segunda-feira, março 23, 2009

BROCARDOS (08)

Sábado passado, início da madrugada. Enquanto eu esperava o ingresso numa boate da cidade saiu um senhor de meia idade, longilíneo, voz e gestos tranqüilos, que ao ser questionado pelo segurança sobre seu ticket de saída, respondeu que não havia um, que estava indo embora e que tinha sido destratado pelo estabelecimento. Afirmou ser policial federal e não se submeteria a entregar sua arma para entrar na dita casa. Que seu porte tinha sido conseguido com muito investimento, esforço e treinamento e que não entregaria a qualquer um. O local, afirmou ainda, estava cheio de malandros (?!) e que num incidente precisaria estar armado e se tivesse entregado a arma, que aconteceria? E terminou com uma frase que tenho ouvido bastante de nativos e alienígenas*: “Mas isso é Belém. Temos que dar o desconto porque aqui é Belém!”
Então! Qualquer um que entenda de legislações pode me explicar o que um policial de qualquer esfera faz armado em seus momentos de folga? Se ao sair de casa para o lazer ele continua investido de sua condição oficial e precisará defender os interesses e integridade dos cidadãos ordinários? A mim parece que este senhor já sai prevendo um contratempo, ou utiliza sua condição para garantir vantagens nos lugares a que vai. E não seria o primeiro, o último nem o único!
Segundo. Em caso de um incidente, qual o limite para o uso de recursos extremos? Os seguranças das casas estão orientados (treinados é um sonho distante!) para resolver qualquer perrengue e não portam armas (graças a Deus!) e desarmar os freqüentadores os coloca em pé de igualdade. Logo, qual a necessidade deste senhor de manter-se armado? E se houvesse a necessidade de usar a arma, seu treinamento (sempre tão questionado no país) seria o suficiente para acertar o alvo? E o alvo precisaria ser acertado? E em errando, enquanto seus superiores se desdobrassem em sindicâncias, inquéritos, relatórios, documentos, a vítima (qualquer que seja ela) estaria em algum hospital, ou sob tratamento, às suas próprias custas; ou enterrada, a custos ainda maiores! E ainda se o revólver lhe fosse subtraído, que uso faria dele quem o tomou? Somos / estamos todos reféns da insegurança alastrada por Belém, pelo Estado, pelo Brasil e mundo todo, mas desejamos mesmo assim uma vida habitual, diversão no final no de semana com a família, os amigos. Ninguém quer abrir mão de seus hábitos, mas há que ter limites. O raciocínio deste senhor está, no mínimo, equivocado. Dele e de tantos quantos portam armas, criando para si falsas sensações de segurança. Pareço simplista falando desse jeito, mas não defendo o porte de armas pelo cidadão comum. Falo por mim mesmo. Num momento em que eu visse uma situação de abuso, de violência, quando o sangue me fervesse na cabeça, minhas reações seriam sempre imprevisíveis e armado, eu não seria nada que prestasse! Não vou falar aqui do caos na segurança e na obrigatoriedade estatal de cuidar dessa questão. Não é o meu foco e todos sabemos disso. Questiono a arrogância melíflua dessa presumida autoridade e com isso parto para a última das questões.
Como é que é nossa cidade que justifique esse negócio de “Isso é Belém mesmo!”? Seus detratores estão colaborando efetivamente para mudar esse estado de coisas? Executam diligentemente seus deveres? Respeitam os direitos alheios, seus momentos de repouso, os limites de intensidade sonora, as leis de trânsito, as regras de boa conduta? Os coletivos, espaços públicos, instituições de ensino e religiosas? Ensinam seus filhos o bom convívio, o entendimento das diferenças de dogmas, credos, orientação política, sexuais e pessoais? Exercitam o amor à tolerância, fraternidade, às artes e às letras? Bem educados, quaisquer cidadãos possui valores e parâmetros para julgar o que é certo e podem caminhar livremente sem violar os espaços distintos dos seus, sem essa concepção afetada e pseudo-socialista-moralista de que a sociedade “impõe peias ao livre-arbítrio do povo!”. As leis nos indicam limites e regra nenhuma foi dura o suficiente em lugar nenhum do mundo que impedisse que alguém as violasse. Certamente quem as violou não tinha noção para julgar o que lhe/nos convinha, ou não!
Desarmados de bom senso, armamo-nos de violência e artefatos. E Deus proteja quem cruzar nosso caminho!
(*) Em oposição a indígenas, os naturais de algum lugar.

HUDSON ANDRADE
23 de março de 2009 AD
9h04

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