. Quero afundar o povo desta cidade em Sertões e Amazônias, trancafiá-los em castelos, porões e matas escuras, cercá-los de anjos e demônios, fadas e feitiços, danças, mamulengos e muita música, aquisição recente e benfazeja da nossa companhia na figura de quatro criaturas de talento ímpar e ainda desconhecido.
Vamos nos encontrar pra que eu lhes mostre objetos estranhos e palavras aparentemente sem sentido, para que cada um de vós possa descobrir (-se).
E gozar do vinho sempiterno de Baco.
Evoé!!!
Despeço-me com dois momentos muito distintos de Cruz e Souza: um quando ele ainda vivia sobre a Terra e outro, pela psicografia de Francisco Cândido Xavier, coletado do Parnaso de Além-Túmulo, primeiro livro publicado pelo médium mineiro.
Anima Mea (Últimos Sonetos, 1905)
Ó, minh´alma, ó, minh´alma, ó, meu Abrigo,
meu sol e minha sombra peregrina,
luz imortal que os mundos ilumina
do velho Sonho, meu fiel Amigo;
Estrada ideal de São Tiago, antigo
templo da minha Fé, casta e divina,
de onde é que vem toda esta mágoa fina
que é, no entanto, consolo e que eu bendigo?
De onde é que vem tanta esperança vaga,
de onde vem tanto anseio que me alaga,
tanta diluída e sempiterna mágoa?
Ah! de onde vem toda essa estranha essência
De tanta misteriosa transcendência,
Que estes olhos me deixa rasos de água?!
Alma Livre (Parnaso de Além-Túmulo, 1978)
Um soluço divino de alegria
Percorre a todo Espírito liberto
Das pesadas cadeias do deserto,
Desse mundo de sobra e de agonia.
A alma livre contempla o novo dia,
Longe das dores do passado incerto,
Mergulhada no esplêndido concerto
De outros mundos, que a luz acaricia!
Alma liberta, redimida e pura,
Vê a aurora, depois da noite escura,
Numa visão mirífica, superna...
Penetra o mundo da imortalidade,
Entre canções de luz e liberdade,
Forçando as portas da Beleza Eterna.
Citações dos poemas Satã e Serpente de Cabelos (Broquéis, 1893); Flor do Diabo (Faróis, 1900); Caminho da Glória (Últimos Sonetos, 1905) e de No Inferno, prosa poética publicada em Evocações (1897-1888)
2 comentários:
Bem vindo de volta ao blog, após problemas técnicos tão longos. Espero que não haja mais percalços. Aproveito para sugerir que faças o upgrade do blog, pois os novos modelos são mais variados e funcionais. Depois que mudei o meu, todo mundo elogiou a nova aparência, mais agradável aos olhos e fácil de ser lida.
Uma das coisas que me escreveram, e que me impressionou, foi que, mesmo quando o texto é bom, o leitor desiste de prosseguir por causa do cansaço que a página escura provoca. E a tua página é escura e cheia de variações cromáticas. Melhor suavizá-la.
Abraços.
Aprendi muito
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