terça-feira, outubro 21, 2008

BROCARDOS (05)


É nos momentos de grandes dificuldades que se revelam as mais nobres almas.
Depois de dias de terror, horas de expectativa, Eloá Cristina Pimentel chega ao fim de sua curta vida. Apenas 15 dos nossos anos, cortados pela imaturidade de uns, pela ineficiência de outros. Isso agora acaba não sendo assim tão relevante. A jovem de Santo André se foi. Sua mãe, Ana Cristina Pimentel, no entanto, tendo todos os motivos para movimentar-se em desespero, ódio, revolta, mantêm uma calma e serenidade invejáveis, perdoa o causador da morte da sua filha e, exemplo maior, doa os órgãos de Eloá para transplante. Sete pessoas, entre elas uma paraense, têm uma nova chance de vida, com qualidade e possibilidades.
Já disse aqui antes que não entendo de leis. Repito. Falo, como também já afirmei, pelo que sinto.para casos extremos, medidas extremas e a fila de doentes esperando transplantes é, para mim, caso de saúde pública. Setenta mil, segundo o presidente de Associação Brasileira para Transplante de Órgãos (ABTO), ontem, 20 de outubro de 2008, durante entrevista ao Jornal da Globo. Desses, alguns correm risco de morte; a paraense que recebeu o coração de Eloá esperou 16 dos seus 39 anos por este transplante. Setenta mil pessoas que esperam pela solidariedade de poucos. Quantos não permitem a doação de seus órgãos pelo egoísmo de enterrar o corpo sem “mutilação”? quantos identificam suas RGs como NÃO DOADOR DE ORGÃOS E TECIDOS por medo, desinformação, preconceito, descaso? E para quê? Para não violar uma embalagem. Para deixar se desagregue uma casca tão relevante como tempo quanto uma fotografia, ou um objeto pessoal.
Pode ser duro falar assim, mas eu acredito que deveria haver obrigatoriedade para doação de órgãos, ao menos um por pessoa. A solidariedade é muito mais digna e bonita,mas enquanto setenta mil pessoas agonizam não há solidariedade certa! Somos obrigados a votar. Somos obrigados a prestar o serviço militar. Por que não ser obrigado a doar o que não nos servirá mais? Diz o Espírito Emmanuel – mentor espiritual do médium mineiro Chico Xavier – que as boas ações começam pela obrigação, passam pela conscientização, até se tornarem espontâneas. Seria um processo de aprendizagem, temporário, até que se entendesse que vale o corpo mais do que a roupa.
Parabéns a D. Ana, mulher valorosíssima. Nossas orações a Eloá, que mais este gesto lhe seja levado em conta em sua nova vida. Nossas orações a Nayara Silva, amiga de Eloá, por sua pronta recuperação. Que coragem nunca lhe falte. Nossas orações ao Lindemberg Alves que não foi ensinado, ou não aprendeu o valor do não. Nossas preces ao Lindemberg, este, agora, o mais necessitado de todos.

HUDSON ANDRADE
Belém, Pará, 21 de outubro de 2008.
16h30

sábado, outubro 18, 2008

É SÓ SENTIR O VENTO FLUIR...

...sentar, relaxar e rir. Quando a Sorte te Solta um Cisne na Noite (cisnÊ e não cisnEM) é a nova produção do Cuíra, direção de Wlad Lima e Karine Jansen, premiado com o Myriam Muniz, da FUNARTE e que entrou em cartaz no último dia 17 de outubro.
Até novembro, todas as noites de sexta, sábado e domingo serão cinza, prata e preto. Algum branco. Meia maquiagem, música, a alegria e o deboche característico de quem decidiu nadar contra a corrente e dar a cara à tapa pra amar e gozar com quem lhe é semelhante.
Com dramaturgia de Edyr Proença, Quando a sorte... é um espetáculo gay. Retrata em quadros os amores, os desencontros, a solidão, a culpa, a festa, os relacionamentos bem, ou mal resolvidos, os choques – com o outro, consigo –, um jeito de ser que não permite meios termos. O espetáculo também não vai te dar essa opção. Vais gostar, ou não vais gostar. Odiar? Nunca! A diversão é garantida, até alguma identificação. Dá pra pensar em um monte de coisas e até rever alguns conceitos, ou reforçá-los.
No entanto a dramaturgia é exatamente o ponto delicado do espetáculo. Uns textos têm um quê de panfletário, outros ficam nas margens daquilo que se quer dizer sem nunca ir lá no fundo. Todos precisavam dizer mais. Ou menos. E deixar a encenação resolver as coisas como faz em muitos momentos. Em Quando a Sorte... as imagens são muito mais contundentes. O espetáculo começa pra cima, convidando à festa e à dança. O público quer bater palmas (e bate mesmo!), subir no palco (eu queria!), balancê! A cena imediatamente seguinte é dessas em que basta o que se vê: incisiva, dura, um tapa que logo depois é soprado com mais luz e bandalheira. E assim vamos, pra cima e pra baixo, uma gangorra estranha, mas deliciosa. Às vezes o problema do texto nem é o texto em si, mas ser mal dito. Noutros, atores mais experimentados acabam presos numa laçada curta. Os quadros que compõem o espetáculo são criados em cima de uma linha mestra e se resolvem em si mesmos, mas por não conversarem com os demais, deixam uma sensação de incompletude, ou de excesso, como os shows de transformistas numa boate. De repente a idéia é até essa. Por que não?!
O figurino de Maurício Franco é objetivo, bonito, confortável. A luz que se esperaria excessiva, colorida, é pontual, porque ser gay é viver sempre na sombra, uma espécie de segredo guardado cuidadosamente numa Ana Maria que a gente só vê no espelho do banheiro.
Quem sair do Espaço Cuíra depois de Quando a Sorte te Solta um Cisne na Noite (cisnÊ, meus amores, não cisnEM!) vai cantarolando “Tomorrow, tomorrow, I will survive...” até em casa. Ou vai emendar, que dá vontade de esticar a noite na caça dessa ave de canto raro, que parece nunca ter uma nota sequer pra quem decidiu nadar contra a corrente e dar a cara à tapa amando e gozando com quem lhe é semelhante.

Ah! Viado só dá o cú porque é cú que tem que dar mesmo. Se desse buceta não
seria viado. Daí, que graça teria?!

SERVIÇO:
Quando a Sorte te Solta um Cisne na Noite.
Músicas e Dramaturgia: Edyr Proença
Músicas cantadas por Walter Bandeira, Marco Monteiro e Nilson Chaves
Produção executiva: Zé Charone
Direção: Wlad Lima e Karine Jansen
Elenco: Olinda Charone, Paulo Marat, André Mardock, Ronald Bergman, Roma Muniz, Fábio Tavares, Wanderley Lima, Maurício Franco, Thiago Ferradaes, Michel Amorim, Rafael Cabral, Ícaro Gaya e Lucas Gouvêa.
No Espaço Cuíra (Riachuelo com Primeiro de Março), de 17 de outubro a novembro de 2008, sextas e sábados às 21 horas, domingo às 20 horas.
Ingressos: R$ 20,00
Veja imagens no You Tube: http://br.youtube.com/watch?v=jboZZD2geVw

HUDSON ANDRADE
Belém, Pará, 18 de outubro de 2008. 10h15.