quarta-feira, novembro 12, 2008

EU 17


Colo o nariz na janela do quarto do hotel. Prédio antiquado, limpo e arrumado. Uma construção, um estacionamento, uma barraca de camelô, um ponto de ônibus. E o Cristo Redentor, lá longe, encarapitado no seu morro temporariamente inacessível.
O medo da cidade desconhecida tinha sumido. Nem maravilhosa nem Babilônia nem quarenta graus nem indiferente. Tomei uma média com pão rances, almocei batata frita, jantei sopa de cebola, trabalhei, atravessei ruas, cruzei arcos, via praia de longe, o pecado de perto, trabalhei, dancei, ri, mas não chorei (o que é de se estranhar!).Peguei sol, trabalhei, tomei chuva. O Cristo,lá de longe, sumiu no meio da cerração.
Ao meu lado sempre tinha um bom amigo, o que dava alegria e reconforto. Mas a cidade não me reconhecia como eu era. Podia passar despercebido entre os nativos sem sotaque, cabeça chata ou cor de pele que merecesse um olhar mais atento. Isso me deixava mais seguro. Andava com desenvoltura certo que a má-fé não me pegaria desprevenido. O Cristo Redentor (Que horror! Que lindo!) nunca me olhou de frente.
E fui sumindo. É! Sumindo! Desaparecendo, ficando invisível! Notei isso a primeira vez quando pensei terem retirado o espelho do elevador social. Olhando a superfície polida sem me ver de volta tive um frio na espinha e depois um leve sorriso nervoso de que a pessoa esta prejudicando um julgamento. Quando desci, o rapaz de roupa social e mochila nas costas não retribuiu meu cumprimento. E todos tinham sido tão educados até agora, pensei! Na rua nenhuma diferença. Todos iam, vinham, davam encontrões e sequer se desculpavam. Desci a Rua da Carioca, entrei no metrô e ninguém me atendeu para vender o cartão. Os outros passavam à frente, não atendiam meus protestos. O tempo foi passando e eu fui me estressando. Bati no balcão, soquei o vidro. A moça e o rapazola de chinelo e bermudão recuaram assustados. Ela chamou o segurança. Ele se foi sob protestos. Eu também não me vi no espelho do guichê. Saí dali, pulei a catraca, entrei no vagão quando a porta abriu para os outros e me encolhi no ladinho da porta. Desci correndo, morrendo de fome, medo e dúvida. No restaurante do hotel, outro espelho e a certeza de que deixara de existir para os outros. No começo até que foi divertido: no banheiro um hóspede cubano oferecia o pau pro garçom de aliança no dedo esquerdo, sem notar minha presença nem quando a luz acendeu automaticamente à minha passagem; no décimo segundo andar comi o almoço deixado sobre uma mesa no corredor; assustei a camareira gorda do sétimo que fugiu com dificuldades, assisti um ou dois filmes e na igreja apaguei velas com sopros fortes, bailando entre os candelabros alterando ritmos e formas. Foi quando o padre jogou água benta na minha direção e eu não senti as gotas que percebi que aquilo estava ficando sério demais. Eu não era visto e logo não seria mais sentido. Voltei para o hotel. No caminho o Cristo, sempre de lado, recebia o brilho de um sol dourado.
Tomei as malas com dificuldade, joguei-as num táxi amarelinho e como não seria atendido pelo motorista, tirei-lhe calmamente as chaves, entrei no carro e saí, tomando o cuidado de fechar os vidros peliculados. Dirigia com cuidado e olhava para o retrovisor para ver se nenhuma viatura me seguia. Na linha vermelha, ao olhar pelo espelho, vi uma leve sombra de mim e quanto mais me afastava da cidade mais essa sombra ganhava contornos, cores e tons. No check-in a moça me deu a passagem com um olhar de estranhamento fixo em mim. O que era pior, meu Deus? Não ser visto, ou aquele olhar que misturava medo e curiosidade? Suspirei aliviado quando o comissário de bordo sorriu e disse boa tarde, senhor!
O avião subiu e o que eu vi do Cristo foram luzes e frágeis contornos. E luzinhas, como um grande bolo de aniversário, ou um cruzeiro no dia de finados. Outra bebida, senhor? Perguntou a jovem loura e uniformizada. Sim, água, por favor!
Indo, ou voltando, quis saber a senhora cheia de livros ao meu lado. Voltando! Respondi. Bom, não?! Ela sorriu. Muito!
E reclinei a poltrona.
Muito!!

HUDSON ANDRADE
11 de novembro de 2008.
12h30