terça-feira, novembro 10, 2009

“SE TEM UMA COISA QUE EU NÃO TENHO... É MEDO!”

para ler ao som de Pecado, de Carlos Balk e Pontier y Francini.

“Yo no sé si es prohibido
Si no tiene perdón
Si me lleva ao abismo
Solo sé que és amor.”



Se pecar é querer-ser feliz, então meu amigo João Lucas pecou um bocado. (Ele e toda a humanidade!)
E se é verdade que não existe pecado do lado de baixo do Equador, então tá tudo certo e ele foi pro Céu! Não esse Paraíso idílico, níveo, modorrento, mas aquele que nós e o Milton(1) perdemos por desejarmos viver além da conta.
E o João Lucas viveu! Viveu, não, vive!!! Vamos acabar com essa finitude judaico-cristã que até onde me conste ele nem era partidário disso e eu muito menos! Parece que depois do acidente de um tempo atrás um pisca-alerta acendeu. Um contador de dias às avessas, diminuindo o tempo ao invés de somá-lo como deveria ser o que chamamos natural. E ciente disso ele investiu tempo, saúde, inteligência, desejo, tesão, insônia, sono, sonho, tudo quanto tinha pelo Direito – seu e alheio –, pela Arte, pela Vida, vertida na mesa dos homens de vida vazia-vadia(2). Mas, vida, ali, quem sabe, meu caro Lucas, foste feliz. Eu sei que foste. Quem te ama sabe que foste. Agora precisaste dar um tempo e apesar da curta temporada gregoriana que estiveste conosco em carne que nos faz sentir tanta saudade, temos que te deixar ir porque isso é devido a quem se ama!
Da minha parte, vai. Ainda parafraseando o Chico, sei que além das cortinas há palcos azuis e infinitas cortinas com palcos atrás e isso vai até o infinito, meu caro. Essa vida, mano, é só um véu e nos cabe tirá-lo. Mais um se foi pra ti. Espero que consigas ver melhor agora. Te conhecendo como te conheço, tenho certeza que sim!
Espeju, Lucas. Nós se encontra (não, eu não errei!) pra lá dos rio das Icamiabas, longe, longe(3), mundiados desse bem-querer sem termo.
Até lá!

HUDSON ANDRADE
10 de novembro de 2009 AD
12h08
Belém – Pará

(1) Paraíso Perdido. John Milton
(2) Vida. Chico Buarque
(3) O Uirapuru. Hudson Andrade

BROCARDOS (13)



“E disse o Senhor a Gedeão: Tu tens contigo muito povo (...). Fala (...): Aquele que for medroso e tímido, volte (...). E ele com trezentos homens saiu à batalha.”
(Juízes, 7: 2-3, 8)


Deus prometeu aos israelitas uma terra de fartura e paz, mas nunca disse que seria de graça. Foram quarenta nos dando voltas no deserto até chegarem a Madian onde um exército se estendia pelos vales como um bando de gafanhotos. E Deus disse a Gedeão que então comandava os batalhões de Israel que apenas com homens de valor lutasse e que assim seria vitorioso.
Não, este não é um artigo de caráter religioso. Nem é um artigo propriamente dito, mas um pensar sobre coisas muito próximas a mim e que, creio, faça parte da realidade de outras companhias de teatro.
O teatro é uma Arte e um ofício. As companhias precisam se entender não apenas como um agrupamento, sobretudo enquanto entidade com objetivos claros e comuns e mesmo como uma empresa, distribuindo tarefas bem definidas e provendo seu próprio sustento. Infelizmente carecemos desse entendimento e nos vangloriamos amadores no sentido menor do termo, tirando do bolso a produção de nossas pecinhas e juntando a renda da bilheteria pra comprar três cervejas, dois refris e tira-gosto de mortadela. E o pior é que muitos se satisfazem em trabalhar por comida, criando um vício nos contratantes que oferecem cachês missérimos porque sabem que se um não aceitar outros dez aceitarão. E trabalhos de qualidade vão para o limbo porque não conseguem se manter enquanto o entulho vai amontoando.
No cerne desse problema está uma multidão de gente medrosa e tímida que ainda não entendeu teatro como trabalho: com responsabilidades, horários, normas, necessidades, investimentos e até algum sacrifício. Se a estabilidade de uma empresa mais formal demora a chegar, avalie de uma companhia teatral?
Nessa busca por leite e mel, horas incontáveis de sexo e reconhecimento público muitos se decepcionam e abandonam tudo, criando algumas situações constrangedoras. Os cursos, mini-cursos, oficinas, workshops, palestras sobre teatro ficam cheias de pessoas ávidas, desinibidas, descoladas, ou extremamente tímidas querendo se soltar, ou que alguém disse que leva jeito pra coisa, ou que foi porque a namorada também vai, ou porque não tem mais vaga no curso de reike freudiano de linha branca. Se é só um dia, depois de algumas horas, mais da metade já sentou contra a parede. Se o negócio é mais sério e leva dias, ou anos, apenas meia dúzia de seis pessoas resistem e desses, uns dois, quem sabe três conseguem o entendimento real dessa profissão e se não podem viver exclusivamente dela (um sonho dourado nosso!), pelo menos a tem como algo se não prioritário, relevante. Estabelecem uma rotina de ensaios, lêem exaustivamente, pesquisam e dividem com a equipe seus conhecimentos, assumem tarefas burocráticas que garantam o funcionamento do grupo e rendimentos que lhes são diretamente interessantes; mantêm um clima de harmonia tentando herculeanente não deixar o ego, o orgulho, a vaidade falar mais alto. Ou o que é pior, mais baixo, aos cochichos, pelos cantos, nos pés dos ouvidos, que fulano é isso, que sicrano é aquilo, que beltrano podia-devia-seria.
Muito povo vem e a gente até quer ter todos por perto, achando mesmo que quantidade é sinônimo de qualidade. Ledo engano. Só com aqueles verdadeiramente valorosos é que venceremos.
Antes de investir tempo, dinheiro, trabalho próprio e alheio, pensa: Eu realmente quero isso? Pesquisa primeiro como é que funcionam as companhias, como são montados os espetáculos, os protocolos determinados para geri-los, no macro e no micro, que meu grupo de amigos não é, necessariamente, meu grupo de trabalho, ainda que meu grupo de trabalho precise ser um grupo fraterno. Veja suas próprias necessidades e disponibilidades, que essa é uma Arte difícil e um ofício ainda mais que hoje te paga mil reais por 10 minutos de cena e que por semanas vai te exigir grana de ônibus (tô falando da minha realidade), redistribuição de horários e alguma insônia.
Se ainda não é o teu momento, mesmo que ames, que querias, que até entendas o teatro, paciência. Façamos escolhas e escolhamos o que naquele momento é o que nos fará feliz. Continuaremos amigos. Mas pra frente, quem sabe não dá certo?!

BROCARDOS (12)


Racca! Entre os judeus a expressão Racca! era dita com asco, cuspindo-se de lado. A pessoa a quem era endereçada a injúria poderia se considerar absolutamente desprezada. A ofensa era tão séria que o próprio Cristo criticou duramente quem a usava. Nos dias de hoje, olhando desolado o mundo em volta, particularmente o Brasil, percebo que algumas criaturas merecem um sonoro Racca! com direito a cuspe, pipoqueiro, banda de música e todo o rito. Seguem alguns:
01. Nesses tempos de H1N1 manter as janelas dos ônibus fechadas é, no mínimo, uma insensatez. Independente da gripe A, outras doenças respiratórias podem ser evitadas por mantermos os espaços – sobretudo os coletivos – arejados. Pras bonitas (e bonitos também!) que supervalorizam seus penteados em detrimento do bem-estar geral: Racca!

02. Aos nossos governos municipal e estadual. Votei em Ana Júlia Carepa e, obviamente não votei em Duciomar Costa (esse pecado eu não levo pro Inferno!), mas hoje me vejo vítima e refém da incompetência de ambos. O pior é agüentar o risinho de alguns amigos e aquela cara de eu-já-sabia! Claro que seus motivos anti-PT e afins ainda são preconceituosos e maniqueístas, mas o resultado foi o previsto. Pelo descaso e desrespeito imoral com a saúde, segurança, educação, cultura, limpeza e conservação de praças, monumentos, vias públicas, pelos sumiços e pelas mochilas: Racca!

03. Emendamos, por natural, com o governo federal. Votei no Lula (esse pecado eu levo pro Inferno, ainda que não me arrependa dele dado o contexto de então!). Digo sempre que o PT perde pra ele mesmo e ele perdeu o meu voto (e de muitos outros, se a razão assim o permitir!). O caso é que agora as coisas beiram o caos e sentir vergonha não chega (muito menos medo, D. Regina!). Ao Lula, aos seus seguidores cegos, às bolsas disso e daquilo, a essa politicagem abjeta de auto-favorecimento e troca de favores: Racca!

04. Só pra manter na política, a cada sem-noção que eleger um só desses que aí estão: Racca! Racca! Racca!

05. A todo aquele que compensa seu deficit peniano com decibéis, principalmente se for um vizinho: Racca!

06. A todo o que se prevalece do desamparo alheio e usa qualquer religião para se favorecer: Racca!

07. Ao tecnobrega e todos os seus símbolos e variações distorcidas e esganiçadas: Racca!

08. E se no volume máximo: Racca!
09. Ao trânsito de Belém, sobretudo no complexo vi(ot)ário do Entroncamento: Racca!

10. Aos caras (e algumas mulheres que eu sei!) que mijam em postes, placas, muros, praças, enfim... Racca!

11. A quem, podendo, acha que porque eu estou no teatro não estou trabalhando e não quer pagar o ingresso justo – exceto pra gorda galinha do vizinho: Racca!

12. Se és emo, simpatizante, amigo, correligionário, amante de, namorado (a) de, e não fazes nada pela evolução humana: Racca!

E tu? A quem tu mandarias um sonoro Racca!

HUDSON ANDRADE
28 de agosto de 2009 AD
9h00

PENSANDO NESSE TAL DE AMOR



“O nosso amor a gente inventa pra se distrair. E quando acaba, a gente pensa que ele nunca existiu.”
(Cazuza)


A maior artimanha do Diabo, dizem, é nos fazer acreditar que ele não existe. A maior artimanha do Amor é exatamente nos fazer crer nele.
Nós nos relacionamos pela nossa necessidade antropológica de contato físico, casamos por convenções sociais, temos filhos pela manutenção do nosso patrimônio material e genético, transamos pela satisfação de um prazer individual e momentâneo. Depois de um tempo, dizemos: O Amor acabou! Daí os relacionamentos ficam frios, os casamentos enfadonhos, as trepadas espaçadas e burocráticas. Então partimos pra outra, certos de que dessa vez vamos acertar. E tudo se repete.
Como é que pode acabar aquele que é dito como o sentimento humano por excelência? A sublimação de todas as virtudes, o que cobre a multidão das nossas faltas? Como é que vamos da felicidade absoluta para a depressão mórbida? Do desejo incontrolável de estar junto para a apatia e o descaso? Das cartas todas ridículas para o esquecimento e até mesmo a indisposição (pra não dizer ódio, que isso aqui já está seco demais)?
Mas a culpa, afinal, nem deve ser do Amor. Eros é só uma criança inconseqüente brincando de índio. Que sabe ele da vida, da malícia do mundo, dos nossos jogos de sedução? Que culpa ele tem se só vemos o imediato?
No final das contas o problema é meu. Tem tanta gente aí super satisfeita. Senta num banquinho na porta de casa e tá tudo muito bom. Não sabe se é carnaval, semana santa, julho, ou natal e tá tudo muito certo. Não se pergunta se ama alguém, ou se alguém lhe ama, que essa palavra é tão clichê, ou esse sentimento parece que só cabe na novela e leva a vida sem um beijo e tá tudo muito justo. Ou tudo isso é tão significativo porque é simples e natural que aconteça que a rua tem todo o sentido, os dias a mesma importância, o amor é algo que simplesmente vem e quando o beijo acompanha, é terno e doce e calmo e dado porque um beijo só tem sentido se sair da gente. E eu aqui querendo e me consumindo nesses quereres. Leso!
Comecei com música e termino com música. Quase um pedido de socorro: “Só peço a você um favor, se puder: não me esqueça num canto qualquer.”*

(*) O Caderno. Chico Buarque.