domingo, maio 12, 2013

AINDA É CEDO

O Brasil foi descoberto em 1500 por Pedro Álvares Cabral e fizemos parte da coroa portuguesa até que D. Pedro I, num arroubo, proclamou a independência do país. Esse fato tão magnificamente retratado por Pedro Américo (1888), em exposição no Museu Paulista (antigo Ipiranga) hoje em dia equivaleria a um filho de governador tucano parar seu carrão em plena Doca atrapalhando o trânsito e, entre os nativos que tremem, gritar: “Aí, governo é o caralho! Ninguém manda em nóis. Borá caba queça treta!”. O povo daria vivas (alguém gritaria “leião” lá no meio) e todos quebrariam suas garrafas de bebida alcoólica. Depois voltariam aos seus ataques epiléticos e o filho do governador se candidataria a prefeito pelo partido de algum aliado do vizinho. Com Pedro I também não foi fácil: teve que pagar uma multa altíssima ao próprio pai por causa da graça. O Brasil esteve sob o jugo português até 1822 – o Pará um ano a mais. Nós, brasileiros nos acostumamos a ser colônia, em 1998 houve um plebiscito e é de admirar que não tenhamos votado na monarquia. Nada mudou na verdade porque esse evento foi mais um em que se gastaram e embolsaram os tubos e nós, povinho, agimos com o descaso de todo o sempre amém. Estamos acostumados a ser colônia e receber quinhão. Que outro país tem o rei do futebol, a rainha dos baixinhos, o rei da música, um rei disso e daquilo a cada semana, o rei da cocada preta? Que outro país se coloca tão de boamente no cabresto dos outros ditos poderosos em todos os setores da vida? Mentalidade de colono! Imaginamos um mundo lindo e toca a viver de novela e reality show buscando o belo (físico), o prazer (imediato), o idílico (heim?!). Aqui e ali espocam movimentos reformistas, mas eles apenas são uma outra forma de cadeia; um ato de rebeldia pura e anarquicamente vazia de uma ideologia que se queira pra viver. ........................................................................................................................................... Assistindo Somos tão Jovens (Brasil, 2013) me pus a pensar sobre todas essas coisas enquanto tentava me concentrar num filme que não consegue te prender a atenção por nada. Pior é que quando a plateia deseducada não consegue fixar algo, passa a conversar, mexer nos seus celulares congêneres, fazer piadocas, etc. Quem quer ver o filme ou espetáculo que vá para o diabo! Quando que eu podia imaginar que em 2013, com todo esse papo libertário e de igualdade de gêneros eu ouviria aquele “hmmm-hmmm-hi-hi-hi” quando Renato diz a um rapaz: “Eu gostaria de passar a noite com você!”? Pois bem. O filme de Antonio Carlos da Fontoura (cuja melhor lembrança é A Rainha Diaba, de 1974) vai irritar quem é fã, chatear quem não é, desagradar quem vai ao cinema porque-sim. O roteiro de Marcos Bernstein é de uma tolice e uma obviedade que fariam fulo o jovem e arrogante Rei-na-to Manfredini. Os nomes das canções da Legião Urbana saltando aqui e ali como falas do rapaz no melhor estilo Forrest Gump é risível e irritante. A trajetória do garoto de Brasília se minimaliza ao burguesinho que cresceu ouvindo Bach e Beethoven, foi alfabetizado nos EUA, lê filosofia e revistas francesas de cinema, trata sua sexualidade com a incerteza de uma criança dividida entre mashmellow e paçoquinha e que por viver no Tédio da ociosidade improdutiva, decide gritar contra o Sistema sem nunca – claro – se engajar positivamente contra ele nem sequer sair do conforto do lar, com um papai de regata sob a camisa e o cabelinho emplastrado e uma mamãe de laquê e avental. Tem uma irmã também, mas ela é apenas um elemento figurativo. Mais um dos muitos num filme de interpretações passáveis. Renato, Dinho, Herbert e armação ilimitada – vindos de Londres, indo pra Paris – transitam por suas vidinhas de filhos de militares, embaixadores, professores universitários e funcionários públicos federais, até que exaustos de nada, decidem virar punks cheirosinhos. Colonos! Renato Russo também é rei e como tal é crime de lesa-majestade conspurcar-lhe a imagem, leso! Tanto quanto em O Tempo Não Pára (Brasil, 2004), a pretensa cinebiografia de Cazuza, Somos Tão Jovens busca apresentar um mito palatável e acessível à legião de jovens que hoje cantam o protesto ingênuo dos garotos e garotas (É!) da capital federal com a mesma veemência dos anos 80. Como nossos pais. Como eu mesmo, que aproveitei o marasmo do filme para cantarolar sem voz, marcando o ritmo com o pezinho e voltei para casa fazendo minha própria versão à capela unplugged da canção-título. Essa maquiagem é ainda mais pesada no filme de Fontoura. A rebeldia de Renato sucumbe ao seu eu-interior romântico-depressivo. O primeiro show da Legião fora do berço não tem nem cachê. O que o rapaz quer é mostrar seu trabalho. Dinheiro há. Sua reconhecida homossexualidade é tratada sem qualquer conflito quando, lembrando a tal legião de jovens que irão ao cinema, deveria ser exatamente o contrário, abrindo um necessário canal de discussão. Seu amor por Flávio Lemos, baixista do Aborto Elétrico é platônico; sexo ele faz com a melhor amiga e quando Russo – depois de pedir e pedir alguém – encontra uma pessoa os contatos físicos são assépticos e o jovem é dispensado sem mais. Do filho de Renato nem uma palavra. Da sua sabida contaminação pelo HIV e morte por complicações da AIDS nem um pensamento. Nada que pudesse ameaçar a memória e o reinado de Renato Russo, o líder da Legião Urbana. Mentalidade de colônia. O filme acaba com o show da banda no Circo Voador no Rio de Janeiro. Uma nota falava dos milhões de cópias vendidas de seus álbuns. Do sucesso todo mundo sabe. Do comportamento sarcástico todo mundo tem lembrança (eu, de fato!), mas disso não se trata, nem de como Renato Russo foi se tornando mais ácido, irritadiço e recluso, até se auto-exilar em seu apartamento no Rio de Janeiro onde morreu no dia 11 de outubro de 1996. Por que o título desse texto é Ainda é Cedo? Porque a cena em que Russo canta essa canção para a amiga Ana é a única sequência que fale a pena desse filme. No mais, celebremos a estupidez de quem escreveu este comentário, HUDSON ANDRADE 09 de março de 2013 AD 14h47

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