segunda-feira, março 22, 2010

A MALDIÇÃO DISSO E DAQUILO



Pessoas, pensem num sábado de madrugada, Sessão Coruja, em exibição Um Corpo que Cai, Psicose, Disque M para Matar, algo assim! Pensem naquelas letras de corte quadrado, sobre fundo branco, parecendo antiquadas já naquela época; pensem num longa comprido, cheio de personagens que gravitam em torno em um protagonista determinado, mas cheio de recalques, mais um anti-herói do que mocinho, que tem lá o seu charme, mas fuma feito um condenado; mulheres bonitas, cheias de classe e charme, movimentando-se languidamente pelas cenas, cheias de personalidade, criando a confusão e a cizânia na mente do dito personagem principal; homens sérios, calados, irônicos, pulando da sombra e voltando rapidamente pra ela, cheios de meias palavras e verdades completas disfarçadas de mentiras, ou meias verdades disfarçadas de dúvidas, ou mentiras absolutas que parecem reais de tão coerentes.
Assim é Ilha do Medo (Shutter Island, EUA, 2009), a nova produção de Martins Scorcese, o diretor ítalo-americano que já nos deu filmes tão diferentes quanto Depois de Horas, Os Bons Companheiros, A Época da Inocência e Gangues de Nova Iorque. Esse cara meio franzino e grisalho, que parece calmo, de fala mansa e que sugere ter um furacão dentro de si, mostra seu lado hitchcoquiano no longa que trás Leonardo di Caprio, Mark Ruffalo, Ben Kinsley e Michelle Willians (a esposinha de Ennis Del Mar em Brockback Mountain – aqui bem mais bonita e igualmente antipática, o personagem, naquela voz de coitadinha e olhos baixos de cachorro que quebrou panela!)
Na ilha Shutter, que abriga o Hospital Psiquiátrico Correcional de Ashecliffe, os ambientes internos são escuros e opressivos; os externos, íngremes e limitantes. Névoa, faróis sem luz, muros grossos, grades, florestas que despencam, cemitérios, tempestades, céus iluminados por relâmpagos, Gustav Mahler. Fechados nela (como o título sugere), o detetive federal Teddy Daniels (Di Caprio) e seu parceiro Chuck Aule (Ruffalo) devem investigar o desaparecimento de uma paciente e, ao mesmo tempo, empreender uma caçada redentorista a um tal Andrew Laedis, o assassino de Dolores (Willians), esposa de Daniels. Mas como diz um paciente ao detetive, ele não passa ali de um rato num labirinto e continuamente é incitado a partir, ou jamais deixará aquela ilha. Obstinado, Daniels insiste em sua cruzada mesmo percebendo que trilha um caminho sem volta.
Os movimentos de câmera, a trilha sonora, a mistura de verdade, alucinação, sonho, desconfiança, tudo nos coloca junto ao atormentado detetive e se ele enlouquecer, enlouquecemos juntos, ou saímos dali e ficamos todos bem. Talvez por isso algumas pessoas tenham saído do cinema (que bom que saíram, porque se tem uma gentalha que eu não tolero em cinemas e teatros é esse pessoalzinho que fica conversando, comentando e tals!); talvez por isso outras tenham saído logo ao final da exibição, ou ao acenderem as luzes. Semblantes carregados, gargantas secas. Ilha do Medo é um ótimo filme, mas não é um filme pra todo mundo, sobretudo praqueles que cinema é a maior diversão. Tão logo eu me livrei do desgraçado que ficava acendendo o celular bem ao meu lado e ignorei a lesa que ficava dizendo pro namoradinho que tinha medinho de escuro e que não gostava de filme assim que ela ficava nervosa (pensa aonde esse truque vai dar!) ficou zuzubem e eu nem senti as duas horas e vinte minutos de projeção. Saí com vontade de voltar e fiquei pensando que se não fosse a falta de grana pro táxi teria sido legal assistir a última sessão e caminhar na penumbra dos corredores vazios do shopping, brincando que os manequins abriam uns olhos vítreos (como o anjo na sepultura da esposa de Louis em Entrevista com o Vampiro) e os seguranças não eram mesmo quem eles pareciam ser. Brincadeira que acabaria logo na calçada, que a realidade dos pontos de ônibus aqui pelos lados da Marambaia são muito mais assustadoras que qualquer filme gótico.

HUDSON ANDRADE
20 de março de 2010.
11h20

OBSCURO REYNO ENCANTADO


Fundo Reyno é um espetáculo difícil!
O trabalho escrito, musicado e dirigido por Walter Freitas estreou no dia 18 de março no Teatro Waldemar Henrique e segue duas semanas de temporada. E por que é difícil?
É difícil porque o enredo da trama até que é simples, mas o desenvolvimento do roteiro é lento e complicado. Até que a gente entenda quem é quem e o que ele está fazendo ali, muito tempo já passou. E o programa – que eu optei por não ler antes – não dá qualquer indicação de pra onde a coisa vai. “Intriga, sexo, feitiço, traição e morte nos rios da Amazônia” é tanta coisa pra dizer e dito como foi pode resultar muito pouco.
Os personagens vão se delineando devagar, confusos, e a proposta brechtiana de estar em cena e trocar de roupa e personagem por não ser mais precisa e assumida nem é só troca de roupa nem cena.
O texto parece ser interessante, mas quer dizer tudo. Não nos sobra espaço pra pensar. Há longas explanações cheias de detalhes e referências parecendo querer evitar que alguém diga “faltou isso, faltou aquilo!”. Por ser em verso as falas precisam ser mais articuladas, projetadas e bem ditas, para que a métrica não caia no ba-ta-ti-nha-quan-do-nas-ce. Essa imprecisão ajudou a tornar ainda mais difícil o entendimento do espetáculo. Um bom trabalho de mesa é imprescindível.
Fundo Reyno tem uma corporeidade frouxa. Trabalhar com objetos invisíveis é criar armadilhas para si – perigosas e risíveis. Os atores não são mímicos e mímica é algo mito mais elaborado e simbólico. Melhor seria codificar os gestos e tornar a encenação corporalmente limpa.
Nos números musicais, o dilema: amplificar os instrumentos de corda e cobrir a voz dos atores, já que nem todos cantavam, ou o faziam bem fraco; não amplificar os instrumentos e fazer seus sons se perderem nas vozes de Mônica Lima e Walter Freitas. Um ponto absolutamente positivo é ter a música ao vivo e executada também pelos atores que, não sendo músicos – a exceção, parece, só o próprio Freitas – carecem de grandes valores musicais. Não estou pedindo virtuosismo. Na minha companhia temos o mesmo problema e basta colocar um caxixi na mão de um ator, ou atriz pra cena virar um caos. Digo que se assuma isso, ou deixe na mão de quem sabe, como temos feito em nossos últimos trabalhos.
A mistura de catolicismo, encantaria, religião afro; a cenografia na entrada que tanto pode ser a sujeira dos personagens quanto um apelo ecológico pelos nossos rios; as ações paralelas, demais, as quase duas horas de ladainha que, ralentadas, parecem muito mais; o calor insuportável e o desconforto do Waldemar Henrique (isso são outros 500!), tudo colabora para tornar Fundo Reyno ainda mais difícil de ser aprecisado. Frente a isso tudo há que se valer da máxima de que, em muitos casos, menos é mais. E isso é pra hodie.
Santo Expedito, ora pro nobis.

SERVIÇO: FUNDO REYNO. Teatro Waldemar Henrique, dias 18 a 21 e 25 a 28 de março de 2010, sempre à 20 horas. Ingressos na bilheteria a R$ 10,00 (com meia).
Música, direção musical, dramaturgia e direção: Walter Freitas.
Cenografia e figurino: Maurício Franco.
Designer de luz: Thiago Ferradaes.
Produção: Cristina Costa.
Elenco: Juliana Medeiros (Pajé Sacaca), Pauli Banhos (viúva Zulmira), Wellingta Macêdo (Nhá Luca / o Bicho), Andréa Rocha (Antero Denizar), Mônica Lima (Bandeireiro), Akel Fares (Rabequeiro) e Walter Freitas (Violeiro).
Projeto agraciado com o Prêmio Miriam Muniz da Fundação Nacional de Artes – FUNARTE, Ministério da Cultura e Governo Federal.

Hudson Andrade
19 de março de 2010
9h28

FACE-OFF




Tenho por princípio para meus comentários no blog não escrever sobre algo que eu não tenha irremediavelmente gostado. Que é que eu diria? “Não gostei. Ponto!” Não sou um crítico de profissão e portanto não me ateria a detalhes técnicos e tal só pra falar de algo. Também não sou um blogueiro por excelência. Até gostaria de ser, mas não tenho tempo, ou desejo de postagens diárias, ainda que elas pudessem ocorrer mais amiúde, diria um desaparecido amigo.
Decidira não escrever sobre Avatar (EUA, 2009), que eu irremediavelmente odiei, mas ao finalmente assistir Guerra ao Terror (The Hunt Locker, EUA, 2009), ponderei que a melhor maneira de falar sobre o filme de Kathryn Bigelow seria comparando-o com o de James Cameron, seu principal concorrente ao Oscar 2010. Faço isso usando os princípios do Big Five: filme, diretor, roteiro, ator e atriz principais.
Um filme precisa ter um roteiro, original, ou adaptado. O resultado vem em grande parte desse roteiro, daí tantos embates, mudanças, exigências da Indústria nesse quesito. Claro que ele deve ser excelente, mas se não for, que seja conciso, coerente, limpo e tenha a propriedade de encantar o público a ponto mesmo de virar um sub-produto do filme, ou levar milhares de pessoas a querer ler o que lhe deu origem. Avatar e Guerra ao Terror têm roteiros simples, sem grandes curvas dramáticas, ou reviravoltas. O segundo, aliás, nem tem reviravoltas. O roteiro de Mark Boal é documental, franco, reflexivo. O roteiro de Cameron é apelativo, maniqueísta e repetitivo.
Cameron deu a cara de Hollywood aos seus personagens: Sam Worthington, um dos atuais queridinhos da Indústria (e que a meu ver ainda não acertou a mão e as escolhas!) e Sigourney Weaver, que tanto já fez Alien, o Oitavo Passageiro, quanto fez Alien, a Ressurreição (!!!); os demais são fantoches unidimensionais, ou personagens virtuais – o povo Na’vi. Interpretações toscas. Guerra aponta em caras novas, exceto as participações especiais e luxuosas de Guy Pierce e Ralph Fiennes (limpando a alma de Lorde Valdemort!). O filme está mesmo nas mãos de Jeremy Renner (Sargento James, concorrente ao Oscar de melhor ator), Anthony Mackie e Brian Geraghty. Seus pequenos e grandes medos, anseios, alegrias, tristezas, uma vida engarrafada nos dias que se escoam perigosos entre o fim de um rodízio e o início de outro. Guerra me ganha porque eu gosto de filmes de gente, suas incoerências, lutas, idiossincrasias (VER ISSO). Aqui os personagens têm uma falha trágica que os humaniza e engrandece. Em Avatar os torna patéticos.
Cameron e Bigelow são excelentes diretores. Rolava nos anos 80 um papo de umas camisetas de equipe onde se lia “Não mexa comigo. Trabalho para Jim Cameron.”. Preciso, inteligente, exigente, detalhista, obstinado. Tudo isso se pode dizer de Cameron e não é a toa que seus filmes são longos (3 horas e meia é demais para os atuais padrões comerciais), caros e levam anos da concepção ao produto. Infelizmente, isso não significa qualidade. O oscarizado e lacrimejante Titanic (sim, eu chorei nele!) e o testoterônico e ecologicamente correto Avatar são duas babas. Dois bolos de noiva com muito glacê e pouca manteiga. Em sua estréia, a primeira mulher a levar um Oscar de melhor direção optou por uma refeição mais simples, balanceada, bem temperada e palatável, não entrando para os clichês sanguinolentos comuns em filmes de guerra; uma violência mais fruto da tensão da cidade (Bagdá), dos seus habitantes (amigos jamais, espiões, submissos?), da vida por um fio de detonador. Seqüências longas e silenciosas que causam uma angústia em quem assiste e dão noção de quanto o tempo – esse inimigo – pode ser ingrato e sufocante.
Filmes pedem uma mão firme. Ambos têm, mas seus objetivos são diametralmente opostos. E não, Kathryn Bigelow não é a ex-senhora James Cameron.
Enquanto filme Avatar é uma embalagem, a forma escolhida por Cameron para vender seu produto. Leia-se a tecnologia para todo o processo de criação da película. E por privilegiar a forma, menosprezou o conteúdo.
Enquanto filme Guerra ao Terror é um veículo, a forma escolhida por Bigelow para questionar a guerra, sobretudo a do Iraque, atravessada na garganta dos americanos, e seus agentes, seja por convicção, vazio, ou obrigação; mas enquanto conteúdo não abriu mão da forma. A seqüência do homem-bomba é fantástica, emocionante e apavorante. Aqui destaco ainda um ponto-chave. Em Guerra os efeitos especiais estão a serviço do roteiro, do filme em si, uma parte importante que soma e dá destaque aquilo que realmente importa, camuflado que está de ocasional. Em Avatar os efeitos especiais premiados com o são o filme. Nesse aspecto Cameron alcançou seus objetivos, mesmo perdendo o Reino dos Céus.
Assistir Guerra ao Terror (esse título é pra induzir alguma coisa na gente?! Afinal, o original faz referência ao trabalho do sargento James e quem sabe sua mania de souvenires de guerra) é uma experiência para ser repetida, multiplicada (não falo em continuações, claro!), discutida. Avatar é acompanhamento de pipoca. Avatar é um filme. Guerra é prosa, poesia, amor e sexo. Fazia tempo que eu precisava ver um filme assim!

Hudson Andrade
18 de março de 2010
10h27

EU 23


Acordei porque tinha que acordar. O despertador não tocou. Jogado na cama estranhei o silêncio da casa. Desci as escadas e percebi que apesar de ainda cedo, todos os cômodos estavam impecavelmente arrumados e limpos. Não havia café no bule nem leite na geladeira e ninguém também comprara o pão.
Aliás, não havia ninguém em casa. Onde estariam todos? peguei o telefone para ligar para minha mãe mas a linha fazia seu som ininterrupto e monocórdico sem que eu conseguisse acessar qualquer número que fosse. E ao ligar o celular percebi que toda a minha agenda estava vazia, assim como no bloco telefônico todos os números tinham simplesmente apagado.
Me deu um medo de sei-lá-o-quê e eu sentei na poltrona em frente a TV que não passava programa algum e fiquei lá sabe Deus quanto tempo sem fome, ou sede, só uma sensação de vazio na boca do estômago e que foi ocupando minha cabeça com um zumbido.
Decidi descobrir o que havia acontecido, mas ninguém ocupava as casas da vizinhança. Os portões estavam sem cadeados, os carros frios, os brinquedos das crianças no quarto das crianças. Não havia cachorros nos quintais, gatos nos telhados, peixes nos aquários e as gaiolas estavam vazias com seus jornais no fundo, intactos e sem data.
Depois de passar por escolas sem alunos, academias sem atletas, nenhum fiel, beata, ou vela acesa nas igrejas, semáforos desligados e vitrines vazias, considerei a total insanidade daquela situação e cogitei que se o fim do mundo acontecera eu não era joio nem trigo.
Se eu não podia telefonar também não poderia enviar e-mails, então decidi escrever cartas, ou bilhetes, mas percebi, horrorizado, que se houvesse um endereço para onde enviá-las – e não havia! – eu não lembrava o nome de qualquer destinatário. Além do mais, que carteiro as entregaria se nem a bandeira do quartel havia sido hasteada?
Foi em frente à baia sem marolas ou urubus que eu ao não sentir o vento desisti de ir embora. Pra onde?! E foi quando constatei que tinha atravessado a cidade inteira sem cansaço, sem que o sol me incomodasse, sem chuva. Devo ter morrido, pensei, mas onde estão Deus, as outras almas, os vales de enxofre, o Nirvana, os Campos Elíseos?
Aquele vazio que subira do estômago para a cabeça com um zumbido agora rodopiava na minha pele arrepiada e eu teria de bom grado elaborado alguma teoria se uma inconsciência não bloqueasse meus pensares.
E então meu corpo leve começou a subir do chão e num alto, cercado de cadeiras, mesas, ursos de pelúcia, canetas, tesouras, camisas, vasos, muletas, garrafas, sapatos, fraldas, livros, pneus, esponjas, martelos, retratos de ninguém, talheres, vassouras, gerânios, enfim, de um tudo leve e furta-cor como bolhas de sabão, fui subindo contra um fundo preto e silencioso e naquele vazio não ouvi nada, não disse nada e sem cheiro, frio ou calor, fechando os olhos, não vi mais nada!

Hudson Andrade
15 de março de 2010.
16h49

ACEITA ESSA CONTRADANÇA?



20 anos e dezenas de Sessões da Tarde depois eu assisti pela primeira vez Dirty Dancing. Lembro que (I’ve had) The Time of my Life concorreu ao Oscar de melhor canção (levou?) e de eu ter adorado a apresentação: um teatro de sombras em que um cavaleiro lutava por sua amada princesa. Depois nada. Afinal não é o tipo de filme que me encha os olhos. De fato a história é tosca, cafona, datada; os personagens não têm nuances, as interpretações têm a profundidade de um pires, o figurino demonstra todo o horror dos anos 80 – apesar de a trama se passar em 1963! – e até mesmo o tal dirty dancing do título (suja em contraponto aos tradicionalistas e comportados bailados do acampamento de férias Castkill´s) não passa de uma esfregação tímida e inócua nesses tempos de rebolados em velocidades ascendentes. Será que na época alguém sentiu algum comichão?! Eu não sentiria vendo casais – todos heteros e nenhum interracial – mexendo e remexendo e aqui e ali uma mão na bundinha.
Por que diabos então eu estou aqui escrevendo sobre o filme de Emile Ardolino? É que um fato interessante aconteceu. Ao assistir o tal, a famosa cena final: todo mundo dançando parece final de novela das 7; o Johnny Castle (Patrick Swayze, que Deus o tenha!) cantarolando The Time of my Life para Baby (Jennifer Grey), fiquei com os olhos marejados. Talvez isso tenha levado tanta gente ao cinema e aos recentes casamentos que usaram a cena para a entrada dos noivos. Gente como eu que vive ganhando sorteios, bingos e quermesses. Pra mim tem um adicional: eu quero ser um ator-bailarino, fazer coreografias, sair cantando e dançando pelos palcos. Mas o que realmente me tocou foi ver o beijinho apaixonado do casalzinho no salão cheio de gente feliz e redimida.
Continuo afirmando que obras de arte estimulam o pensamento, o questionamento, nossos valores. Comunicam coisas. Que não se confronta uma obra de arte incólume nem ela passa por nós “...like the wind through my tree”*. Mas arte também é emoção – o que só reforça o que eu digo! – e que bom que seja. Esse mundinho estéril em que nos tornamos precisa disso!

(*) She´s Like the Wind, canção do filme interpretada por Patrick Swayze.

Hudson Andrade
13 de março de 2010
11h57

OSCAR 2010



Antes de mais nada deixa eu dizer que tenho ido pouco ao cinema. Por falta de tempo mesmo e sobretudo por falta de paciência. Sabe aquela exigência que eu já comentei antes e que alguns amigos reclamam que tem ficado demais? Poizé! Quanto mais eu trabalho com teatro, tenho contato com teóricos, trabalhos os mais diversos e, recentemente, com a filosofia da arte, começo a perceber que tenho que ser seletivo, pro bem, claro. Ainda devo continuar a ver de tudo e ter base para discutir de tudo. No entanto o fator financeiro é algo que vai ser agregado nessa equação e já que meu dinheiro não dá em árvore, coloco esse também como um critério. Devo ver tal trabalho, mas isso vai me custar dinheiro além do aborrecimento, então não vejo (é claro que não vou só a sessões gratuitas, afinal estou pagando o trabalho de alguém!). Nessa categoria já estavam todas as comédias americanas, todos os filmes romanticozinhos, todos os com adolescentes, sobretudo se eles cantam e dançam e andam as voltas com o outro mundo, todos os com bichinhos, muitas refilmagens, alguns de diretores como Steven Spilberg, Chris Columbus (seu seguidor fiel), os antigos filmes de aventura, agora testosterônicos, as terceiras continuações e além (mesmo com o Johnny Deep nelas!), enfim. A lista é grande e não estamos aqui pra discutir isso. Essa arenga toda foi pra dizer que eu não vi quase nenhum filme concorrente ao Oscar e nem sabia de muitos e desconhecia os concorrentes ao prêmio. E tinha decidido não assistir a entrega do Oscar, que aconteceu domingo , 07 de março. O motivo? Birra! Não queria ver a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood premiando a cultura de massa e entretenimento representada por Avatar, a colorida (mesmo!) embalagem que James Cameron usou pra vender sua nova tecnologia cinematográfica e que ele chama de filme.
Aliás, de tanto as pessoas dizerem que só eu não gosto de Avatar, estou pensando seriamente em criar uma comunidade no Orkut: “Ei! Mais alguém aí NÃO gosta de Avatar?”. Vamos ver no que é que dá! Justifico não gostar do dito porque gosto de filmes de pessoas e para pessoas, que roteiros simples não precisam ser rasos, que as histórias, os personagens, têm que ter nuances, curvas, precisam ser verossímeis, criando identificação com quem os assiste. Só pra justificar o roteiro, ele é absolutamente igual a Dança com Lobos e foi mesmo comparado com ele, mas interpretações tocantes (Kevin Costner estava ainda em sua boa forma naqueles tempos!), uma trilha sonora fantástica, uma busca pelo emocional (mesmo piegas em muitos momentos, como a cena final!) e detalhes outros me ganharam para a história do soldado que se envolve com os indígenas nas pradarias norte-americanas e me fizeram, pela total ausência, odiar o soldado que se envolve com os indígenas das drag-queenérrimas florestas de Pandora, o mundo fictício do povo Na´vi.
Daí que não assisti a premiação e qual não foi minha surpresa ao ver no dia seguinte o resultado. Avatar ficou com apenas três estatuetas para os chamados prêmios técnicos: Efeitos visuais, fotografia (que eu questiono, mas chega!!!) e direção de arte. Acho justo (com aquela ressalva ali atrás). Para os fins a que se destina, o filme recebeu o que merecia. O que me surpreende é que a Indústria do cinema tenha optado por outros caminhos, outros valores. Pra ter certeza disso eu precisaria assistir Um Sonho Possível e Preciosa, pra saber se a Sandra Bullock está realmente melhor no papel da mãe adotiva, ou se eu com algum protecionismo disfarçado de discurso moral não estou privilegiando Gaboury Sidibi por ela ser negra, obesa e fora de qualquer padrão para estar no elenco de uma produção decente, vivendo um personagem que mal dirigido pode virar um estereótipo desagradável.
Não vi o grande vencedor da noite, Guerra ao Terror, da diretora premiada Kathryn Bigelow, apresentada sempre como a ex-senhora James Cameron, como se isso fosse cartão de visitas. Além desse, recebeu ainda o oscar para melhor filme, edição de som, mixagem de som, edição (segundo Martin Scorcese, a essência da Sétima Arte!) e roteiro original, do jornalista BLÁ-BLÁ-BLÁ, o que me fez desejar ainda mais vê-lo e lamentar profundamente que ele tenha sido exibido em Belém ao longo de uma única semana, na chamada sessão Moviecom Arte, o que significa uma medíocre exibição única às 17 horas. Filmes considerados de arte tendem a ser algo obscuros, metafísicos, intelectualóides, destinados a um público seleto, privilegiado e pelo visto, ocioso. Às vezes, quando Deus dá bom tempo, os vencedores de melhor filme voltam à cena. Tomara. Desta vez, em seu devido lugar, já que na verdade a tal sessão de arte é destinada a filmes de baixo apelo público e que não arriscaria a rentabilidade da empresa que ainda pode pagar de séria e apoiadora da cultura. Afinal, dentro de um contexto obra de arte, Xuxa e o Mistério de Feiurinha, há semanas em cartaz em várias sessões também é arte.
Né?!!

sábado, março 06, 2010

AQUELES DOIS...




Para ler e depois ler Caio F, que faz, ele sim, parecer essa coisa de igual ser de verdade!)


Homossexualidade não é tema novo no cinema. Desde a sutileza dos diálogos de Ben Hur passando pelos vários matizes e glitteres de deboche, violência, romantismo, até o recente desencontrado amor de Jack Twist e Ennis Del Mar em Brokeback Mountain. Logo, contar uma história cujo foco seja esse precisa de um diferencial. E Aluísio Abranches apostou na consangüinidade e no incesto para contar seu Do Começo ao Fim (Brasil, 2009). Mas a ousadia acaba aí! Desde o início percebemos que aquilo não pode dar em outra coisa e quando Pedro (Jean P. Noher), pai de Francisco, questiona Julieta (Julia Lemmert), ex-esposa e mãe do garoto se ela não teme que a intimidade excessiva com o meio-irmão Tomás acabe sexualizada, a resposta é um tímido “sim” de olhos perdidos. E nada mais. Aliás, esse negócio de meio-irmão é só pra atenuar o climão de incesto da coisa.
Francisco e Tomás (... e ... quando crianças e ... e ..., adultos) vivem um e para o outro num mundo idílico: uma mãe incondicionalmente amorosa e compreensiva, Alexandre (Fábio Assunção), um pai-padrastro capaz de sufocar suas dúvidas e medos pelo amor à esposa, uma ama (seria esse o papel de Louise Cardoso?), uma casa linda, confortável, dinheiro bamburrando e ninguém mais. Nenhuma outra criança, empregados, escola, vizinhos e até mesmo o esporte dos meninos, a natação, prescinde de uma equipe. Como não se apaixonar (ou criar uma dependência?) daquele que é a sua mais presente referência?!
Daí tão logo se vêem sós Francisco e Tomás se entregam um ao outro como se aquilo fosse o mais natural e plausível possível, sem qualquer impedimento moral (o fato de serem irmãos), social, ou o que quer que seja. E a cama que os recebe, branca, imaculada, num quarto branco, imaculado, numa penumbra acolhedora e um discurso de “eu te amo porque...” que faz o sol nascer amarelinho, cedinho, cheio de um amor azulzinho, azulzinho, os redime de qualquer pecado, seja lá em que hemisfério for.
Aliás, ninguém questiona nada. Nem Alexandre, ou o treinador, ninguém. O que Abranches quer que pareça natural tira do roteiro o conflito, a falha trágica dos heróis lindos, másculos, honestos, queridos. Não existem curvas emocionais. O filme engata uma velocidade de cruzeiro e navega sem procelas. Daí eu vou discutir o quê?! O mundo não existe. Só existem Francisco e Tontom.
Quando os dois se separam pelo treinamento de Tomás na Rússia (!) os textinhos sobre ciúmes não convencem ninguém, assim como o sexo virtual. Francisco definha como um dependente químico e sua tentativa de transgressão é frustrada não por culpa ou moralidade própria, mas da moça que ao ver a aliança em seu dedo decide ir embora mesmo desmentindo a própria fala anterior “Se ele tem alguém esse alguém tem um problema porque ele é meu!”. Cadê aquela atitude? De fêmea fatal a madre da Castíssima Irmandade das Mantenedoras de Lares em alguns poucos fotogramas!
Francisco não resiste e vai atrás do irmão e amante. Putz! Contei o final. Relaxa. Em dez minutos de filme a gente saca isso. E o filme termina, abrupto, e eu fiquei pensando numa frase da Elen Vaneau, personagem de Andréia Beltrão em Som & Fúria: “Essa história é uma idiotice. Um amor assim não existe!”

HUDSON ANDRADE
09 de fevereiro de 2010 – 11h06

A MENINA, O MOÇO, RITINHA, A AMA DE LEITE




“O ator deve sempre começar de si mesmo, da própria qualidade natural (...). A arte começa quando não existe papel, existe somente o ‘eu’(...)”. (Stanislavski)


É do eu que nasce Solo de Marajó, um eu coletivo, como diz seu diretor Alberto Silva Neto, um eu de profundas raízes familiares, nas palavras de Cláudio Barros, um eu que se reparte na escrita de Dalcídio Jurandir e Carlos Correia Santos. Marajó da obra de Dalcídio, vigorosa; solo de se estar só e se bastar e precisar de complemento e solo de um chão onde o ator se mistura na cenografia de Nando Lima e na luz de Tarik Coelho. Tudo absolutamente minimalista, claro, limpo, fazendo aparecer quem realmente deve aparecer: o ator – o primeiro dos ingredientes desse fazer teatro. O segundo é a platéia. Nada mais é necessário.
E estávamos lá, ator e platéia para quarenta e cinco minutos de tanto tempo, tantos dias, tantas histórias. Ele virado muitos, mimetizado, os sons saindo do próprio peito, a voz firme e clara, o corpo transformando-se nesse e naquela, cada qual com sua particularidade, seus trejeitos, sua prosódia sem a necessidade de recorrer a sotaques e tucandeiras para que nos reconhecêssemos naquelas pessoas antes de tudo, pessoas; e nós daqui, atentos, a cabeça fervendo de criar caixinhas de fósforos, igarapés, redes, toalhas, altares. Entremeando tudo isso uma escuridão que me incomoda mais porque não gosto do breu e aprecio ver tudo acontecendo diante da assistência que acompanha quem é o ator e quem é o personagem; no entanto os blecautes são necessários – talvez um pouco longos – para que a encenação possa marcar bem onde termina cada “causo” e nos deixar no suspenso para o que vem depois.
Cláudio Barros assume a difícil tarefa de contador de histórias e se propõe com maestria a nos encantar com luas, indignar com o tratar mal não porque se é malino, mas porque a vida secou, desejar, amar, crescer, envelhecer.
Eu precisava ver isso. Todo mundo nessa cidade precisava ver Solo de Marajó. Teatro por excelência. Direção segura, texto preciso e sobretudo (sua majestade) o ator, que aqui e com Claudinho – como vou, abusado, me permitir chamar – encontra um parâmetro a ser seguido.
Pena que temporadas tão curtas. Bom que volte logo e nos alague de sentimentos.
HUDSON ANDRADE
18 de dezembro de 2010 – 10h31
Escrito quando da estréia do espetáculo. Desculpem aí a demora!