quinta-feira, janeiro 03, 2013

FILHO DA PÁTRIA

Mas se ergues da justiça a clava forte verás que um filho teu não foge à luta nem teme quem te adora própria morte, terra adorada
(Hino nacional brasileiro) Bem disse Gandalf, o cinzento: “Toda história precisa de um polimento” e isso é um fato. Ao assistir Lula, o filho do Brasil ontem, na TV, tive exatamente essa sensação. Outros líderes já foram retratados em livros e filmes: Leonidas, Nixon, Hoffa, Malcolm X, Steve Biko, Gandhi, Napoleão (segundo uma nota que eu li milhares de anos atrás, o mais retratado, ultrapassando até Jesus Cristo), William Wallace e o rei Arthur de quem se fala que sequer existiram, etc. Todos eles impolutos. Abraham Lincoln é o próximo, num dos filmes mais aguardados de 2013 e um dos mais cotados a vencer o prêmio máximo da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood. Dirigido por Steven Spilberg, está destinado a transformar o já mais fudêncio dos presidentes americanos numa espécie de deus olímpico. Para os lados de lá é normal que esses estadistas tenham arroubos de violência, peguem em armas, desejem vingança, odeiem e chutem bundas: é da natureza estadunidense, coerente com a fórmula grega de divindade antropomórfica e ciosa que adotada pelos romanos chegou até o Deus cristão que ama aqueles que o amam e castiga até a décima geração os que o desagradam. Isso aproxima a divindade da humanidade, o mito do cidadão comum, aliviando assim os egos feridos de quem não admite alguém acima de si. Tem ainda uma função punitiva e imediatista, porque castiga os maus em nome dos bons e estes não precisam sujar as mãos (normalmente por covardia!), sentindo-se justiçados. Justiceiro é, inclusive, o nome desses assassinos entre os brasileiros, bem mais hipócritas que os norte-americanos. Cabras que dão o merecido fim aos neguinhos de alma sebosa são glorificados e não à toa o Capitão Nascimento se tornou o santo no altar de muita gente cansada de ser macerada pelo Sistema que protege os “de menores” delinquentes e nunca, nunca, nunca prende os ricos. Mas voltando ao filme de Fábio Barreto, a ideia era criar um novo mito, aproveitando a popularidade do então presidente Lula e, segundo as discussões à época, catapultar a eleição da candidata petista Dilma Roussef, que como todos sabemos foi eleita. Inspirado no livro homônimo de Denise Paraná (1996) o filme de 2009 lançado no primeiro dia de 2010 custou 16 milhões de reais – o mais caro até o lançamento de Nosso Lar, no mesmo ano – e foi escolhido como o representante do Brasil ao Oscar de filme estrangeiro, batendo o preferido do público, Nosso Lar e outra cinebiografia, Chico Xavier. O filme de Barreto não passou sequer da primeira seleção que preferiu o excelente biutiful, do mexicano Alejandro Gonzáles Iñarritu (esse eu vi! Putz. Filmaço!), o canadense Incêndios, o argelino Fora da Lei e o grego Dente Canino. A estatueta ficou para o também vencedor do Globo de Ouro Em Um Mundo Melhor, da Dinamarca. Lula, o Filho do Brasil tem muitos pecados. O primeiro dele é selecionar um retalho grande demais da vida de uma criatura e suas necessárias transversalidades. O filme mostra ainda a determinação de dona Lindu, mãe de Luiz Inácio, cuja coragem e fibra ajudaram a fazer do filho o que ele viria a se tornar. Não vi o filme no cinema por pura falta de tempo e interesse – aliás, fui bem pouco ao cinema em 2010 e 2011 – e passei ao largo de todas as teorias de conspiração projetadas a partir da película lançada em ano eleitoral, custeada por quem, isso e aquilo. Vendo ontem na TV, o filme me parece raso ao contar de forma recortada e simplista a trajetória do futuro líder sindical, da infância pobre até sua vitória nas eleições presidenciais, citada na última e derradeira cena do filme, novamente com referência à dona Lindu. As cenas vão saltando de uma para outra sem que amadureçamos nada para a ideia seguinte. Se a proposta era mostrar o líder sindical, então que esse fosse o mote e o filme começaria na diplomação pelo SENAI do jovem torneiro mecânico Luiz Inácio da Silva. O completo descaso do pai na infância, as agressões sofridas, o menino inteligente que fala da moça que morreu na viagem de pau de arara, comovendo a professorinha Lucélia Santos (?!), o rapazola que suja o macacão – símbolo máximo daquela classe, “Eu ainda vou ter um macacão desses!”, o jovem Lula diz com esperança – para satisfazer a mãezinha; o primeiro relacionamento e a morte da esposa e do primeiro filho. Sério, eu jamais teria colocado aquela cena ridícula de “O-senhor-precisa-ser-forte-porque-seu-filho-morreu-e-mais-forte-ainda-porque-sua-mulher-também-morreu e agora vá pra casa que a gente tem mais pobre pra matar!” e a patética despedida no cemitério, cortando pra cena seguinte quando, “pra ocupar a cabeça”, o sindicalismo surge como catarse. “Isso aqui é minha família agora!” ele diz, e vai galgando o poder pela simpatia, pelo carisma, pela organização, pelo desejo de ajudar a melhorar o mundo sem se assustar com a ditadura militar que avançava: “Cadeia é pra homem!”, ele afirma com convicção. As sequências no estádio de futebol quando a greve é decidida; na igreja quando a greve é mantida após ele colocar o cargo à disposição “porque esse sindicato é de vocês, trabalhadores, não dessa diretoria!”, a prisão e mesmo antes, quando ele vende laranjas e peita o pai ao defender a mãe “Homem não bate em mulher!” (um nordestino dizendo isso? Têm certeza?), tudo tende a criar uma atmosfera de austeridade viril que me faz lembrar Balin contando a história de Thorin Escudo de Carvalho: “Então eu pensei: Esse é um homem que eu poderia seguir. Esse é um homem que eu poderia chamar de rei!”. Muitos seguiram desde o ABC Paulista. Lula se tornou presidente do Brasil e após dois mandatos saiu como a maior incógnita da história política desse país. Ainda hoje é chamado de presidente. Ainda hoje seu nome é sussurrado em escândalos. Muitos de seus pares caíram vergonhosamente, mas não receberam o justo corretivo, e no entanto, sua presença em palanques ajudou a catapultar – e destruir, na minha opinião, como aqui em Belém – muitas candidaturas nas últimas eleições municipais. Se tivesse morrido vitimado pelo câncer, teria sido chorado pelas multidões como foi Getúlio Vargas quando de seu suicídio. Como não foi, foi ridiculamente incitado a procurar o SUS para seu tratamento. Fico sem saber quem é esse homem afinal. O do filme eu tenho certeza que não é. HUDSON ANDRADE 03 de janeiro de 2013. 9h19

2 comentários:

Unknown disse...

Olá Mano,
Também não vi o filme no cinema. Por esse motivo não opinava. Mas, percebi que pessoas que também não tinham visto, criticavam de maneira ferrenha esse trabalho. Meu amigo, existe um movimento, que nem é sutil, de desqualificação da figura do Luis Inácio(LULA). Uma tentativa de supervalorizar os defeitos, e assim, minimizar as virtudes, como se isso fosse possível! Foi assim com todos os líderes populares, e acho essa "coincidência" estranha. Quanto à história, fico com o Belchior; "...mas também sei que qualquer canto, é menor do que a vida de qualquer pessoas!". Achei fraco o filme. A história desse cidadão merecia ser contada de maneira menos "apressada". Afinal, foi um retirante que se transformou em Presidente do Brasil. Abraços Artur Cruz

Elton S. Neves disse...

Assisti o filme,está longe se ser um grande trabalho cinematográfico.Agora quanto a quem realmente é Luiz Inácio Lula da Silva,só o tempo e a história dirão. Parabéns pela postagem bem escrita.