sexta-feira, outubro 23, 2009

RETRATO EM BRANCO E PRETO


“Eu sou um ator que dança, ou um dançarino que atua?”. Fiz essa pergunta para a Ana Flávia Mendes, da Companhia Moderno de Dança na saída do Teatro Cuíra depois de assistir Taobonitodetaofeio, da Companhia de Investigação Cênica. “Esses limites não existem em muitos trabalhos e são muito tênues em outros. Poucos ainda assumem alguma rigidez”, posso resumir do que ela me respondeu. Na quarta versão de O Glorioso Auto do Nascimento do Cristo-Rei, da Nós Outros, criamos uma dança circular específica para aquele trabalho, com consultoria e coreografia de Ana Cláudia Costa, do Instituto Ocara; todos os trabalhos da Moderno têm inserções mais, digamos, cênicas, no sentido teatral da coisa. Investimos nessa idéia.
No seu segundo trabalho na Cênica, Danilo Bracchi aposta novamente nesse artista múltiplo e coloca atores pra dançar e dançarinos para interpretar textos e cenas. Dança, música, artes circenses, audiovisual, teatro, performance, tudo se mistura em Taobonitodetaofeio para falar dessa relação que temos com o nosso corpo, com o corpo alheio, com valores do que é igual e, sobretudo, do que é diferente. Tanta coisa (ainda da conversa com a Ana Flávia) criou uma obesidade (termo dela) de informações no espetáculo que acaba em alguns momentos carecendo de uma costura mais precisa. Mas nos seus sessenta, mais ou menos, minutos, não há espaço para o enfado. São surpresas, imagens (vídeos que me parecem homoeróticos demais e não acrescentam à encenação), sons, luz, que vão criando a expectativa pelo que vem depois, mesmo com aquela sensação de que tudo é algo fragmentado. Isso pode resultar do acúmulo de funções do Danilo como intérprete e diretor. Essa não é uma tarefa impossível, mas é de difícil execução e faz com que o diretor que está no palco perca a visão do conjunto. Digo isso da experiência própria de estar só atuando, só dirigindo e nas duas funções. Mas como eu ia dizendo, não há lugar para o tédio, ou o alheamento. Taobonitodetaofeio é um espetáculo empolgante, sobretudo para quem gosta de dança, ou não se prende a rótulos, ou clichês. Mais de uma vez eu quis estar em cena, dançando como meus amigos atores e atrizes, agora tornados intérpretes, termo mais geral que para mim reflete o que o artista deve ser: plural, não apenas em suas escolhas de trabalho, mas principalmente no investimento em sua formação.
A trilha sonora de Leonardo Venturieri é muito melhor do que a anterior, feita para Depois de Revelado Nada Mais Muda (ver RABISCOS DE LUZ). Não sei de sua experiência com música para teatro, mas ele me pareceu mais maduro, mais preciso; exceção a manter-se fora de cena, entrando ocasionalmente, com a roupa que estiver vestindo. Se a opção for por estar fora, esteja fora. Se for pela interferência ainda que ocasional, que se esteja preparado para compor com o restante do espetáculo.
O figurino de Taobonitodetaofeio é visualmente limpo, objetivo, bonito e funcional. Aníbal Pacha investiu em peças simples, permitindo o livre movimento dos intérpretes e suas trocas de roupa, e no uso do branco e do preto, cartesianamente opostos, mas indissociáveis, complementares mesmo, como os distintos que só o são pela existência do outro. Por serem iguais, me remetem a idéia de que o bonito é o que está na moda – vide o desfile que abre o espetáculo – e o que está na moda é um padrão previamente estabelecido. Ser diferente é estranho. Ser diferente é feio!
O cenário é um elefante branco. Essa expressão nos remete aquelas obras faraônicas e ineficazes dos governos desse país. Lembram? Mas é isso mesmo. Grande, parecendo inconcluso e usado pelos intérpretes em suas entradas e saídas de forma que só reforça esse inacabado.
Com a mantimento e repetição do espetáculo certamente aumentará a precisão de tudo. Do que é dito, do que é dançado. Isso o tempo garante. Ou talvez seja essa mesma a cara que se queira dar, de algo em construção, dinâmico, mutante, esse quê de Brecht que eu gosto tanto e que os intérpretes executam em vestir-se, desvestir-se em cena, conversar, observar, acarinhar-se, para num segundo, cúmplices, estarem todos prontos para o próximo passo. Atenção para a cena das máscaras – camisetas criadas por Maurício Franco – sobre o corpo nu dos artistas. Nenhuma apelação. Nenhum pudor. Poesia crua.
Vamor ver e rever Taobonitodetaofeio e Depois de Revelado Nada Mais Muda. Vamos esperar pelo que virá. Estarei ansioso e... ah! Quem me dera!!!

SERVIÇO:
Taobonitodetaofeio. Teatro Cuíra (Tv. Riachuelo, esq. com Primeiro de Março), até o dia primeiro de novembro, sempre aos sábados e domingos, 20 horas. Ingressos: R$ 20,00 (vinte reais).
Este espetáculo foi produzido com o patrocínio da Petrobrás, através do Prêmio de Dança Klaus Viana 2008, promovido pela Fundação Nacional de Arte – FUNARTE.

Elenco: Alessandra Nogueira, France Moura, Marluce Oliveira, Natália Simão, Ícaro Gaya, Danilo Bracchi.
Direção e coreografia: Danilo Bracchi
Assistente de direção: Cláudio Dídima
Consultoria dramatúrgica: Wlad Lima
Direção musical/trilha sonora: Leonardo Venturieri
Cenografia/arte gráfica/vídeo em Second Life: Nando Lima
Figurinos e adereços: Aníbal Pacha
Máscaras: Maurício Franco
Cabelos: Fernando Gomez e Carol Pabiq
Iluminação: Roma Muniz

Em memória de Ronald Bergman.