2006 assinala 10 anos da morte de Caio Fernando Abreu, ou simplesmente Caio F. Impossível não se deixar envolver por sua escrita apaixonada, grávida de pessoas vazias de felicidade e amor, fugindo da solidão e da loucura; homens e mulheres famintos, desejos obscuros, deuses terrenos, morangos e dragões.
Atualmente leio Triângulo das Águas, um dos seus trabalhos mais premiados, agora editado pela L&PM Pocket. De um tempo bem recente para cá, devorei literalmente seus contos, novelas, ensaios, poemas e cartas. Fui me identificando com seus personagens – amando uns, odiando outros, abraçando todos –, escolhendo aqueles trechos que a gente transcreve para ter sempre à mão, como se mantra, ou prece fora, querendo (invejando) muito saber como se escreve assim e fazendo dele um norte, assim como o próprio Caio fez de Clarisse Lispector seu referencial. Elegi Aqueles Dois como meu conto preferido e achei que de algum jeito meio mediúnico, O Rapaz Mais Triste da Cidade tenha sido feito pra mim.
Então vejo no meio das muitas propagandas de uma revista Veja, com a chamada “Um líder popular e blá-blá-blá” o livro Bicho do Mato e As Luzes da Cidade, de autoria (essa é boa!!!) de Duciomar Costa, nosso alcaide, que traduziria assim as impressões telúricas sobre tantos conceitos nessa sua vida plena de experiências! Não muito tempo atrás, Madonna lançou não um, mas cinco (!) títulos pela editora Rocco: As rosas inglesas, As maçãs do Sr. Peabody, Yacov e os sete ladrões, As aventuras de Abdi e Enrico de prata. Como estes, tantos outros que a ética não me permite mencionar lançam mão da pena para trazer à luz do mundo suas idéias e sentimentos. E a pena, dizem, é mais poderosa que a espada. Se assim o é, estamos a beira da jihad!
Não acredito que nenhum dos dois citados confrades tenha escrito seu livro. É uma opinião particular. Cito este fato por saber que atrás de pilhas de papel amassado, existem escritores que jamais verão suas obras publicadas. Livros realmente de qualidade, mas que não possuem artifícios de fama e/ou poder que os faça nascer.
Temos então uma grave questão econômica: os custos de um livro são altíssimos. Da matéria-prima, passando pelos direitos autorais à capa, até que chegue às prateleiras, são muitos e muitos reais. Recentemente na X Feira Pan-amazônica do Livro, avaliei que bons livros variavam em torno de R$ 30,00. Não é preciso ser esperto pra considerar o peso que isso representa na economia do trabalhador brasileiro. Daí, entre um quilo de carne, ou uma grade de cerveja ao livro, não há nem o que discutir em termos de preferência.
Temos então uma grave questão cultural: brasileiro não lê! (Ok, diabos, a franca maioria deles!) E não me venham com os últimos números da FLIP, ou da X Pan. Cobrem ingresso aqui e vejam quantos corpinhos passam por aquelas catracas!! Visitante não é leitor! Ontem mesmo no ônibus um rapaz se vangloriava de ter lido um único livro até o final: O Menino Maluquinho, do Ziraldo. Pelo menos é um bom livro. Se ele o fez aos 6,7 anos, louvável. Se isso aconteceu nos últimos 3 anos, apavorante! Não somos incentivados a ler, pensar, discutir, conhecer nossas letras. E ainda se espantam pelo estado de coisas que nossa sociedade vive.
Temos então uma grave questão educacional: que é feito dos livros em sala de aula? Qual é sua real função no processo educacional de nossas crianças? Onde as bibliotecas na era Google? Não me refiro aos livros didáticos, mas a leitura sadia que ensina, aumenta vocabulário, amplia horizontes. Em Abril Despedaçado, poema cinematográfico de Walter Salles, o personagem Pacu ganha um livro e por não saber ler, a cada dia inventa uma nova estória a partir de suas muitas figuras. Saudoso de lugares que jamais veria, cria um mundo onde não cabe seca, fome nem miséria. Tal é o poder dos livros, que Jay Bradbury os incendiou aos montes e por ordem do papa bispo local, na Espanha, a 09 de outubro de 1861, todo um carregamento de obras de Allan Kardec teve o mesmo fim. No fictício Farenheit 451 e no real Auto de Fé de Barcelona o desejo era o mesmo: o controle das autoridades dominantes sobre o povo desprovido de conhecimento. Ao ver os espanhóis recolherem as cinzas ainda quentes e as levarem consigo, aqueles religiosos tiveram a certeza de que dispararam contra o próprio pé!
Ocorreu-me que talvez a única estratégia que não tenha sido tentada para a real melhoria de vida do povo brasileiro tenha sido a de permitir-lhes acesso a quantos livros sejam necessários; um respondendo as dúvidas deixadas pelo anterior e por sua vez incutindo-lhe novas: um uróboro de letras!
Um comentário:
O primeiro comentário tinha que ser meu, certo?
Concordo, naturalmente, com tudo que disseste. Vivemos um problema crônico de desprezo à leitura, pelo brasileiro em geral, de todas as idades, condições sociais e origens geográficas. Estatísticas provas que países mais pobres do que nós têm povos que lêem mais e, no mínimo, por causa disso conhecem melhor a própria história e cultura.
José Saramago, cujo nome pronuncio com reverência, foi convidado pelo governo português a auxiliar o Plano Nacional de Leitura, mas respondeu com dureza, segundo publicou a Folha Online em 1.6.2006: leitura "sempre foi e será coisa de uma minoria". Disse mais: "O estímulo à leitura é uma coisa estranha, não deveria ter que haver outro estímulo além da necessidade de um instrumento que permita conhecer (...). As coisas vão mal quando é preciso estimular. Ninguém precisa de estímulos para se entusiasmar com o futebol", disse, lembrando que por trás do esporte há uma "operação de propaganda fabulosa".
Como estamos no quintal do 3º Mundo, penso que não estimular a leitura é ainda pior do que não fazer nada, mas o fato é que as pessoas deveriam reconhecer a leitura como um prazer. Isso é difícil, eis que as famílias mandam o filho estudar quando ele faz uma coisa errada, como castigo, não como prêmio ou estímulo. Para piorar, vivemos a era das caixinhas de fazer doido: TV, microcomputador, iPod e congêneres.
A concorrência é desleal e a publicidade, a pior possível para as letras.
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