quinta-feira, julho 31, 2008

DAS TREVAS VÊM OS CAVALEIROS.

Batman, personagem criados pelos americanos Bob Kane (1915 – 1998) e Bill Finger (1914 – 1974), deve ser muito respeitado. Perto das outras adaptações dos quadrinhos, o Paladino de Gothan tem muita sorte. O Homem-Aranha 3 e Superman são peças típicas do mau cinema americano: imperialistas, rasos, medíocres. Homem de Ferro e Hulk 2 eu não vi e não posso opinar. Daí que é correto dizer que Batman veio das trevas. As trevas das adaptações ruins dos heróis dos quadrinhos, da palhaçada em que terminou a série dirigida por Tim Burton e Joel Schumacher. Trevas que nas mãos de Christopher Nolan promoveram o (re)começo do Homem Morcego. Batman Begins (EUA, 2005) e o recente O Cavaleiro das Trevas devolveram ao herói o seu verdadeiro trono: as sombras de Gothan City.

Batman é meu herói preferido dos tempos em que, encarnado por Adam West dava Socs!, Pans! Tuns!, em vilões com figurino duvidosos. Só fui retomar, ou incorporar, o gosto quando Burton lançou Batman, em 1989. Então foi uma enxurrada de revistas, séries, botons, camisetas, figurinhas, tudo, trancafiados depois de Batman e Robim (EUA, 1997) e porque esse negócio de coleção gasta uma boa grana. Hoje os meus olhos de fã compartilham a imagem do Homem Morcego com uma visão crítica e pretensiosa do cinema e da arte em geral.

Batman: O Cavaleiro das Trevas (Batman – The Dark Knight, EUA, 2008) é um ótimo filme. Suas quase três horas de duração mostram que Nolan queria algo além do comercial. O diretor construiu seu filme com calma, desfiou pontas, desfez nós, abriu brechas e amarrou uma história que grita por uma continuação, mas pode viver perfeitamente sem ela. O grande barato do filme é que Batman é o protagonista oficial e quando voltamos a atenção para ele nos desviamos dos personagens secundários. Enquanto expressão artística é a chance de dar aos outros atores uma real função na trama, alicerçando o enredo em vários pilares seguros; enquanto mitologia mostra o Batman (Christian Bale) como a infantaria que abre caminho para o verdadeiro exército: a honestidade de Jim Gordon (Gary Oldman), a sensatez de Alfred (Michael Caine), a obstinação de Harvey Dent (Aaron Eckhart), a nobreza de Rachel Dawes (Maggie Gyllenhaal) e, claro, a loucura do Coringa (Heath Ledger), o contrapeso, o caos e, apesar de representar o mal, a luz sobre quem realmente é o justiceiro que vigia a cidade de dentro da noite.

No filme de Nolan o Coringa é imenso! Em parte pelo proclamado processo de construção do personagem, pela impressionante entrega de Ledger, mas também porque o roteiro põe em seus atos e falas o destino de um mito e de toda Gothan. Sozinho, ele instaura a desordem na já conturbada vida da cidade, enreda todos numa teia intrincada e, não sem a devida e inteligente resistência, vai ganhando terreno até chegar ao seu real objetivo: Batman. Não para detê-lo, mas para justificá-lo, porque só assim sua existência é viável. No entanto, Heath Ledger não merece o Oscar, pelo menos não até sabermos quem concorreria com ele. Há grandes méritos no trabalho do australiano nascido 29 anos atrás e morto no último 22 de janeiro por overdose acidental de medicamentos. Sua propalada indicação ao prêmio da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood é motivada claramente pela comoção em torno do trágico incidente e pela propaganda gratuita (?) para a Warner que, ao negar os efeitos devastadores de interpretar o Palhaço do Crime sobre a morte de Ledger, só reforça a lenda de um personagem maior do que o seu intérprete.

O Coringa nasceu das mãos de Jerry Robinson* em parceria com os criadores do Batman, em 1940. Robinson afirma que originalmente ele era um palhaço metido a gênio do crime e sua caracterização remetia a traquinagem. O Coringa psicopata e maldito foi ganhando corpo e crescendo posteriormente. Ainda assim o cartunista não acredita que interpretá-lo perturbe os atores, como afirmou Jack Nicholson que viveu o algoz do Batman no longa de Burton. Para Robinson, César Romero (1907 – 1994) que interpretou o vilão na série de TV dos anos 1960 é quem fisicamente mais se aproxima da sua criatura, mas faz coro com os amigos de set e o diretor Terry Gilliam – para quem o ator trabalhou em The Imaginarium of Doctor Parnassus, que ficou incompleto – de que Heath Ledger era um grande ator. Exatamente por isso,diz, ele não se deixaria “contaminar” pelo personagem. Afirmam ainda que a criação de Ledger para o Coringa é definitiva, o que certamente impedirá, ou dificultará Nolan de substituir o ator ao usar o personagem na possibilidade de um terceiro filme.

A loucura salta aos olhos em O Cavaleiro das Trevas. Se o Coringa a cospe na nossa cara, é no cidadão comum que ela realmente vive, ora gritando por socorro para logo em seguida condenar, num senso de justiça que é distorcido pela dor, nos dois pesos e duas medidas em que se pesa a vida humana, na corrupção. E como falamos em humanos, é preciso também dizer da retidão ainda que ao preço da própria vida.

Ao mergulhar nas sombras, Batman nos dá a verdadeira dimensão da palavra herói.

HUDSON ANDRADE

Belém, Pará, 30 de julho de 2008 AD. 12h50

(*) Conforme artigo de Rodrigo Fonseca, publicado em O Diário do Pará, caderno D, página 4, em 15 de julho de 2008.

NOTA: Alguns links remetem a informações em inglês. Desculpem os que não dominam o idioma. Tentei dar ao texto um conteúdo maior e exatamente a busca de um conteúdo mais completo e/ou mais confiável é que direcionaram a escolha dos links. Meu texto, contudo, pode ser lido sem a necessidade de acesso às referidas informações.

BROCARDOS. (2)

Em entrevista durante as comemorações dos 80 anos da Policia Rodoviária Federal, em Brasília, seu coordenador social, inspetor Alexandre Castilho disse que um motorista não pode se recusar a fazer o teste do bafômetro como preceitua a Lei Seca em vigor no país. Segundo Castilho, todo cidadão temo direito de ir e vir, mas não de dirigir. Esta seria uma concessão do Estado. Ao solicitar permissão para dirigir o cidadão aceita os critérios para tal e se não se submete a elas torna-se passível de ter seus direitos caçados.

Já para Percival Menon Maricato, diretor jurídico da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes, ir e vir é um direito constitucional e dirigir um veículo está implicitamente relacionado a esse direito. Logo, o Estado tem obrigação de conceder carteira de motorista já que exige esse documento para a condução de automóveis. Se não fosse assim estaria indo de encontro a sua própria constituição. Maricato conseguiu junto ao Tribunal de Justiça de São Paulo habeas corpus para não ser punido por recusar se submeter ao teste do bafômetro. O documento se baseia no artigo 8º da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, de 1969, da qual o Brasil é signatário e que diz ser direito de cada pessoa não depor contra si mesma.

Muito se discutiu desde que a lei que prevê penas graves àqueles pegos dirigindo após o consumo de bebidas alcoólicas foi instituída. E muito ainda se discutirá. E muitos ainda morrerão no trânsito vitimados não pelo álcool em si, mas pela irresponsabilidade de alguns motoristas com a vida alheia. Se eu defendo a Lei Seca? Claro! Seus benefícios são inegáveis e os prejuízos mínimos. Nenhum bar vai fechar as portas, não haverá desemprego em massa de garçons e condutores, as indústrias de bebidas não vão falir e os taxistas agradecem. O povo já deu o seu jeitinho de garantir sua ração de álcool: aluguel de vans, táxis, ônibus, rodízio de quem bebe e quem dirige, a troca por bebidas não alcoólicas (o que, pasmem, não diminuiu a diversão!!!) e por aí vai.

Mas a alegria ainda está longe de ser total. As estatísticas indicam um número menor de acidentes e vítimas no trânsito porque um dos elementos responsáveis por esses eventos foi atenuado. No entanto, o desrespeito à vida continua. Muitos, amparados pela impossibilidade das autoridades em fiscalizar devidamente o cumprimento das leis, na sensação de impunidade que é contundente neste Brasil de Murietas e Dantas, na despersonalização do outro enquanto indivíduo, concidadão e irmão, na sensação egoísta de superioridade num claro desvio de valores, bebem e dirigem, trafegam em alta velocidade, avançam sinais, pilotam de forma arriscada, exibem-se despropositalmente, tratam veículos menores e pedestres como obstáculos ao seu livre trânsito, ignoram sinalizações, corrompem agentes de trânsito e tratam a via pública numa deturpada idéia de coisa própria. Para esta questão não há lei – ainda que de leis precisem os homens –, mas educação, uma que extrapole o significado de símbolos e cores, uma educação moral e ética, onde liberdade e direitos andem a braços com ordem e deveres.

HUDSON ANDRADE

24 de julho de 2008 AD. 11h31


sábado, julho 12, 2008

EU 15

Entrei numa de ficas triste. Essas tristezas injustificadas que só fazem bem a ninguém; dessas em que só a gente pensa que a gente é coitadinho. O fato é que eu dei pra ficar triste, calado, cenho franzido, pelos cantos. Nenhum convite era bom, nenhuma comida gostosa, o barulho incomodava, o silêncio incomodava. Tudo, enfim, incomodava.

A festa tinha um quê de tradição. Minha casa, meus vizinhos, nossos parentes e amigos, todos vinham, comida à vontade, bebida no balde, música. Eu olhando aquilo de longe que ainda estava triste. Enchi uma caneca com leite e saí pra rua como estava: chinelo, bermuda, peito nu. Andei na calçada, fui olhar a pracinha, vi os carros chegando, o povo chegando. Um amigo passou por mim, cerveja na mão, e seguiu reto. Não me viu, ou fez que não me viu. Também, eu tava um saco mesmo. Deixa ele! Só que fiquei mais triste. Queria atenção, que ele falasse comigo. Mas ele ria de alguma piada idiota e entornava cerveja. Que se dane! Dei de ombros e entrei em casa. Joguei o leite na pia, abri a torneira até que a água passasse de leitosa à cristalina.

Quando comecei a lavar a caneca ele entrou na cozinha, o copo novamente cheio, o mesmo sorriso aberto. Que tinha me visto – que foi falar com um amigo – que quando olhou eu tinha sumido – que disseram que eu tava ali. Falava tanto e tão rápido, sempre rindo, intercalando com cerveja, que eu não tinha tempo pra responder. Daí ele começou a dizer que entendia como eu me sentia (?!) e que voltava depois pra gente colocar o papo em dia. E como eu ainda estivesse na pia, caneca cheia de sabão, me abraçou colando o peito às minhas costas. Afastou o copo de cerveja e enlaçou com o braço direito minha barriga. Disse que a gente se falava e eu disse que sim, obrigado.

Permanecemos onde estávamos, sem uma palavra, ou ruído, só nossas respirações e uma vontade de ficar juntos que era a primeira vez que a gente tinha que sempre fomos amigos e nada daquilo tinha sequer passado pelas nossas cabeças. E fomos ficando, uns movimentos leves, uns suspiros e sem mais nada subimos correndo as escadas.

Ele entrou, tirou a camisa, abriu um botão e deitou na cama.

Eu entrei, tranquei a porta e fiquei (penso) longos minutos com a testa na madeira e a mão na chave.

Quando ele me perguntou o que é que a gente fazia agora eu pedi silêncio. Falar pra quê? Melhor não.

Ele acordou bem tarde. Eu nem tinha dormido, mas me deixei ficar ali quieto, deitado, olhando seu sono que era satisfação e álcool e algum cansaço. Continuamos calados ouvindo a música abafada de uma festa sem hora pra acabar. Perguntou se eu queria descer, eu disse que não; se ele podia voltar, respondi que sem problemas... se ele quisesse... que sim, claro!

A gente se fala, ele disse.

Sim. Obrigado!

Belém, Pará

11 de julho de 2008.

19h00 (revisado)