terça-feira, dezembro 06, 2011

COMO SE FOSSE... COMENTÁRIOS DE UMA ESPECTATRIZ.



2011 me deu muitos presentes e entre eles, Como se fosse..., o espetáculo que me colocou em cena como ator e como autor, mas sem qualquer distanciamento de mem, do público, literalmente desnudo.
Hoje eu sou ouvinte, eu, que tantas vezes me arvorei de comentarista. As palavras são de Rosilene Cordeiro, atriz que para mim é pura essência de arte, carisma e feminilidade. Outro presente! Deleitem-se!

COMO SE FOSSE Poesia... COMO SE FOSSE Teatro... COMO SE FOSSE O que eu queria dizer!
Ao Hudson Andrade e ao Leoci Medeiros


Deleito-me em ver aquilo que tem fundura.
Fundo poço de águas turvas ou claras, o aspecto do líquido aqui pouco importa de fato.
Água em estado líquido carrega em si a inteireza do fluxo, corrente que é na "bruteza" da sua condição primeva.
Vivi algo assim, como embebida pela maré, quando estive como "espectatriz" do espetáculo encenado pelo Hudson Andrade e o Leoci Medeiros, COMO SE FOSSE, em pauta na Casa da Atriz no mês de junho deste ano.
Senti-me- por um certo momento mágico e arrebatador- uma celebridade entre célebres! Não o sou, mas estive celebridade quando tive a chance de presenciar dois atores, leves e graciosos atores!- "compartilhando mergulhos" na/ da cena teatral com apenas dois espectadores “de fora”, sendo eu mesma um deles. Na verdade éramos quatro na grande cena, ou melhor dizendo, seis porque o Paulo e a Yeyé Porto estavam lá.
Não pretendo, nem teria como fazer uma análise crítica do mesmo porque disso, nada compreendo. Nem tão pouco seria capaz de organizar um comentário tão rápido que pudesse dar conta da ebulição de coisas que essa experiência me conferiu. Ao término, apenas consegui dizer aos presentes sobre o sentimento da hora: "Primeiro eu preciso voltar à superfície! rr. È algo sobre o qual eu gostaria de escrever um pouco.”
Bem, eu tenho feito algumas incursões perceptivas pela estética teatral em “estado” de platéia que reconhece a necessidade de prestigiar colegas de ofício, produtores de arte, teatral sobretudo, pois não há como fugir disso uma vez que nessa seara estou com os dois pés embutidos. Mas move-me, também, o desejo de exercitar o olho, as sensações das diversas partes do corpo, a mente desejosa de coisas boas, belas, poesias subliminares passíveis de seguirem comigo vida a fora, ofício a dentro.
Nessas parcas andanças, tenho colhido impressões, reflexões, quadros sem molduras de questionamentos, disparos de dúvida, dor, medo os quais dou-me na tentativa de atribuir vigor a esse fazer/ pensar que tem se constituído minha atividade teatral, desde os idos (bem idos!rr) dos meus 14 anos, isso na década de 80, como cria da FUMBEL que fui.
Aprender leva tempo, a maturidade ensina-nos a abrir bem os olhos e o coração para o novo de cada coisa diante de nós.
COMO SE FOSSE mágica, ali, naquele banco que se fez MEU lugar por algum momento, dividido com outra pessoa desconhecida, fiz uma viagem não planejada para o interior de um teatro pouco difundido, ao qual me propus, mesmo antes de sabê-lo como hoje o compreendo, meu lugar de encontro e mutação, teatro trabalho, transpiração, construção física-emocional-política.
O espetáculo é idas e vindas. Sobe e desce, abre e fecha, riso e dor, pergunta e afirmação. Trata exatamente do interior disforme e pouco conhecido da grande massa. Fala dessa ARTE em 'capslock' que cruza o ser ator instigando-o à exaustão do corpo e da mente, tirando-lhe o sossego, a carne fria, a respiração tranqüila, que atira sua alma à parede arremessando verdades, inquirindo-o e devolvendo-lhe aquilo que o incomoda, que o aflige, denunciando sua fragilidade e sua permanente busca por realizá-lo com a maior verdade que lhe seja possível atribuir.
Em frases/ textos selecionados dos clássicos do teatro num passeio histórico pelos diferentes lugares dos conceitos e depoimentos teatrais por teóricos do mundo afora até o que há de mais hodierno, vazando no contemporâneo da vida, vagamos como interlocutores da cena, sendo levados a ler o que o TEATRO continua a nos colocar como questões cruciais que atravessam o tempo cronológico desembocando no fazer que pretendemos hoje quando tocados por suas múltiplas poéticas. Pra mim é uma denúncia que as vezes é preciso voltar, estudar, olhar mais dentro, investigar, debruçar-se na correnteza que levanta a canoa que nos leva ao grande e tenebroso mar da realização teatral como obra de arte que é.
Dizia aos meninos- Hudson e Leoci- inclusive, que o cerne do espetáculo deveria ser elevado a uma disciplina acadêmica, dado a necessária audiência de todos nós que nos dizemos seguidores das artes cênicas, pelo provocativo que suscita em torno desse trabalho laborioso, caótico, difuso e deleitoso do qual nos munimos como partícipes dessa empreitada que desejamos abraçar.

Por um instante, pensei no que significam os fóruns, as redes sociais criadas em torno da temática, as reuniões com pautas pontuais, os núcleos de formação específica, os estudos, as pesquisas, os eventos que temos empreendido em sua direção. Pensado sobre o largo e pedregoso caminho galgado por muitos ( bem poucos ainda!) em prol de políticas públicas que possam, finalmente, reconhecer e agregar à nossa ARTE/OFÍCIO o valor social e artístico ao qual Ela faz jus, pelo histórico de ação no mundo, pelas tantas vidas em torno dela organizadas.

Sai da Casa da Atriz mexida, sensação mista de confusão e alegria, revigorada (porque as vezes alguns espetáculos nos permitem essa vazão!) pelo fato de que não estou sozinha na ‘loucura’ (talvez a mais sã de toda minha carreira existencial) de perseguir um jeito peculiar -meu jeito- de cristalizar aquilo que eu penso, que eu acredito, que eu divulgo, que eu quero comunicar com a minha arte, não numa tentativa vazia e isolada, mas dialogando com tudo que possa colocar o teatro no lugar que lhe é merecido desde sempre: EM CENA! NA ANTEMÃO DA ARTE VIVA, PULSANTE, INTEGRAL E GALOPANTE EM PERMANENTE MUTAÇÃO!
A todos os envolvidos nesse trabalho, um abraço gostoso e desejoso de vê-los logo, logo em cena novamente.
Ao Hudson e ao Leoci, um cheiro mais que especial pela emoção que me deram, pelo olhar fundo vez ou outra dividido na contracena extrema de cada fala compartilhada, daquela apresentação que, me permitam os demais, foi devotada a mim, justamente pelo mergulho que me dei na presença de vocês.
As lágrimas dizem do resto, desse resto que não cabe no instante da palavra, mas que é capaz de resignificar o tempo e a qualidade do que sentimos uns pelos outros. Do ânimo que vamos dividindo como colegas de profissão e sonhos.
Meu sentimento? Prazer.

Com o coração festivo e de volta à respiração diafragmática!rr, abraço-os.
COMO SE FOSSE um de vocês...


Rosilene Cordeiro, julho de 2011
- É atriz. Entre seus trabalhos destacam-se Paixão Fosca e Em Algum Lugar de Mim.
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sexta-feira, dezembro 02, 2011

CHOVE CHUVA


Cheguei em casa e já chovia. E assim foi. Mais forte, mais fraco, gotejando, respingando, batucando nos telhados, nas folhas, escorrendo nas paredes e nos muros.
A chuva dá folga à Lua, que por trás das nuvens retoca o seu lado iluminado, gravitando enquanto engravida para marcar mais um mês.

A chuva enxota os gatos para as caixas de ar condicionado, empurra pessoas pras marquises, esconde o guarda-noturno. Até agora, quase duas, não ouvi seu apito, matinta-macho montado em bicicleta.
A chuva enovela os cães. O chuvisco intermitente cantarola ninares; a água refresca tudo. Ainda assim sinto calor, talvez porque não haja vento e sem vento a nuvem não viaja e continuar a chorar sobre meu bairro – ou será sobre a cidade?
Se ela engrossa, a gente se preocupa. Se ela falta, a gente lastima. Se cai no domingo, a gente reclama. Se no retorno, não molha. Se é criança, gripa. Se é semente, incha. Se lago, engorda. Se poça, sonha grandezas de mar.
Em Belém, chuva é sinônimo. Já foi relógio.
As nuvens cospem relâmpagos quase mudos. É preciso atenção. Não é como o temporal: tonitruantes, abusados, violentos. São vagalumes gigantes nessa madrugada sem insetos.
Tudo é tão calmo, tão quieto, que assusta. Tudo se recolhe, menos ela, a própria, a chuva, caindo calma como se fosse pra sempre.
Não quero dormir, mas sei que devo. Amanhã tem muito que fazer e eu vou sair e pisar no chão molhado e ver o sol multiplicado nas gotas penduradas nos galhos, nas calhas. Quem sabe o sol virá de terno cinza. Pode ser. Mas aqui é Belém. Logo ele explode e seca tudo e a gente vai dizer: Ontem foi tão bom dormir. Tomara que hoje chova de novo, que meu amor me aconchegue.
Uma formiga de asas pousa louca na cama. “Sem insetos”, eu disse?! Lanço-a longe. Protejo as orelhas “pra elas não fazerem ninho”, minha tia Coló dizia. Elas saíram de casa e procuram pousada. Eu, na minha cama, olho preguiçoso o interruptor do outro lado do quarto. Melhor fechar o caderno e apagar a luz. Tenho que dormir.
Essa chuva vai longe!

HUDSON ANDRADE
02 de dezembro de 2011 AD
2h08


Crédito da foto: Carlos Correia Santos, em São Paulo, novembro/2011