quinta-feira, setembro 04, 2008

EU 16

Uma sala repleta de homens vazios, diria Drummond. No entanto eu permanecia no chat há quanto tempo? Quatro, cinco horas?! Sempre desistindo, sempre me predispondo a ficar. Os papos de sempre de idade, de onde, querendo o quê, certos álbuns de fotos reveladoras, muitas propostas indecentes, nenhum Robert Redford.
Então lancei o ataque final: Alguém aí do meu bairro? A resposta: Eu! Nesse deserto de almas (dessa vez é Caio F.) uma igualmente estiolada é capaz de reconhecer a outra. Daí foram conversas, convites para o MSN, web can, números de celular. E promessas!
Duas, mais ou menos três semanas foram de muitos contatos, mas por uma série de contratempos, nenhum encontro, até que num dia desses ele confessou já estar aborrecido com aquela situação. Morávamos tão perto um do outro. Por que nunca nos encontrávamos? Respondi que se eu acreditasse em destino, certamente ele estaria conspirando contra nós. Ele propôs que mudássemos aquilo e marcamos já tarde da noite, quando ambos se tinham desvencilhado de seus compromissos, num ônibus que servisse aos dois para o retorno pra casa. Aguardei no ponto até que ele ligasse, dizendo estar no ônibus tal, número tal, camisa verde, calças jeans. Em quinze minutos eu sentava ao lado dele. Informal: E aí? Fala! Senta aí! Valeu!! E entre muitos silêncios, nenhum olhar direto, um rápido aperto de mão, as pernas que se encontravam nas curvas das ruas, trocamos impressões, informações, bocejos e talvez uns suspiros. Descemos numa rua larga e deserta pelo início do dia seguinte, caminhando lado a lado bem no meio da avenida, uma como que eletricidade entre a gente, até a pergunta: E então? Atendi tuas expectativas? Respondi que não tinha feito nenhuma. Às vezes a gente espera demais e se decepciona. Noutras espera de menos e se surpreende. Prefiro deixar rolar. Ele concordou. No meio do caminho entre as duas casas, novo aperto de mão, dessa vez mais forte, algo demorado e quente, um boa noite e nos separamos.
Depois dessa noite mais nenhum telefone, ou e-mail, ou mensagem. Eu bem que tentei. Será que ele tentou? O fato é que ninguém se falou e eu fiquei pensando em tudo o que nos dissemos sem nunca termos nos visto, na vontade de estar juntos e quando isso finamente aconteceu, qualquer coisa deixou tudo morno e sem graça e uma contrária cuíra de estar perto de novo, de se tocar, de qualquer lance.
Então decidi esperar o mesmo ônibus daquela noite. O mesmo horário, o mesmo número, o mesmo motorista que passou a me cumprimentar. Nada! Cheguei a pensar que algo tinha acontecido, ou que tudo não tivesse passado de um truque e agradeci a Deus por não ter lhe dito onde morava, tão perto de onde nos separamos. Depois de muitas tentativas, já quase desistindo, mas sempre me predispondo a tentar novamente, eu o vi em outro ônibus que cruzou com o meu, ora a minha frente, ora atrás. E foi me dando uma aflição, uma vontade de descer e não ser visto, de pedir explicações, de simplesmente dizer boa noite! Ele desceu. Eu desci. Chamei-o pelo nome. Ele parou, acendeu um cigarro, estendeu a mão. Toquei meu chip, perdi o contato, mas estamos aí e o novo número é facinho de decorar. Anota aí! Lembrou de coisas que eu tinha dito, mostrou-se gentil, mas daquelas gentilezas de vendedor de loja, de corretor de imóveis. Quando nos separamos no mesmo ponto da outra noite eu lhe pedi que esperasse, que eu tinha que lhe falar que eu sentira muita vontade de vê-lo de novo, que... Ele sorriu e disse: Legal, aí! Como eu tava te dizendo, tô pensando uns novos trabalhos aí e aí quando eles estiverem prontos aí eu te chamo pra pedir uma opinião aí! Depois deu um soquinho macho no meu peito e já de costas disse que a gente se falava.
Parado no meio da rua pensei nas pessoas por trás das paredes, das cortinas, vendo TV, lendo, comendo, trepando, dormindo, insones. Alguns mais vazios, outros menos, vários outros satisfeitos.
Minha alma ressequida voltou pra casa, meu corpo foi pra cama, minha mente tratou de apagar mais uma lembrança.

HUDSON ANDRADE
04 de setembro de 2008.
8h48

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