sábado, agosto 29, 2009

EU 22



“E eu que tinha apenas dezessete anos, baixava minha cabeça pra tudo. Era assim que as coisas aconteciam. Era assim que eu via tudo acontecer.” (Camilla Camilla. Nenhum de Nós)


Eu olho o mundo com olhos de distância. Aos 17 anos esse mundo não é assim tão grande, mas como é complicado. Tenho que ser adulto pra cuidar de tantas responsabilidades que eu não criei ou pedi, e não deixei de ser criança pra dormir fora de casa.
Ok. Exagerei. Da última vez cheguei tão bêbado e transtornado que não imagino como achei o rumo de casa. E não estava com as roupas com as quais saí. Acordei muito depois do almoço e diante da TV meu pai repetiu suas verdades, mas dessa vez o tom não era de ameaça – que eles, os pais, chamam de conselho – mas tinha algo de protecionista e de preocupação e por fim, de determinação. Aquilo não se repetiria enquanto eu comesse do seu feijão.
O que meu pai dizia ecoava surdo na minha cabeça, quicando nas paredes de osso e atravessando meu cérebro que parecia gelatina. Eu mal conseguia ficar de olhos abertos e quando não respondi que tinha entendido, veio o tapa.
Fazia anos que meu pai não me batia. Até minha mãe se assustou, mas não se atreveu a mover um único músculo em minha defesa. Puxou meu irmão pelo braço e foram se entrincheirar na cozinha. De lá começou a vir o cheiro de pipoca! Caralho! Isso é surreal, eu pensei. Meu pai aqui me agredindo com máximas e tabefes e minha mãe fazendo pipoca! Uma raiva cega subiu pelas minhas veias e eu fechei os punhos e quis esmurrar aquele homem ali na minha frente, mas me limitei a perguntar se podia voltar pro meu quarto. “Aproveita!”, ele respondeu, “enquanto ele ainda é teu quarto!”
Entrei no aposento ainda escuro e desarrumado, tranquei a porta por dentro e sentado na cama quis chorar, mas homem não chora. Quis calar, mas havia um menino dentro do peito que queria agradar aos pais, passar no vestibular, fazer natação, terminar o cursinho de inglês que ele tinha conseguido bolsa parcial. Quis chorar pra encher todas as latas de cerveja entornadas, pra apagar todo cigarro, até aqueles que ele tinha recusado fumar. Quis calar porque suas notas eram boas e ele ganhara uma medalha na olimpíada de matemática e cuidava do irmão quando a mãe ia ao comércio onde passava o dia inteiro de loja em loja. Quis chorar pela roupa que alguém tirara e pelas tantas mãos e bocas e tudo o mais. Quis calar porque tinha uma pessoa que ele amava. Mas aos dezessete anos a gente ama muita gente e odeia todo mundo.
Liguei o computador e entrei no MSN, mas teclava e falava ao celular ao mesmo tempo e com o mesmo desinteresse. Por fim, cansei e desliguei a máquina puxando pela tomada. Desliguei o celular disposto a não falar com ninguém, não interessava quem fosse.
Então vieram me chamar. Levantei de um pulo e segurei a porta pra que ninguém entrasse. “Tá trancado por quê?” minha mãe perguntou. Não sabia o que fazer, não sabia o que falar, só queria ficar na minha e o resto do lado de fora. Tirei a chave da fechadura e joguei garganta abaixo. Senti o gosto de metal e de sangue e o ar começou a faltar. Recuei engasgado, apertei o pescoço, dobrei o corpo pra frente, me joguei de costas contra a parede e cai chutando a cadeira e a prateleira cheia de livros, CDs e miniaturas coloridas de carros.
Um pontapé arrancou o trinco da porta que bateu contra a parede e voltou, brusca. Meu pai foi o primeiro a entrar. Minha mãe gritava de um lado para o outro. Meu irmão não parava de chorar. E eu acho que vi umas duas, ou três vizinhas.
Eu fazia uns sons estranhos e não conseguia respirar, meus olhos saltados lacrimejavam e tudo foi ficando escuro e silencioso.

HUDSON ANDRADE
27 de agosto de 2009 AD
9h15

Manda sugestões pra mim e me ajuda a escrever o final dessa história. Tô esperando.