
Apaga-te, ó delicada chama! Apaga-te!A vida é sombra passageira. Um mísero ator que chega, agita a cena inteira, diz sua fala e sai. e ninguém mais o nota. MACBETH (William Shakespeare)
sábado, julho 27, 2013
EU 33

domingo, maio 12, 2013
AINDA É CEDO

segunda-feira, março 18, 2013
TUDO É AMOR
Dias atrás após assistir Argo eu me propus a mais um exercício de crítica onde eu falaria do que tinha visto até então. Não muito, mas foi mais nesses um ou dois meses do que em todo um ano. A ideia era falar de linguagens e coisa e tal. O tempo foi passando e isso ficou meio esquecido. Agora eu assisti Amor e me deu vontade de vencer a preguiça e escrever algo. Nada das firulas que eu pretendia para a postagem anterior. Sei lá. Falar de amor talvez seja o caminho. Simples assim. Amor a Deus e amor à ciência em As Aventuras de Pi (Life of Pi, EUA, 2012); amor a um ideal, à liberdade em Os Miseráveis (Les Misérables, Reino Unido, 2013); Argo e o amor ao trabalho e ao cinema, afinal o diretor usa o cinema pra fazer cinema (EUA, 2012). Em Outros Mundos (Cirque du Soleil: Words Away, EUA, 2013) uma jovem vive um amor-de-repente por um trapezista e em Amor (Amour, França/Alemanha/Áustria, 2012) um casal de aposentados vive um amor de uma vida inteira.
Suraj Sharma vive Piscine Pavel, um jovem inteligente e sentimental que se vê na insólita situação de dividir um barco à deriva com um tigre feroz. Anos mais tarde, durante uma entrevista, ele conta sua aventura a um homem que diz esperar que ele o faça acreditar em Deus. O filme é calcado em tecnologia e ele simplesmente não existe sem aqueles oclinhos 3D. Nesses tempos em que heróis da Carochinha são revisitados, recheados de violência gratuita e recobertos de efeitos especiais que tentam (sem sucesso) esconder a falta de qualidade artística dos filmes, assistir uma produção feita num computador é, para mim, praticamente impensável. Mas do outro lado da câmera está Ang Lee, um contador de histórias. E um contador sensível e humano que me fez – como pede na legenda do filme – acreditar no extraordinário. No final da entrevista somos confrontados com a questão: o que se quer: a verdade nua, crua e humana de um boletim policial, ou a força imagética e humana do mito? Assim também é Deus. Entendeu?
Tom Hooper é o diretor britânico que concorreu a 12 Oscares pelo excelente O Discurso do Rei. Agora ele traz para as telas o famoso musical da Brodway nascido da obra de Victor Hugo. E tudo em Os Miseráveis é como tem que ser um musical: grandioso, eloquente, visceral, mas é nos detalhes que brilha a força desse que deveria ser premiado o melhor filme de 2012. Lute, canta sem grandes dotes vocais Russell Crowe, mostrando toda a inflexibilidade de Javert. Sonhe, cantam os enamorados Cosette (Amanda Seyfried) e Marius (Eddie Redmayne) junto aos jovens revolucionários na Paris do século XIX. Espere: é a voz de Hugh Jackman que abriu mão dos palatáveis heróis juvenis para viver Jean Valjean, prisioneiro para além de qualquer corrente. Ame: a Fantine da oscarizada atriz Anne Hathaway é o ponto alto da emoção intercalando canto, choro, desespero e esperança em I Dreamed a Dream. Uma joia rara. Arte na sua melhor expressão.
Andrew Adamson também conta histórias. Fábulas. É dele Shrek e os dois primeiros episódios de As Crônicas de Nárnia. Esse diretor neozelandês juntou-se a James Cameron que veio fazer o que ele mais sabe fazer: dinheiro. Ouvi uns bochichos de que a empresa de Guy Laliberté e Daniel Gauthier estaria mal das pernas, e isso me pareceu justificar fazer uma colcha de retalhos de diversos espetáculos do Cirque du Soleil costurados por uma historinha simplória e açucarada. Assisti Outros Mundos sem esperar mais do que ele poderia me oferecer e por ter chegado muito cedo ao shopping. Não me arrependi. Adoro o Cirque du Soleil e seus números matematicamente cirúrgicos camuflado em luz, figurinos e maquiagem oníricos. Cinema, pipoca e Coca Cola... sem pipoca que eu não gosto.
Ao fim das duas horas de exibição de Argo eu (e creio que todos) saí do cinema com a sensação de que tudo durou não mais do que meia hora. Isso porque Ben Affleck decidiu contar sua história em linha reta: em 1979 um agente da CIA, Tony Mendez (o próprio diretor), deve resgatar seis funcionário da embaixada americana num Irã radicalmente anti-estadunidense sob o governo do aiatolá Khomeini. É isso. Sem reviravoltas mirabolantes, sem um tiro sequer. Mendez cumpre sua missão num projeto tão estapafúrdio que tinha tudo para dar errado. Deu certo. Na vida real e nas telas. E Argo é o melhor filme de 2012 para a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood. Uma decisão política, mas nada injusta. Direção, roteiro, elenco, edição, tudo afinadíssimo para deixar a plateia em permanente estado de tensão que só se quebra fora do espaço aéreo iraniano, quando personagens e público respiram juntos, aliviados; um sorriso de eu-já-sabia no canto esquerdo da boca.
O filme de Michael Haneke é para ser visto em silêncio. Talvez não só como eu estava – ainda que tivesse ao meu lado duas grandes almas e grandes atrizes, Adriana Cruz e Valéria Andrade –, mas em silêncio. Um calar interior para perceber o desenrolar da vida de Georges (Jean-Louis Trintignant) e Anne (Emmanuelle Riva) que apesar dos filhos, do apartamento (para mim) confortável, do piano e dos quatro álbuns de fotografia onde a velha senhora reconhece ser linda e feliz uma longa vida apenas para – outra vez – insinuar que ela já pode ter seu desfecho, só tem um ao outro, num regime de simplicidade e felicidade quase burocrática. Quietude para reconhecer que a rotina mais aguerrida pode ser quebrada por um acontecimento inesperado. Paciência para acompanhar os passos cada vez mais arrastados de George. Em tempo, Riva foi indicada ao Oscar, mas Trintignant a acompanha passo a passo. Amorosidade para ver que um tapa pode não ser um ato de violência, mas um pedido desesperado de socorro. Essa cena, aliás, quebra o tal silêncio. Entre o casal e na audiência que ouviu um “oh!” percorrer as filas de cadeiras para logo sumir, envergonhado. Auteridade para buscar compreender um separar-se sem despedidas, de supetão; um ritual de arrumar, dispor flores, lacrar portas e esperar que lhe venham resgatar da insuportável solidão. Amor, para descobrir o real sentido de compartilhar. Ao final ficar um pouco no fundo da poltrona pensando em si ou naquele amor que está ao lado e do qual não cuidamos. Ou levantar de pronto, na pressa de ir atrás de si em si mesmo ou em outrem. Cinematograficamente (para manter uma linha de pensamento feita acima) Amor é bijuteria, mas é a peça mais querida da caixinha. Aquele coração metálico que se abre com dificuldade para revelar duas pequenas imagens: felicidade congelada no moto perpétuo do tempo.
HUDSON ANDRADE
18 de março de 2013 AD
01h27





quinta-feira, janeiro 03, 2013
FILHO DA PÁTRIA
Mas se ergues da justiça a clava forte verás que um filho teu não foge à luta nem teme quem te adora própria morte, terra adorada(Hino nacional brasileiro) Bem disse Gandalf, o cinzento: “Toda história precisa de um polimento” e isso é um fato. Ao assistir Lula, o filho do Brasil ontem, na TV, tive exatamente essa sensação. Outros líderes já foram retratados em livros e filmes: Leonidas, Nixon, Hoffa, Malcolm X, Steve Biko, Gandhi, Napoleão (segundo uma nota que eu li milhares de anos atrás, o mais retratado, ultrapassando até Jesus Cristo), William Wallace e o rei Arthur de quem se fala que sequer existiram, etc. Todos eles impolutos. Abraham Lincoln é o próximo, num dos filmes mais aguardados de 2013 e um dos mais cotados a vencer o prêmio máximo da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood. Dirigido por Steven Spilberg, está destinado a transformar o já mais fudêncio dos presidentes americanos numa espécie de deus olímpico. Para os lados de lá é normal que esses estadistas tenham arroubos de violência, peguem em armas, desejem vingança, odeiem e chutem bundas: é da natureza estadunidense, coerente com a fórmula grega de divindade antropomórfica e ciosa que adotada pelos romanos chegou até o Deus cristão que ama aqueles que o amam e castiga até a décima geração os que o desagradam. Isso aproxima a divindade da humanidade, o mito do cidadão comum, aliviando assim os egos feridos de quem não admite alguém acima de si. Tem ainda uma função punitiva e imediatista, porque castiga os maus em nome dos bons e estes não precisam sujar as mãos (normalmente por covardia!), sentindo-se justiçados. Justiceiro é, inclusive, o nome desses assassinos entre os brasileiros, bem mais hipócritas que os norte-americanos. Cabras que dão o merecido fim aos neguinhos de alma sebosa são glorificados e não à toa o Capitão Nascimento se tornou o santo no altar de muita gente cansada de ser macerada pelo Sistema que protege os “de menores” delinquentes e nunca, nunca, nunca prende os ricos. Mas voltando ao filme de Fábio Barreto, a ideia era criar um novo mito, aproveitando a popularidade do então presidente Lula e, segundo as discussões à época, catapultar a eleição da candidata petista Dilma Roussef, que como todos sabemos foi eleita. Inspirado no livro homônimo de Denise Paraná (1996) o filme de 2009 lançado no primeiro dia de 2010 custou 16 milhões de reais – o mais caro até o lançamento de Nosso Lar, no mesmo ano – e foi escolhido como o representante do Brasil ao Oscar de filme estrangeiro, batendo o preferido do público, Nosso Lar e outra cinebiografia, Chico Xavier. O filme de Barreto não passou sequer da primeira seleção que preferiu o excelente biutiful, do mexicano Alejandro Gonzáles Iñarritu (esse eu vi! Putz. Filmaço!), o canadense Incêndios, o argelino Fora da Lei e o grego Dente Canino. A estatueta ficou para o também vencedor do Globo de Ouro Em Um Mundo Melhor, da Dinamarca. Lula, o Filho do Brasil tem muitos pecados. O primeiro dele é selecionar um retalho grande demais da vida de uma criatura e suas necessárias transversalidades. O filme mostra ainda a determinação de dona Lindu, mãe de Luiz Inácio, cuja coragem e fibra ajudaram a fazer do filho o que ele viria a se tornar. Não vi o filme no cinema por pura falta de tempo e interesse – aliás, fui bem pouco ao cinema em 2010 e 2011 – e passei ao largo de todas as teorias de conspiração projetadas a partir da película lançada em ano eleitoral, custeada por quem, isso e aquilo. Vendo ontem na TV, o filme me parece raso ao contar de forma recortada e simplista a trajetória do futuro líder sindical, da infância pobre até sua vitória nas eleições presidenciais, citada na última e derradeira cena do filme, novamente com referência à dona Lindu. As cenas vão saltando de uma para outra sem que amadureçamos nada para a ideia seguinte. Se a proposta era mostrar o líder sindical, então que esse fosse o mote e o filme começaria na diplomação pelo SENAI do jovem torneiro mecânico Luiz Inácio da Silva. O completo descaso do pai na infância, as agressões sofridas, o menino inteligente que fala da moça que morreu na viagem de pau de arara, comovendo a professorinha Lucélia Santos (?!), o rapazola que suja o macacão – símbolo máximo daquela classe, “Eu ainda vou ter um macacão desses!”, o jovem Lula diz com esperança – para satisfazer a mãezinha; o primeiro relacionamento e a morte da esposa e do primeiro filho. Sério, eu jamais teria colocado aquela cena ridícula de “O-senhor-precisa-ser-forte-porque-seu-filho-morreu-e-mais-forte-ainda-porque-sua-mulher-também-morreu e agora vá pra casa que a gente tem mais pobre pra matar!” e a patética despedida no cemitério, cortando pra cena seguinte quando, “pra ocupar a cabeça”, o sindicalismo surge como catarse. “Isso aqui é minha família agora!” ele diz, e vai galgando o poder pela simpatia, pelo carisma, pela organização, pelo desejo de ajudar a melhorar o mundo sem se assustar com a ditadura militar que avançava: “Cadeia é pra homem!”, ele afirma com convicção. As sequências no estádio de futebol quando a greve é decidida; na igreja quando a greve é mantida após ele colocar o cargo à disposição “porque esse sindicato é de vocês, trabalhadores, não dessa diretoria!”, a prisão e mesmo antes, quando ele vende laranjas e peita o pai ao defender a mãe “Homem não bate em mulher!” (um nordestino dizendo isso? Têm certeza?), tudo tende a criar uma atmosfera de austeridade viril que me faz lembrar Balin contando a história de Thorin Escudo de Carvalho: “Então eu pensei: Esse é um homem que eu poderia seguir. Esse é um homem que eu poderia chamar de rei!”. Muitos seguiram desde o ABC Paulista. Lula se tornou presidente do Brasil e após dois mandatos saiu como a maior incógnita da história política desse país. Ainda hoje é chamado de presidente. Ainda hoje seu nome é sussurrado em escândalos. Muitos de seus pares caíram vergonhosamente, mas não receberam o justo corretivo, e no entanto, sua presença em palanques ajudou a catapultar – e destruir, na minha opinião, como aqui em Belém – muitas candidaturas nas últimas eleições municipais. Se tivesse morrido vitimado pelo câncer, teria sido chorado pelas multidões como foi Getúlio Vargas quando de seu suicídio. Como não foi, foi ridiculamente incitado a procurar o SUS para seu tratamento. Fico sem saber quem é esse homem afinal. O do filme eu tenho certeza que não é. HUDSON ANDRADE 03 de janeiro de 2013. 9h19
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