sábado, junho 30, 2012

REFLEXÕES DE UM ARTISTA INSONE

Na noite de São João a Globo ofereceu um fast food do que foi a entrega do 26º Prêmio da Música Brasileira onde o grande homenageado foi o músico João Bosco. Para os insones que varavam a madrugado de segunda-feira foi um prazer ouvir as canções do mineiro – ainda que na minha ignorância musical eu tenha achado os arranjos algo demais. Over. Enfim, que sei eu?! – sobretudo duas das composições mais lindas, mais magníficas da MPB e mundial: Quando o amor acontece e Corsário. Eu que sou um apaixonado pela palavra, que me deleito com o verbo dito, com a letra impressa; que – me perdoem os Androids – sou amante dos livros que eu desvirgino abrindo aleatoriamente e enfiando o nariz para aspirar papel e tinta, fiquei me deleitando com o dizer do Bosco. Numa
“Aí que a dor do querer muda o tempo e a maré, vendaval sobe o mar azul”
, noutra
“Meu coração tropical está coberto de neve, mas ferve em seu dofre gelado e a voz vibra e a mão escreve mar”
. Fui pra cama pensando no meu eu artista e novamente João Bosco e Aldir Blanc – seu grande parceiro musical – me inspiraram: “Glória a todas as lutas inglórias”! (O Mestre Sala dos Mares). Eu que escrevo e que nunca fui premiado em minha terra e com os mesmos textos fui reconhecido fora e me questiono, porque eu não quero aprovação, mas reconhecimento dos meus pares. Claro. É essa gente, esse chão, nossas histórias e memórias que fertilizam meu escrever. Agora mesmo quatro dramaturgias minhas estão sendo editadas em São Paulo pela Giostri Editora e a apresentação do livro é do capixaba Hugo Passolo. Bom que pessoas completamente isentas e desconhecidas avaliem e julguem mérito no teu fazer, mas fica um ranço. Fica em mim. É meu. Vaidade? Orgulho ferido, egolatria? Sim! Talvez não. Sentimentos que todo artista tem perigosamente sem medida. Penso no meu teatro. Nos 10 anos da minha Companhia Nós Outros, suas vitórias e conquistas. Que 2012 tem sido fantástico graças a parceria e competência de meu companheiro e produtor, Carlos Correia Santos, que permite que eu liberte mãos e cabeça para a cena enquanto ele cuida da parte chata e necessária da coisa. Penso no esforço de produzir trabalhos de qualidade, com cuidado e atenção à equipe e ao público; da sempre falta de grana, incentivo. Grato pelas parcerias que suprem nossa falta de local de ensaios. Penso em tudo isso e reflito. As platéias cheias do Batista, não porque as sessões do SESC Boulevard eram gratuitas, porque exatamente por serem de graça não há porque se submeter a longas filas, tempo ruim, espera. Não há a obrigação de permanecer na sessão se o espetáculo não prende. Não se pagou mesmo. É só levantar e sair. Mas ninguém saiu. Em Castanhal, dia 23 passado, a Casa de Cultura lotou e com ingresso vendido. Havia um apelo educacional de um grupo de professores de língua portuguesa e história, organizadores do evento, mas havia a imensa carência de atrações como essa no município que tão perto de Belém não é atendido nesse sentido. O Terruá Pará leva nossa música para o sudeste. Louvamos estar nas novelas das 6 e das 7 da “grande emissora de televisão do Brasil”, mas quando uma grande inauguração, ou evento de monta é feito na capital, são atrações alienígenas as grandes prestigiadas e para o interior, nem a prata da casa. Penso que não é a cobrança de ingresso que impede se lote um teatro para produções ruins e humorísticos com atores e comediantes globais; vejo que não é o ingresso que impede que se lote um teatro por um espetáculo raso, ou vazio de conteúdo, que atenda unicamente a necessidade de escarnecer da nossa própria mediocridade. Minhas produções não são o supra-sumo do teatro paraense,meus textos não são clássicos da dramaturgia. Eu optei por um caminho que me satisfaça como ator, diretor, dramaturgo e que desejem ser propostas de reflexão para quem os veja. Houve um tempo em que eu me irritava com isso que chamava de inversão de valores. Julgava a platéia, os artistas, os textos; assumia o pedantismo de me crer superior em alguma instância por “não atender ao gosto vulgar do populacho”. Hoje eu decidi ser coerente com minha crença. Determinar o que eu quero fazer e dizer com a minha Arte seja para 100, 10, ou 01 criatura para ver. Quem estiver comigo merece ser honrado por ter saído do seu conforto para ser instigado e ainda – algumas vezes – pagar por isso. Deixem que o medíocre faça fortuna. Deixem que o tacanho seja ovacionado. Ainda há lugar pra beleza, pra poesia, pras intrincadas – e não raro – enfadonhas construções estéticas. Dizem meu inspirador: “O show de todo artista tem que continuar”. (O Bêbado e o Equilibrista. Grifo nosso) HUDSON ANDRADE 25 de junho de 2012 AD 11h30

Um comentário:

joelcardosos disse...

Meu querido,
que felicidade...
descobri, por indicação do Carlos Correia Santos, o seu Blog...
você é um artista (grande novidade!), mas é que você,além desse lado maravilhoso que o público já conhece como ator, como figura pública, é também artista da palavra, é um escritor... um criador que se embriaga de e com palavras...
sou, como você, apaixonado pela palavra... a palavra que nos revela, que nos mostra, mas, sobretudo, que nos vela, nos oculta...
a palavra que denuncia, mas, também, a palavra cúmplice...
a palavra tirada de sua cômoda significação tradicional, para se tornar, ao sabor das inquietações do artista, em outra coisa completamente diferente...
a palavra que alimenta, excita, impulsiona, revira e traduz a alma...
a palavra que nos torna amigos, mas, num outro extremo e tão frequentemente, cria voluntária e involuntariamente tantos inimigos...
a palavra que nos torna textos circulantes entre outros tantos textos que formam, reformam, conformam, transformam o texto sempre inédito que fomos, que somos, que iremos ser...
a palavra que levanta de manhã e toma o desjejum conosco, depois, recusando-se ir embora, fica para o almoço, se prolonga em visita até o jantar e fioa conosco até a hora de dormir... até a hora de dormir? minto... a palavra nos acompanha em nossos sonhos desejantes, em nossas fugas deliberadas da razão, enveredando por caminhos que beiram a insanidade, fazendo-se espelho de nossos anseios mais ocultos, anseios dos quais, despertos, lúcidos, projetados à luz da razão jamais suspeitaríamos...
a palavra confortadora e desoladora...
mas sempre ela, soberana, intransigente, acertada ou errônea nos destinos que regem a vida...
amei o seu blog...
parabéns...
com carinho, sempre...
joel cardoso