sexta-feira, setembro 19, 2008

BROCARDOS (05)

Agora dá pra falar de Olimpíadas, já que somente no último dia 17 terminaram as competições para atletas com deficiência. Toda a pompa e circunstância ficam com os atletas “normais”, os super-humanos que têm a missão de elevar seus países à categoria de potências esportivas e servir de propaganda para a superioridade desse ou daquele povo.
Os Jogos Olímpicos de 2008 aconteceram em Pequim, na China, de 06 a 24 de agosto. As paraolimpíadas aconteceram de 06 a 17 de setembro de 2008. Naquela, grandes delegações, maiores quanto mais rico o país que as enviou. Investimentos altíssimos, alta tecnologia de tecidos a materiais antiderrapantes. Grandes cobranças. Nas paraolimpíadas é o inverso. Países mais pobres, os emergentes, mandaram delegações muito maiores do que os seus primos ricos, que reduziram suas equipes em média pela metade. Isso pode ser compreendido, segundo a Organização Mundial de Saúde, pelo grande número de pessoas com deficiência nos países em desenvolvimento, vítimas da ineficiência no combate a doenças como a poliomielite e por amputações causadas por conflitos armados. O Brasil enviou 200 atletas que competiram em 25 modalidades nestes jogos, contra 188 atletas com deficiência. Uma redução pequena frente a outros países como EUA (600 atletas nas Olimpíadas, contra 213 nas Paraolimpíadas), Japão e Austrália.
Nadando contra a corrente, os atletas paraolímpicos se destacaram em sentido inverso aos seus companheiros ditos “normais”. Primeiro lugar no quadro de medalhas olímpicas, os americanos abocanharam 110 lauréis, sendo 36 de ouro, caindo para terceiro lugar nas Paraolimpíadas, com 99 medalhas, sendo 36 de ouro. A Venezuela terminou as Olimpíadas em 82º lugar, com uma medalha de prata e outra de bronze. Setenta e quatro países sequer subiram ao pódio entre africanos, latinos e países do oriente médio. Já nas Paraolimpíadas o destaque ficou com a Tunísia, país do norte da África, 52º lugar nas Olimpíadas onde competiu com 27 atletas. Na competição para deficientes, foram 35 atletas que angariaram 21 medalhas, 09 delas douradas, ficando em 15º lugar no quadro geral.
Nosso Brasil terminou a competição olímpica em 17º lugar, com 03 medalhas de ouro, 04 de prata e 08 de bronze, logo atrás da Bielo-Rússia, também com 15 medalhas, sendo 04 de ouro. Nas paraolimpíadas foram 47 medalhas, 16 douradas, com destaque para o corredor cego Lucas Prado, que subiu ao pódio mais alto nos 100, 200 e 400 metros.
Terminamos as Olimpíadas com uma sensação de derrota muito grande. Os grandes nomes do esporte nacional com Tiago Camilo e João Derly, judocas, o ginasta Diego Hypólito, os times de vôlei masculino, vôlei de praia masculino e o futebol feminino deixaram uma grande dúvida no ar. O que acontece com nossos atletas? O presidente do Comitê Olímpico Brasileiro (COB), Carlos Arthur Nuzman disse haver necessidade de um psicólogo na delegação brasileira, função tão importante quanto fisioterapeutas, preparadores físicos e nutricionistas. Isso já acontece na equipe feminina de vôlei. A psicóloga Sâmia Hallage vem trabalhando as meninas desde o início deste ano e colheu bons frutos: a inédita medalha de ouro para o vôlei feminino do Brasil.
É claro que problemas há em todos os países, em todas as delegações, mesmo as mais ricas. Mas o que interessa falar aqui é do Brasil. Somos um povo apaixonado, torcemos de deixar a cabeça do dedo no osso, beijamos na boca pra logo em seguida, tendo frustradas as nossas expectativas, virar as costas aos nossos candidatos a heróis. E ainda temos que agüentar o Galvão Bueno dizendo aquele clichê idiota de que o que vale é ter chegado até aqui e que ir pra uma final já é uma vitória e que somos maiores do que isso. O escambau! Fora a seleção brasileira de futebol e sua milionária federação, quem tem apoio digno no esporte brazuca, guardadas as devidas proporções aos Correios e Caixa Econômica Federal? Não vou entrar nesse mérito porque serei tendencioso. Não gosto de futebol e renego o tratamento diferenciado que os jogadores desta seleção recebem. Alguém veio aqui no Bengui passar a mão na cabeça da Formiga depois que ela voltou da China? Nada! Toda a preocupação é com as eliminatórias, ou classificatórias, ou a droga que seja pra próxima Copa que eu bem queria que o Brasil não fosse pra ver o que é bom pra tosse!
No meu ver os atletas brasileiros chegam aonde chegam com a garra que nos é peculiar. Vão abrindo caminho no peito e na raça, comendo pelas beiras, caindo de cabeça, dando os pulos até chegar nas semi-finais e finais. Daí esbarram na categoria do treinamento dos países desenvolvidos que investem milhões em seus representantes. Contra a técnica, não tem garra que chegue. E técnica eles têm. A fleuma de chegar, colar um sorriso ACME na cara, fazer o que tem que fazer e aguardar, frios, o resultado que todo mundo já sabe qual é. Isso está longe de ser a nossa realidade. Como é que o Tiago Camilo vai concorrer com um Michael Phelps cuja vida é dedicada à água? E recebe investimentos pesados pra isso. Quantos exemplos temos iguais a este em nosso país. Ruim é só que o povo parece não ver esse tipo de coisa e quer a vitória sempre e nada menos do que o ouro, querendo colher onde não lançou semente alguma!
Esse estado de coisas é ainda mais contundente quando os atletas têm qualquer tipo de deficiência num país que diz não ser preconceituoso, diz não ser racista, diz não ser homofóbico.
Na raiz disso tudo está novamente o descaso com o processo educacional do brasileiro, que precisa ser integral, incluindo não só as matérias formais de estudo, mas igualmente o esporte e a arte como elementos formadores de opinião e da condição de cidadão de qualquer pessoa. De absoluta inclusão! Não se desenvolvem as habilidades do indivíduo, que poderia ser um excelente músico, um dramaturgo maravilhoso, um pintor genial, um grande atleta. Todos somos limitados a fazer contas e entrar no saturado mercado de médicos e advogados e tecnólogos e engenheiros pelo status da profissão. Lamentável!
Americanos, chineses, japoneses, europeus, todos já começaram a se preparar para Londres 2012. Crianças vão ser estimuladas, domadas, doutrinadas, torcidas e ser os novos heróis dos seus países, representando a glória dourada do ideal de superar milésimos de segundos, metros e marcas. Por aqui, vamos correr atrás de um bom tênis, de uma piscina, dividindo tudo isso com um trabalho formal que garanta o do fim do mês. No ritmo que as coisas vão, não será ainda nas próximas Olimpíadas que o Brasil será destaque no quadro de medalhas. Quem sabe na outra, ou na seguinte? Desde que comecemos agora. Desde que comecemos já!

HUDSON ANDRADE
19 de setembro de 2008
16h23

quinta-feira, setembro 04, 2008

EU 16

Uma sala repleta de homens vazios, diria Drummond. No entanto eu permanecia no chat há quanto tempo? Quatro, cinco horas?! Sempre desistindo, sempre me predispondo a ficar. Os papos de sempre de idade, de onde, querendo o quê, certos álbuns de fotos reveladoras, muitas propostas indecentes, nenhum Robert Redford.
Então lancei o ataque final: Alguém aí do meu bairro? A resposta: Eu! Nesse deserto de almas (dessa vez é Caio F.) uma igualmente estiolada é capaz de reconhecer a outra. Daí foram conversas, convites para o MSN, web can, números de celular. E promessas!
Duas, mais ou menos três semanas foram de muitos contatos, mas por uma série de contratempos, nenhum encontro, até que num dia desses ele confessou já estar aborrecido com aquela situação. Morávamos tão perto um do outro. Por que nunca nos encontrávamos? Respondi que se eu acreditasse em destino, certamente ele estaria conspirando contra nós. Ele propôs que mudássemos aquilo e marcamos já tarde da noite, quando ambos se tinham desvencilhado de seus compromissos, num ônibus que servisse aos dois para o retorno pra casa. Aguardei no ponto até que ele ligasse, dizendo estar no ônibus tal, número tal, camisa verde, calças jeans. Em quinze minutos eu sentava ao lado dele. Informal: E aí? Fala! Senta aí! Valeu!! E entre muitos silêncios, nenhum olhar direto, um rápido aperto de mão, as pernas que se encontravam nas curvas das ruas, trocamos impressões, informações, bocejos e talvez uns suspiros. Descemos numa rua larga e deserta pelo início do dia seguinte, caminhando lado a lado bem no meio da avenida, uma como que eletricidade entre a gente, até a pergunta: E então? Atendi tuas expectativas? Respondi que não tinha feito nenhuma. Às vezes a gente espera demais e se decepciona. Noutras espera de menos e se surpreende. Prefiro deixar rolar. Ele concordou. No meio do caminho entre as duas casas, novo aperto de mão, dessa vez mais forte, algo demorado e quente, um boa noite e nos separamos.
Depois dessa noite mais nenhum telefone, ou e-mail, ou mensagem. Eu bem que tentei. Será que ele tentou? O fato é que ninguém se falou e eu fiquei pensando em tudo o que nos dissemos sem nunca termos nos visto, na vontade de estar juntos e quando isso finamente aconteceu, qualquer coisa deixou tudo morno e sem graça e uma contrária cuíra de estar perto de novo, de se tocar, de qualquer lance.
Então decidi esperar o mesmo ônibus daquela noite. O mesmo horário, o mesmo número, o mesmo motorista que passou a me cumprimentar. Nada! Cheguei a pensar que algo tinha acontecido, ou que tudo não tivesse passado de um truque e agradeci a Deus por não ter lhe dito onde morava, tão perto de onde nos separamos. Depois de muitas tentativas, já quase desistindo, mas sempre me predispondo a tentar novamente, eu o vi em outro ônibus que cruzou com o meu, ora a minha frente, ora atrás. E foi me dando uma aflição, uma vontade de descer e não ser visto, de pedir explicações, de simplesmente dizer boa noite! Ele desceu. Eu desci. Chamei-o pelo nome. Ele parou, acendeu um cigarro, estendeu a mão. Toquei meu chip, perdi o contato, mas estamos aí e o novo número é facinho de decorar. Anota aí! Lembrou de coisas que eu tinha dito, mostrou-se gentil, mas daquelas gentilezas de vendedor de loja, de corretor de imóveis. Quando nos separamos no mesmo ponto da outra noite eu lhe pedi que esperasse, que eu tinha que lhe falar que eu sentira muita vontade de vê-lo de novo, que... Ele sorriu e disse: Legal, aí! Como eu tava te dizendo, tô pensando uns novos trabalhos aí e aí quando eles estiverem prontos aí eu te chamo pra pedir uma opinião aí! Depois deu um soquinho macho no meu peito e já de costas disse que a gente se falava.
Parado no meio da rua pensei nas pessoas por trás das paredes, das cortinas, vendo TV, lendo, comendo, trepando, dormindo, insones. Alguns mais vazios, outros menos, vários outros satisfeitos.
Minha alma ressequida voltou pra casa, meu corpo foi pra cama, minha mente tratou de apagar mais uma lembrança.

HUDSON ANDRADE
04 de setembro de 2008.
8h48